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terça-feira, 14 de junho de 2011

O investimento financeiro é uma experiência emocional?

O investimento financeiro é uma experiência emocional?
Qual é o elo entre o mercado financeiro e a economia real? Atualmente, é
difícil encontrar algum. Enquanto um é um "cemitério", a outra é a pujança em
pessoa - praticamente em crescimento incontrolável! Não é curioso? Inclusive,
porque já houve momentos inversos também - mercado financeiro exuberante e
economia real para lá de morna. Qual é o significado de tudo isso?
Recentemente, participei de uma jornada sobre Bion (aquele psicanalista que é o
meu queridinho), na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, cujo tema
foi "O que é experiência emocional?"
Uma noite e um dia discutindo esse assunto, que é central para quem atua na
clínica psicanalítica. De repente, enquanto estava lá, juntei meus dois lados -
psicanalista e psicóloga econômica - e me perguntei se haveria uma experiência
emocional em curso quando alguém faz um investimento financeiro.
Quando o mercado "anda de lado", ou sofre as temíveis quedas, o investidor
desanima. Parece uma criança emburrada no recreio. "Não brinco mais"! Sem falar
que a maioria parece apagar os velhos e sábios conselhos - "quando os preços
caem, é a hora de comprar, meu filho..."
O que acontece com essas manjadas recomendações na hora de a onça beber água?
Por que grande parte dos investidores abandona seus objetivos? Eles não eram de
longo prazo? E a percepção de que o mercado tem oscilações mesmo? Aonde vai
parar todo o conhecimento zelosamente cultivado sobre como investir bem, a
tranquilidade do investidor esperto, que não coloca todos os seus ovos na mesma
cesta? Dane-se, agora eu só quero saber mesmo por que raios esse trem não sobe!
Ou seja, quando a coisa não vai bem, às favas com toda aquela racionalidade bem
apessoada que a gente faz questão de usar, como nossa melhor roupa de domingo!
Na hora sombria de expectativas contrariadas, da cara feiosa da frustração
zombando da nossa fragilidade, cadê o controle sobre todas as coisas? Aí,
sobram emoções, e elas são bem primitivas...
Por isso, não é difícil lembrar-se da criança indignada e avessa a qualquer
negociação. Que desaforo - afinal, ninguém combinou com ela que ia tudo
enguiçar dessa maneira!
Um elemento essencial para constituir experiência emocional é que haja uma
relação em andamento. Só que não precisa ser com outra pessoa concreta - pode
ser, por exemplo, uma figura interna. Pode ser animada, inanimada, coisa,
situação - quiçá, investidor e investimento.
Que tipo de experiência emocional teríamos ali? Com quem ou com o quê o
investidor se relaciona quando coloca seu dinheiro numa aplicação? Para além do
lucro, o que mais ele busca nessa experiência?
Confirmação de que está correto em suas percepções é unanimidade. A gente busca
esse estado de "coincidência" com a realidade quase ininterruptamente. A
intuição verdadeira seria um exemplo de coincidir nesse sentido - pena que seja
tão arisca e só raramente se deixe captar ou reconhecer...
Experimentar a sensação de poder também dá ibope. Eu posso por meu dinheiro
aqui ou ali. Eu posso fazer meu dinheiro multiplicar. Com ele, eu fico
independente e forte. Eu sou melhor do que o otário que está na posição inversa
à minha. Eu sei, e ele não sabe. Eu domino minha insegurança e sou o cara.
E ainda outro estado buscado é o desejo oceânico de satisfação infinita - e
desprovida de riscos, claro! O mercado está favorável agora, e ficará por toda
a eternidade. Com um pouco sorte, até pela próxima eternidade também! Só
alegria!
Se for esse o caso - se sentimentos desse tipo estiverem presentes na mente do
investidor durante períodos prolongados de bonança -, isso pode significar que
todas as outras percepções, aquelas mais sensatas, de que nada nesta vida está
garantido etc, ficam fora do radar; mas assim que a maré começa a virar, as
emoções que estavam submersas vêm à tona e, então, é de 'meu mundo caiu' para
baixo...
Pois é, se as emoções primitivas têm um papel tão importante nas decisões de
investimento, talvez valha a pena pensar, na mão oposta, se não seria
interessante restaurar os elos - entre mercado financeiro e realidade econômica
de um lado, e e ntre realidade emocional e realidade externa, de outro.
Quem sabe por aí poderíamos nos reconciliar com a inevitável exigência de
sustentabilidade, que suporta o desenvolvimento verdadeiro?
Vera Rita de Mello Ferreira é psicanalista, consultora, professora de
psicologia econômica da FIPECAFI e autora dos livros "A Cabeça do Investidor",
"Psicologia Econômica" e "Decisões Econômicas - você já parou para pensar"

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