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terça-feira, 26 de julho de 2011

"Podemos estar perto de reviver a crise de 1930"

"Podemos estar perto de reviver a crise de 1930"
Paul Krugman:

Para aqueles que conhecem a história da década de 1930, o que está ocorrendo agora é muito familiar. Se alguma das atuais negociações sobre a dívida fracassar, poderemos estar perto de reviver 1931, a bancarrota bancária mundial que alimentou a Grande Depressão. Mas se as negociações tiverem êxito, estaremos prontos para repetir o grande erro de 1937: a volta prematura à contração fiscal que terminou com a recuperação econômica e garantiu que a depressão se prolongasse até que a II Guerra Mundial finalmente proporcionasse o “impulso” que a economia precisava. Esta é uma época interessante, e digo isso no pior sentido da palavra. Agora mesmo estamos vivendo, não uma, mas duas crises iminentes, cada uma delas capaz de provocar um desastre mundial. Nos EUA, os fanáticos de direita do Congresso podem bloquear um necessário aumento do teto da dívida, o que possivelmente provocaria estragos nos mercados financeiros mundiais. Enquanto isso, se o plano que os chefes de Estado europeus acabam de pactuar não conseguir acalmar os mercados, poderemos ter um efeito dominó por todo o sul da Europa, o que também provocaria estragos nos mercados financeiros mundiais. Somente podemos esperar que os políticos em Washington e Bruxelas consigam driblar essas ameaças. Mas há um problema: ainda que consigamos evitar uma catástrofe imediata, os acordos que vêm sendo firmados dos dois lados do Atlântico vão piorar a crise econômica com quase toda certeza. De fato, os responsáveis políticos parecem decididos a perpetuar o que está sendo chamado de Depressão Menor, o prolongado período de desemprego elevado que começou com a Grande Recessão de 2007-2009 e que continua até o dia de hoje, mais de dois anos depois de que a recessão, supostamente, chegou ao fim. Falemos um momento sobre por que nossas economias estão (ainda) tão deprimidas. A grande bolha imobiliária da década passada, que foi um fenômeno tanto estadunidense quanto europeu, esteve acompanhada por um enorme aumento da dívida familiar. Quando a bolha estourou, a construção de residências desabou, assim como o gasto dos consumidores na medida em que as famílias sobrecarregadas de dívidas faziam cortes. Ainda assim, tudo poderia ter ido bem se outros importantes atores econômicos tivessem aumentado seu gasto e preenchido o buraco deixado pela crise imobiliária e pelo retrocesso no consumo. Mas ninguém fez isso. As empresas que dispõem de capital não viram motivos para investi-lo em um momento no qual a demanda dos consumidores estava em queda. Os governos tampouco fizeram muito para ajudar. Alguns deles – os dos países mais débeis da Europa e os governos estaduais e locais dos EUA – viram-se obrigados a cortar drasticamente os gastos diante da queda da receita. E os comedidos esforços dos governos mais fortes – incluindo aí o plano de estímulo de Obama – apenas conseguiram, no melhor dos casos, compensar essa austeridade forçada. De modo que temos hoje economias deprimidas. O que propõem fazer a respeito os responsáveis políticos? Menos que nada. A desaparição do desemprego da retórica política da elite e sua substituição pelo pânico do déficit tem verdadeiramente chamado a atenção. Não é uma resposta à opinião pública. Em uma sondagem recente da CBS News/The New York Times, 53% dos cidadãos mencionava a economia e o emprego como os problemas mais importantes que enfrentamos, enquanto que somente 7% mencionava o déficit. Tampouco é uma resposta à pressão do mercado. As taxas de juro da dívida dos EUA seguem perto de seus mínimos históricos. Mas as conversações em Washington e Bruxelas só tratam de corte de gastos públicos (e talvez de alta de impostos, ou seja, revisões). Isso é claramente certo no caso das diversas propostas que estão sendo cogitadas para resolver a crise do teto da dívida nos EUA. Mas é basicamente igual ao que ocorre na Europa. Na quinta-feira, os “chefes de Estado e de Governo da zona euro e as instituições da UE” – esta expressão, por si só, dá uma ideia da confusão que se tornou o sistema de governo europeu – publicaram sua grande declaração. Não era tranquilizadora. Para começar, é difícil acreditar que a complexa engenharia financeira que a declaração propõe possa realmente resolver a crise grega, para não falar da crise europeia em geral. Mas mesmo que pudesse, o que ocorreria depois? A declaração pede drásticas reduções do déficit “em todos os países salvo naqueles com um programa” que deve entrar em vigor “antes de 2013 o mais tardar”. Dado que esses países “com um programa” se veem obrigados a observar uma estrita austeridade fiscal, isso equivale a um plano para que toda a Europa reduza drasticamente o gasto ao mesmo tempo. E não há nada nos dados europeus que indique que o setor privado esteja disposto a carregar o piano em menos de dois anos. Para aqueles que conhecem a história da década de 1930, isso é muito familiar. Se alguma das atuais negociações sobre a dívida fracassar, poderemos estar perto de reviver 1931, a bancarrota bancária mundial que tornou grande a Grande Depressão. Mas se as negociações tiverem êxito, estaremos prontos para repetir o grande erro de 1937: a volta prematura à contração fiscal que terminou com a recuperação econômica e garantiu que a depressão se prolongasse até que a II Guerra Mundial finalmente proporcionasse o impulso que a economia precisava. Mencionei que o Banco Central Europeu – ainda que, felizmente, não a Federal Reserve – parece decidido a piorar ainda mais as coisas aumentando as taxas de juros? Há uma antiga expressão, atribuída a diferentes pessoas, que sempre me vem à mente quando observo a política pública: “Você não sabe, meu filho, com que pouca sabedoria se governa o mundo”. Agora, essa falta de sabedoria se apresenta plenamente, quando as elites políticas de ambos os lados do Atlântico arruínam a resposta ao trauma econômico fechando os olhos para as lições da história. E a Depressão Menor continua. Paul Krugman é professor de Economia em Princeton e Prêmio Nobel 2008.

Maioria ainda prefere fugir do risco

Maioria ainda prefere fugir do risco
Antigamente, a opção para o investidor brasileiro aplicar lá fora era mandar o dinheiro diretamente para o exterior, lembra Andrea Moufarrege, diretora do private banking do HSBC. Hoje, com as liberações feitas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é possível aplicar em fundos que tenham parcelas lá fora. Qualquer fundo pode ter 10% no exterior, parcela que sobe para 20% nos multimercados. Há ainda fundos com 100% aplicados lá fora, mas com exigência de aplicação mínima de R$ 1 milhão. Mas apesar do aumento das facilidades para aplicar no exterior, Andrea vê maior procura por investimentos no mercado local. "Há um movimento do investidor brasileiro de concentrar as aplicações para crescimento de patrimônio no mercado local, com uma migração grande neste semestre para fundos de renda fixa ou para ativos de crédito, especialmente os isentos de imposto de renda", afirma a diretora. Mesmo olhando para a renda variável apenas, Andrea observa que os mercados americanos estão mais valorizados que o brasileiro. "Até ontem, o índice Standard & Poor's 500 sobe 6,34%, o Dow Jones, 8,77%, o Dax da Alemanha, 6,22%, enquanto o Ibovespa perde 13,47%", diz. "Neste momento, temos uma perspectiva de barganha maior local do que no mercado internacional."Ela observa também que, com o real se valorizando, quem aplicou no exterior está sofrendo com as perdas cambiais nas aplicações lá fora. No ano, o dólar comercial cai 7,38%. "E a isso é preciso acrescentar a taxa de juros da Selic", diz Andrea. Segundo ela, a aplicação pode ter feito sentido em termos de diversificação. "Mas em termos de rendimento, só compensou se a aplicação lá fora foi em papéis que tivessem um super-rendimento."Uma história diferente seria a aplicação em países fora do eixo EUA-Europa, como os asiáticos. "Na Ásia, a história é diferente, temos um potencial de alta estimado em 20%, 25%, e pode fazer sentido abrir mão do custo de oportunidade brasileiro", diz. Ela admite, porém, que mesmo que as ações brasileiras estejam mais atrativas, elas terão um prazo maior para apresentar uma melhora. "Temos muitas incertezas justamente nos EUA e na Europa e as dúvidas sobre o combate à inflação aqui."

Cresce preocupação com impasse da dívida nos EUA

Cresce preocupação com impasse da dívida nos EUA
O temor dos investidores diante do impasse nos EUA quanto ao aumento do limite de endividamento federal cresceu ontem, à medida que líderes políticos americanos continuam defendendo soluções conflitantes para evitar um possível calote da dívida em agosto.A ausência de sinais públicos de progresso na solução do impasse sobre o teto da dívida emitidos pelos partidos Republicano e Democrata lançou uma sombra sobre os mercados em todo o mundo, tendo os investidores frustrados abraçado ainda mais ativos seguros.O dólar caiu para um mínimo histórico contra o franco suíço, ao passo que o ouro teve uma alta recorde. Títulos do Tesouro dos EUA com longos prazos de vencimento perderam valor, ao passo que em todo o mundo as bolsas de valores permaneceram sob pressão."O temor de uma possível ruptura da negociação sobre o teto da dívida está visivelmente contaminando os mercados", disse David Rosenberg, economista-chefe da Gluskin Sheff & Associates.O Fundo Monetário Internacional (FMI) reiterou que os EUA precisam elevar o teto de endividamento rapidamente, pois uma perda de confiança na dívida soberana americana teria efeitos graves para o resto do mundo.Os líderes republicanos na Câmara dos Deputados e líderes democratas no Senado estavam trabalhando em propostas conflitantes para elevar o teto de endividamento de 14,3 trilhões e controlar os futuros déficits americanos. Não ficou claro se as duas podem ser harmonizadas em tempo suficiente para que o Congresso vote sobre a legislação antes de 2 de agosto, data após a qual os EUA poderão deixar de honrar sua dívida e outras obrigações.Os republicanos querem elevar o limite da dívida em etapas, inicialmente apenas até o início de 2012, seguida por uma reforma mais abrangente dos gastos no longo prazo. Os democratas e a Casa Branca têm se oposto inflexivelmente a um aumento do limite de endividamento de curto prazo e querem uma solução que vigore além das eleições presidenciais de novembro do ano que vem.O plano do presidente da Câmara, John Boehner - em duas etapas -, limitar-se-ia a elevar o limite de endividamento dos EUA em até US$ 1 trilhão, e posteriormente em US$ 1,6 trilhão, de acordo com assessores republicanos citado pela Bloomberg. O plano exigiria US$ 1,2 trilhão em cortes de gastos na primeira fase e US$ 1,8 trilhão na segunda, disseram assessores.Harry Reid, líder da maioria democrata, está buscando apoio à sua própria proposta de elevação do limite de endividamento de uma só vez e, em contrapartida, redução, ao longo da próxima década, de US$ 2,7 trilhão do déficit orçamentário projetado.Nos voláteis negócios da madrugada, o rendimento dos títulos de 30 anos subiu 8 pontos base. A bolsa de Nova York fechou em queda ontem.

EUA já se preparam para rebaixamento

EUA já se preparam para rebaixamento
Enquanto os EUA ficam próximos de uma possível moratória ou rebaixamento de sua avaliação de risco, a mais alta de todas, muitas das mentes mais perspicazes de Wall Street começam a traçar os planos de batalha.Mas poucos já preparam algo de significativo. O principal motivo é que ninguém sabe exatamente o que fazer."Se você não sabe o que vai fazer quando o evento acontecer, como é que decide como aplicar?", disse Alan De Rose, diretor executivo de operações com finanças e títulos governamentais na Oppenheimer & Co. "É uma posição muito difícil."Uma das dúvidas dos investidores é: depois de um choque como esse, os investidores vão fugir dos títulos de dívida do Tesouro americano, há muito tempo um oásis de segurança? Ou vão correr para eles, por força do hábito? Especialistas que fizeram carreira com os Treasurys têm argumentos convincentes para as duas alternativas."Ainda estamos tentando entender a situação", diz Mohamed El-Erian, diretor-presidente e co-diretor de investimentos da Pacific Investment Management Co., que administra o maior fundo de renda fixa do mundo. "Enxergamos isso como um risco."Na noite de domingo, El-Erian escreveu num e-mail que "está se preparando o terreno político para um acordo temporário de curto prazo" que provavelmente vai derrubar as bolsas e o dólar e deixar o grau de risco da dívida do governo americano "extremamente exposto a um rebaixamento danoso".Numa reunião recente de um grande banco, foi perguntado aos executivos o que eles recomendariam comprar no exato momento em que o limite de endividamento não for elevado. Para cada argumento apresentado, havia um contra-argumento válido explicando por que a aplicação não seria sábia.Até há pouco tempo, os mercados financeiros insistiam em descartar as manchetes sobre o limite de endividamento, dizendo que era teatro político demais. As pessoas corriam para a segurança dos Treasurys, em meio à crise da dívida soberana da Europa, aumentando com isso o preço dos papéis, o que por sua vez reduz o rendimento deles. As bolsas continuaram subindo, graças aos lucros relativamente bons anunciados pelas empresas.Na semana passada, enquanto os líderes em Washington continuavam brigando para encontrar maneiras de cortar o déficit enquanto se aproximava o prazo final para aumentar o teto de endividamento, o rendimento dos Treasurys mostrava que estava ficando cada vez mais sensível ao debate. O rendimento da nota de 30 anos - mais suscetível a preocupações de longo prazo sobre a posição fiscal dos EUA - foi sacudido por manchetes de possíveis acordos para elevar o teto da dívida. As bolsas oscilaram mas fecharam a semana perto do maior nível desde o início da crise financeira.Alguns argumentaram que os mercados podem ter uma reação relativamente benigna a uma moratória ou ao rebaixamento da nota de crédito da dívida americana. Os investidores enfrentam há meses incerteza e riscos significativos por causa da crise da dívida europeia, das consequências do terremoto japonês e da turbulência política no Oriente Médio.Em meio a essa cautela, o impacto das más notícias sobre o déficit do orçamento pode ser limitado a uma reação puramente instintiva, argumentam.Alguns já fizeram algumas aplicações. Certas mesas de operações com Treasurys reduziram riscos. Fundos mútuos do mercado monetário e fundos de hedge estão mais líquidos. Associações setoriais estão começando a estudar como lidar com os problemas causados por uma possível moratória.Fundos de hedge e outros investidores já estão na defensiva, menos alavancados e se protegendo contra o risco de o mercado cair. Isso tem prejudicado o desempenho, já que as ações subiram no primeiro semestre, mas pode suavizar o impacto de uma queda nas bolsas.Investidores individuais têm tirado as aplicações de fundos de ações dos EUA há vários meses, sacando US$ 20 bilhões só em junho, segundo o Instituto de Empresas de Investimento.Muitos consultores também estão evitando riscos. "Estivemos na defensiva durante a maior parte do ano" e o debate sobre o orçamento não mudou isso, disse Michael Maloon, consultor financeiro de San Ramon, na Califórnia. Entre essas aplicações defensivas estão certificados de depósito segurados e fundos de renda fixa de curto prazo. "O baixo rendimento está acabando com a gente, mas estamos mais preocupados em preserva o principal".Para muitos, as conversas de agora sobre administração de risco lembram a montanha-russa de 2008."Qualquer um que passou pelo terceiro trimestre de 2008 precisa entender que o sistema financeiro não é tão robusto como todos esperávamos", diz Jaret Seiberg, analista político do Grupo de Pesquisa da MF Global em Washington. "Ainda não sei o que fazer sem uma dívida americana AAA", disse ele.

Analistas ainda esperam acordo e rejeitam calote

Analistas ainda esperam acordo e rejeitam calote
Apesar do impasse nos EUA, a maioria dos analistas e investidores no momento acredita que o país não recorrerá ao calote.O mercado de ações americano caiu, mas sem refletir percepção de pânico. O índice Dow Jones caiu 0,5% e o Standard & Poor's recuou 0,48%. O dólar e os juros dos títulos americanos também oscilaram pouco. "O que o mercado está dizendo é que, embora acredite que um acordo vá ser feito, ele irá esperar para ver como será este acordo para decidir se acha bom ou não", disse Ken Polcari, diretor-gerente da Icap Equities, em Nova York."Achamos que isso será resolvido", disse Rob Lutts, presidente da Cabot Money Management. "A questão é: resolvido do ponto de vista de solução de longo prazo ou será uma medida tapa-buraco?"Uma pesquisa com gestores de fundos feita este mês pelo Bank of America mostrou que a ameaça de calote nos títulos do Tesouro americano nem aparece na lista dos cinco maiores riscos. "O principal cenário da maioria dos investidores é que um acordo será fechado", disse Alessandro Bee, estrategista de renda fixa do Sarasin.Para John Silvia, economista-chefe do Wells Fargo, ainda que a Casa Branca e o Congresso não cheguem a um acordo até o dia 2 de agosto, o governo americano tem condições de evitar um default por pelo menos um mês. "O Federal Reserve [Fed, o BC dos EUA] e o Tesouro podem trabalhar juntos para gerar dinheiro suficiente pelos próximos dois ou três meses para evitar qualquer tipo de default automático na dívida do Tesouro", disse Silvia.Em relatório divulgado na semana passada, o Barclays Capital disse que receita tributária maior que a prevista pode dar liquidez ao Tesouro até o dia 10 de agosto. Mesmo que não aconteça um acordo em tempo suficiente, os investidores em títulos do governo dos EUA acreditam que provavelmente ainda receberão os pagamentos. "Nossa visão é de que os EUA entrarão em algum tipo de default técnico, mas dificilmente entrarão em default técnico em obrigações da dívida do governo. Provavelmente o default acontecerá em outros pagamentos governamentais, tais como para fornecedores de armamentos ou obrigações da previdência social", afirmou Percival Stanion, chefe de estratégia de ativos múltiplos no Baring Asset Management.

Principais riscos são um default seletivo e um rebaixamento do rating

Principais riscos são um default seletivo e um rebaixamento do rating
As implicações de um calote, mesmo que temporário, por parte dos Estados Unidos, na semana que vem, serão bem mais sérias do que perder uma ou duas notas no seu risco de crédito, acreditam analistas.Por isso, boa parte do mercado parece preferir acreditar que a Casa Branca e os republicanos terminarão superando o impasse político até o prazo fatal de 2 de agosto, e evitarão uma catástrofe econômica e financeira. Um acordo, se for alcançado, precisará conter medidas de cortes de gastos e de aumentos de impostos, num ajuste fiscal que deverá totalizar entre US$ 3 trilhões e US$ 4 trilhões nos próximos dez anos, avaliam economistas. Do contrário, haveria mais perda de credibilidade e o governo americano deixa de deter o rating AAA por alguns meses.Se não houver entendimento até a semana que vem, não será a primeira vez que o governo americano enfrenta esse tipo de situação. O governo suspendeu serviços não essenciais e demitiu servidores de 14 a 19 de novembro de 1995, e repetiu a ação no começo de 1996, mas nas duas vezes manteve o serviço da dívida.Em todo caso, no cenário atual, em que a crise financeira global se transferiu dos bancos para os governos, e no rastro do estrago causado pela perspectiva de calote da Grécia, um default mesmo temporário ou técnico dos EUA teria um sério impacto multiplicador no mercado, ainda mais quando se considera que os papéis americanos referenciam ativos globalmente.Julian Jessop, da consultoria Capital Economics, exemplifica que, pelo Acordo de Basileia II, de exigência de capital próprio dos bancos, dívida governamental só é considerada livre de risco se tem classificação AA- ou superior. Em princípio, portanto, o default americano significaria que as instituições financeiras enfrentariam maior necessidade de capital. Os títulos da dívida americana são amplamente usados como colateral para transações nos mercados futuros e considerados livres de riscos para calcular o custo de uma multitude de ativos.Analistas destacam, assim, dois grandes riscos sistêmicos. O primeiro é de um "calote seletivo" do Tesouro, de forma que, depois de 2 de agosto, não teria mais liquidez suficiente para pagar todas as suas faturas, incluindo salários, aposentadorias etc. Nada menos que US$ 87 bilhões de dívidas devem ser pagas no dia 4 e, para isso, o Tesouro precisa emitir títulos. Mas só poderá fazer isso com a autorização do Congresso para superar o teto de US$ 14,3 trilhões de dívida pública.O governo americano pega emprestado 42% do que gasta, em média. Na medida em que não poderá emitir títulos da dívida, o governo da maior economia do planeta estará na situação de "calote seletivo", pelos termos usados pela empresa de classificação de riscos Standard & Poors, piorando a crise de confiança na economia global.O segundo risco é de um rebaixamento da nota AAA hoje dada à dívida pública americana. Com isso, os títulos do Tesouro deixam de ser um ativo "refúgio seguro". Os investidores poderão exigir mais para comprar o papel. As estimativas são de que cada meio por cento de rendimento resulte numa fatura adicional de US$ 150 bilhões anuais na dívida americana.Para Patrick Artus, do banco Natixis, de Paris, é difícil entender por que a dívida pública americana manteve seu status de ativo refúgio e seguro diante da situação da economia dos EUA e das finanças públicas.Se a percepção mudar e a dívida americana de repente for vista como um ativo arriscado, pode-se esperar, assim, que as taxas americanas de juros de longo prazo subam, a menos que os bancos usem suas reservas para comprar mais títulos do Tesouro; o valor do dólar cairá ainda mais; os investidores podem escolher outros ativos refúgio, como a dívida pública alemã. Além disso, podem questionar seriamente até que ponto a capacidade de crédito das companhias americanas seria melhor que a do governo, ou seja, os investidores podem cobrar mais também pelos papéis do setor privado.Outros analistas minimizam esse cenário. É verdade que os EUA têm uma dependência forte de investidores externos, o que o deixa mais vulnerável a uma eventual fuga de capital. Mas acham que não existe alternativa crível ao dólar como moeda dominante na economia.A expectativa é que diante do risco tão perigoso que correm os EUA, e por tabela toda a economia mundial, o Tesouro americano já tenha seu plano B para explorar algumas flexibilidades na legislação americana. Além disso, certamente decidirá honrar o serviço da dívida enquanto for possível e se focará em cortar gastos em outras áreas.Pode-se esperar também um "longo período de incertezas e volatilidade antes que todas as implicações estejam claras". De toda maneira, as incertezas sobre a dívida americana servem para mostrar que as consequências da crise global vão durar por vários anos.Para alguns analistas, um dos poucos vencedores com um calote americano será o preço do ouro, podendo superar a barreira de US$ 2 mil no ano que vem.A semana será "estressante para os mercados do mundo e para o povo americano", previu o chefe de gabinete do presidente Barack Obama, Bill Daley, na TV americana anteontem.

Alta de commodities derruba subsídios agrícolas nos EUA

Alta de commodities derruba subsídios agrícolas nos EUA
Os negócios estão a todo vapor nesta típica cidade agrícola do centro dos Estados Unidos, com sua estátua de bronze de Abraham Lincoln a vigiar a praça do fórum local.O preço da terra subiu vertiginosamente, bem como os depósitos bancários, já que a alta do milho e da soja implica em que os produtores rurais estão obtendo o maior faturamento de sua vida. Na Sloan Implement, que vende tratores da John Deere, "pode ser o melhor ano que já tivemos", diz o diretor-presidente Tom Sloan.Uma exceção ao boom é o escritório local do Departamento de Agricultura dos EUA, conhecido como USDA, distribuidor dos subsídios federais para os agricultores que são beneficiados por uma gama variada de programas. Numa tarde recente, o estacionamento em frente à sede de tijolo à vista, que fica atrás de um restaurante chinês, estava quase vazio.O motivo é que os pagamentos do principal programa de subsídios agrícolas dos EUA, criado na década de 30, cessaram por aqui. A cotação dos grãos está alta demais para permitir os pagamentos, de acordo com a fórmula do programa de preços mínimos. Em outras palavras, o mercado tem feito o que décadas de rusgas políticas não conseguiram: cortar os subsídios agrícolas.Embora os pagamentos de subsídios sempre tenham oscilado com a cotação das safras, muitos economistas estão convencidos de que o que está acontecendo agora é diferente. Uma elevação fundamental no preço das lavouras tem criado uma chance real de os produtores rurais dos EUA nunca mais atingirem as condições que permitem a forma mais básica de subsídio agrícola.Ainda há outros tipos de subsídios, que continuam sendo pagos porque não são ligados à cotação do mercado. Mas os preços altos estão minando o apoio político para esses programas, especialmente no momento em que o Congresso e a Casa Branca começam a discutir seriamente a contenção dos gastos federais, devido aos déficits trilionários e os conflitos políticos sobre o teto de endividamento do governo americano.Subsídios agrícolas há muito são um pomo da discórdia comercial entre os EUA e outros países que exportam alimentos. O próprio governo brasileiro já se queixou repetidamente que a ajuda do governo americano a agricultores desequilibra o comércio internacional. Washington frequentemente defende seus subsídios, apontando para a ajuda que seus parceiros comerciais dão aos agricultores deles próprios.Os cheques do governo para os produtores rurais americanos encolheram para cerca de US$ 11 bilhões por ano - metade do que eram há seis anos - e ainda podem encolher outra metade se Washington seguir adiante com os planos de eliminar um segundo tipo de subsídio importante, que custa ao governo cerca de US$ 5 bilhões por ano."Os subsídios estão simplesmente sumindo", disse J. Mark Welch, economista da Universidade Texas A&M.Há muito que os críticos do sistema acusam os subsídios agrícolas de serem obsoletos e um desperdício. Responsáveis por já ter consumido US$ 760 bilhões em recursos federais, os subsídios foram criados para combater a pobreza rural na época da Grande Depressão, quando um quarto dos americanos vivia no campo. Hoje em dia, menos de 1% da população é agrícola. O produtor rural típico cultiva muito mais hectares que antigamente, graças, em parte, a tratores e colheitadeiras cada vez mais potentes, das quais as mais recentes até dispensam o motorista.A maior parte do dinheiro dos subsídios federais segue para produtores rurais que são mais ricos que o contribuinte americano médio. O Environmental Working Group, um grupo militante de Washington que quer transferir os dólares de subsídios para programas de conservação ambiental, tem um banco de dados que mostra que 10% das fazendas recebem 74% dos recursos federais. Os pequenos produtores recebem pagamentos menores simplesmente porque cultivam menos hectares.Os subsídios são protegidos há muito tempo por uma das poucas coalizões bipartidárias remanescentes em Washington - de políticos de Estados rurais importantes.O foco recente maior nos gastos em Washington mudou esse cálculo. O Senado já votou para eliminar os créditos tributários do etanol. Grupos de produtores agrícolas, conformados com os cortes profundos, estão sugerindo programas alternativos de subsídios que eles dizem que podem custar menos aos contribuintes."Acabou aquela era", diz o secretário de Agricultura, Tom Vilsack, membro do Partido Democrata que já foi governador do Estado de Iowa. "Não existem mais vacas sagradas. Tudo é negociável."Isso é motivo de preocupação para alguns. Embora os atuais preços altos façam com que os fazendeiros não sintam muita falta dos cheques de subsídio, alguns economistas agrícolas temem o que pode acontecer da próxima vez em que a notavelmente volátil economia agrícola contrair. "A rede de segurança dos produtores rurais americanos sempre esteve um andar abaixo dos agricultores", diz o economista Steve Elmore, da DuPont Co., que produz químicos e sementes. "Ela ainda existe, mas agora está oito andares abaixo."

Temor de "default" da dívida dos EUA e da Grécia abala mercados

Temor de "default" da dívida dos EUA e da Grécia abala mercados
Os temores de default soberano afetaram o sentimento dos investidores nos dois lados do Atlântico ontem, depois que a agência de avaliação de risco Moody's rebaixou a nota da dívida da Grécia e Washington se viu refém de uma paralisia política em meio às altercações sobre o teto da dívida dos Estados Unidos. O rali dos ativos de risco que estimulou os mercados no fim da semana passada teve um fim súbito, com as ações globais sendo alvo de uma onda de vendas pela primeira vez em cinco pregões e os rendimentos dos títulos referenciais do Tesouro americano voltando a ficar acima dos 3% por um curto período de tempo.Na tarde de quinta-feira os mercados financeiros se mostraram animados com a promessa de uma resolução das duas grandes crises de dívida que estão preocupando o mundo, disse Neil Mellor, do Bank of New York Mellon. Entretanto, a busca de estabilidade pela zona do euro continua a enfrentar obstáculos e, mais uma vez, os investidores deverão se deparar com a possibilidade real de a maior economia do mundo dar um calote.O ouro atingiu um patamar nominal recorde, enquanto o franco suíço chegou ao seu maior nível histórico em comparação ao dólar, graças à decisão dos investidores de correrem de volta para investimentos classificados como portos seguros."A semana será tensa para os mercados", disse Kathleen Brooks da Forex.com. "Embora pareça catastrófico pensar no que aconteceria se os Estados Unidos entrarem em default, o ouro se beneficiaria, juntamente com o franco suíço." As consequências de um calote dos EUA para os mercados mundiais seriam muito mais "perigosas" do que o rebaixamento de um ou dois pontos na classificação de crédito do país, disse Julian Jessop da Capital Economics - daí porque tal cenário continua sendo improvável."Se o prazo de 2 de agosto chegar sem nenhum acordo, é quase certo que o Tesouro dos Estados Unidos decidiria cumprir com o serviço da dívida pelo maior tempo possível e se concentrar em economizar em outros lugares. Seria surpreendente o Tesouro não ter nenhum plano de contingência adicional para impedir, ou pelo menos adiar, um default."Nos mercados de bônus soberanos, a decisão da Moody's de reduzir a classificação da dívida da Grécia em três pontos, para "Ca", reforçou os temores de um contágio, que já ficaram evidentes em meio ao rali da semana passada."Foi na sexta-feira que os spreads dos papéis dos países periféricos deram os primeiros sinais de fadiga", disse Divyang Shah da IFR Markets. "A festa após a reunião da União Europeia não durou tanto tempo quanto a maioria dos investidores gostaria."Shah observou que os rendimentos dos bônus italianos e espanhóis de 10 anos se comportaram de maneira mais dramática, ontem, do que os títulos das três nações da zona do euro que foram socorridas (Irlanda, Portugal e Grécia). "Isso é significativo e sugere que, embora muitos estivessem esperando semanas tranquilas durante as férias, os mercados poderão testar o conjunto de ferramentas de prevenção de crise que é o Fundo de Estabilidade Financeira Europeia. Os investidores que estão de olho nos portos seguros e nos rendimentos continuam tentando se desfazer de suas aplicações na Itália e na Espanha - a crise continua", acrescentou Shah.O rendimento dos títulos espanhóis de 10 anos subiu 25 pontos-base ontem, para 6,04%, enquanto o da Itália subiu 27 pontos-base para 5,67% - por outro lado, o rendimento sobre os bônus da Grécia aumentou apenas 17 pontos-base. O rendimento dos Bunds alemães caiu 5 pontos-base para 2,77% por causa dos fluxos direcionados para os investimentos seguros.Os rendimentos dos Treasuries de 10 anos chegou ontem a 3,02%, mas a dívida dos Estados Unidos se mostrou resistente diante das incertezas políticas e das vendas de US$ 99 bilhões desta semana, reduzindo as perdas, com a taxa de retorno ficando em 2,98%. O rendimento dos títulos de 30 anos atingiu o maior nível em duas semanas.Nos mercados de câmbio, o dólar perdeu terreno para o franco suíço como porto seguro, recuando 1%. "Com toda essa incerteza, o franco suíço avançou mais, sendo o maior ganhador do dia e atingindo novos patamares de alta em relação ao dólar", disse Michael Hewson, da CMC Markets.O iene também subiu em comparação ao dólar e ao euro, ameaçando retornar aos níveis pré-intervenção do começo deste ano. Nos mercados de ações, o índice FTSE All World caiu 0,3%, registrando seu primeiro recuo em uma semana. Os índices FTSE Eurofirst 300 e Standard & Poor's 500 caíram 0,4%. Nos mercados de commodities, o ouro atingiu seu quinto maior nível nominal histórico em nove sessões, US$ 1.622,49 a onça, mas depois recuou para US$ 1.614 a onça.

Mantega "corrige" Dilma e fala em medidas duras para o câmbio

Mantega "corrige" Dilma e fala em medidas duras para o câmbio
Em dois dias, o governo federal demonstrou falta de comunicação interna entre seus principais atores a respeito de um tema delicado, o câmbio. Na sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff afirmou a jornalistas que medidas para evitar a valorização do câmbio estão descartadas até que o cenário externo melhore. Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o governo tem "medidas duras" para o câmbio. As declarações de Dilma, divulgadas no início da noite de sexta-feira, impulsionaram nova rodada de valorização do real ontem, quando a moeda fechou cotada a R$ 1,54 - o menor valor desde 1999, início do regime de câmbio flutuante. Mantega, que há duas semanas disse estar "perdendo o sono" com o câmbio, parece ter tentado, portanto, "corrigir" as afirmações de Dilma.O ministro, no entanto, não detalhou qualquer medida. "Estamos com medidas duras nesse sentido [de reverter a valorização do câmbio. Não antecipamos, mas podem esperar", afirmou Mantega, após participar de debate junto a empresários, ontem, em São Paulo.O cenário externo, apontado pela presidente como barreira para novas medidas anti-valorização do câmbio, foi alvo de boa parte da apresentação que o ministro preparou aos empresários. "A crise dos governos nos países ricos ainda vai se prolongar por três anos", afirmou Mantega, que prevê para 2015 o fim do período de crescimento fraco nos países ricos - para Mantega, taxas próximas a 2% de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) configuram crescimento fraco. "A crise de 2008 era financeira, e a que vivemos agora é de endividamento público. A elevação do teto da dívida americana, que deveria ser um assunto de fácil resolução, está evidenciando uma enorme insensatez", afirmou Mantega. O governo americano atingirá nesta sexta-feira o limite de endividamento público (US$ 14,3 trilhões) e, caso o teto da dívida não seja ampliado pelo congresso, o governo Barack Obama não poderá mais se endividar para financiar seus gastos. "Acredito que o bom senso prevalecerá, mas, caso o teto não seja renovado", disse Mantega, "os americanos poderão levar o mundo a uma situação crítica mais uma vez".O ministro da Fazenda também dissociou a política cambial do controle de preços, apesar de o dólar barato reduzir os preços dos importados. "Não utilizamos o câmbio para controlar a inflação", disse o ministro, reafirmando que a manutenção da inflação dentro da banda anual perseguida pelo Banco Central (entre 2,5% e 6,5%, pelo IPCA) é "fundamental para o governo Dilma".Se no câmbio Mantega e Dilma foram para lados opostos, no combate à inflação o discurso foi afinado em torno do objetivo de mantê-la dentro da meta do BC e, ao mesmo tempo, garantir um elevado patamar de crescimento. Na sexta-feira, a presidente afirmou que o governo não quer inflação sob controle com crescimento zero. "Estamos fazendo um pouso suave, com uma taxa de crescimento e de emprego adequadas para o país", disse Dilma a jornalistas, em reunião fechada. Ontem, Mantega foi na mesma linha. "Antigamente o governo segurava a inflação derrubando a economia. Não fazemos isso. Já há um pouso suave na inflação, puxada por uma economia menos acelerada. O problema não é de superaquecimento do Brasil, mas de subaquecimento dos países ricos".

Dólar perde "piso" e tem menor valor desde 1999

Dólar perde "piso" e tem menor valor desde 1999
Para enxergar o invisível, basta procurar. Foram as declarações da presidente Dilma Rousseff que derrubaram o dólar ou fatores técnicos aliados à conjuntura internacional?Independentemente da resposta escolhida, o fato é que o real nunca esteve tão forte desde a adoção do regime de câmbio flutuante em 1999. Isso vale tanto em termos nominais como reais.Ontem, o dólar comercial encerrou com baixa de 0,64%, a R$ 1,543 na venda, menor cotação desde 18 de janeiro de 1999, quando a moeda encerrou a R$ 1,5384.As discussões políticas estão na matéria ao lado. Por aqui, vamos nos ater ao lado técnico do mercado. Desde a semana passada, operadores alertavam para a possibilidade de algum movimento forte no dólar, pois a volatilidade tinha caído e existia uma grande defesa de posição na linha de R$ 1,555.Calote dos EUA começa a entrar no preço dos ativosO então "piso" técnico e psicológico foi quebrado pouco depois do começo dos negócios, quando uma firme ordem de venda obrigou o comprado em dólar a rever suas posições. Em linguagem de mercado, "os comprados foram devidamente stopados". A saída de uma posição comprada necessariamente passa por uma venda, movimento que eleva a pressão vendedora no mercado. Não por acaso, tanto o dólar à vista quanto o dólar futuro chegaram a cair mais de 1%, quando testaram as mínimas intradia a R$ 1,536 e R$ 1,537, respectivamente.O Banco Central (BC) não assistiu inerte a toda essa movimentação. A autoridade monetária efetuou três intervenções no câmbio. Duas compras à vista e uma compra a termo, instrumento que não era utilizado desde o dia 8 de abril.No câmbio externo, o dólar também perdeu força, mas com intensidade reduzida. O Dollar Index, que mede o desempenho da divisa americana ante uma cesta de moedas, perdeu 0,13%, para 74,10 pontos. O dia também não foi bom para o euro, que tentou, mas não retomou a linha de US$ 1,44.Quem tomou fôlego foi o franco suíço, que junto com o iene e o ouro parecem representar o "porto seguro" no atual momento de incerteza.Essa queda do dólar, aliada à alta na taxa de retorno dos títulos dos Estados Unidos e à disparada da volatilidade no mercado americano contam uma história interessante. O mercado começa a colocar no preço, mesmo que de forma tímida, a chance de calote nos Estados Unidos, conforme Democratas e Republicanos não chegam a um acordo sobre a elevação do teto do endividamento. O prazo fatal é 2 de agosto.O mercado de seguro contra calotes reforça essa percepção.O CDS (Credit Default Swap) de um ano dos EUA subiu 28,99 pontos na segunda-feira, para 74,69 pontos. Para efeito de comparação, o CDS de um ano do Brasil fechou em 44,37 pontos.Cabe lembrar, no entanto, que esse CDS de curto prazo é de baixa liquidez. A referência mais utilizada pelo mercado é o CDS de cinco anos. E nesse caso, o risco dos EUA também subiu, mas de forma mais tímida, 3,32 pontos, para 56,26 pontos. Nessa base de comparação, o CDS brasileiro fica em 114 pontos.Cabe lembrar que até a semana passada, nem o dólar, nem o mercado de títulos e também os CDSs captavam essa possibilidade de default americano. Até então, o dólar subia, a taxa de retorno dos títulos recuava (mostrando demanda por dívida americana) e os CDSs estavam bem comportados.O discurso corrente do mercado continua sendo de que o circo político vai até os 48 do segundo tempo, mas que a decisão "certa" será tomada. Com os indicadores acima listados, vemos que a situação começa a mudar de figura. Afinal de contas, nunca é demais se proteger, ainda mais quando o que vai ditar o rumo do mercado é a política.Em seu comentário semanal, Bob Doll, vice-presidente da BlackRock, gestora com mais de US$ 3 trilhões em carteira, disse que a possibilidade de default é extremamente baixa. O fator imponderável, segundo Doll, são as agências de rating. "O potencial rebaixamento dos títulos americanos de 'AAA' para 'AA' emergiu como a maior ameaça aos mercados nas últimas semanas", escreveu.Para o especialista, existe uma chance real de rebaixamento de nota dos EUA caso não seja feito progresso em termos de redução de déficit. Para Doll, apesar do jogo arriscado entre Casa Branca e Congresso, algum plano de longo prazo para redução de gastos será formatado.Por ora, o mercado parece agarrado a uma frase do estadista inglês Winston Churchill: "Você sempre pode confiar nos americanos. No fim, eles farão a coisa certa, depois de eliminarem todas as outras possibilidades". Eduardo Campos

O futuro do crescimento econômico

O futuro do crescimento econômico
Talvez pela primeira vez na história moderna, o futuro da economia mundial está nas mãos dos países pobres. Os Estados Unidos e a Europa marcham como gigantes feridos, vítimas dos seus excessos financeiros e paralisia política. Parecem condenados, por seu pesado endividamento, a anos de estagnação ou crescimento lento, ampliando a desigualdade e possíveis conflitos sociais.Grande parte do resto do mundo, entretanto, está carregado de energia e esperança. Autoridades governamentais na China, Brasil, India e Turquia estão preocupados com crescimento excessivo, e não com pouco crescimento. Sob determinados parâmetros, a China já é a maior economia no mundo e os mercados emergentes e os países em desenvolvimento respondem por mais de metade da produção mundial. A empresa de consultoria McKinsey qualificou a África, há muito tempo sinônimo de fracasso econômico, de terra dos "leões em movimento".Como acontece frequentemente, a ficção reflete melhor a mudança de clima. "Super Sad True Love Story" (Verdadeiro Caso de Amor Supertriste), romance em quadrinhos do russo Gary Shteyngart, é um guia tão bom quanto qualquer outro para o que pode nos esperar. Situado num futuro próximo, a história se desenrola contra o pano de fundo de um EUA financeiramente arruinado sob uma ditadura de partido único e envolvido em mais uma inútil aventura militar no exterior - dessa vez na Venezuela. Todo o trabalho real nas empresas é feito por imigrantes qualificados; faculdades da Ivy League adotaram os nomes de suas homólogas na Ásia a fim de sobreviver; a economia está endividada junto ao banco central da China e "dólares ancorados ao yuan" substituíram a moeda tradicional como ativo seguro preferido.Mas serão os países em desenvolvimento realmente capazes de puxar a economia mundial? Grande parte do otimismo sobre suas perspectivas econômicas é resultado da extrapolação. A década anterior à crise financeira mundial foi, sob muitos aspectos, a melhor de todos os tempos para os emergentes. O crescimento disseminou-se para muito além de um pequeno número de países asiáticos e, pela primeira vez desde a década de 1950, a grande maioria dos países pobres experimentou o que os economistas chamam de convergência - um estreitamento do diferencial de renda em relação aos países ricos.Crescimento baseado em afluxos de capital ou booms de commodities tendem a ser de curta duração. Crescimento sustentado requer a elaboração de incentivos para encorajar investimentos do setor privado em novos setores, e fazê-lo com um mínimo de corrupção.Esse, no entanto, foi um período peculiar, caracterizado por muito vento de cauda econômico. Os preços das commodities estavam elevados, o que beneficiou países africanos e latino-americanos em especial, e o financiamento externo foi abundante e barato. Além disso, muitos países africanos bateram no fundo do poço e recuperam-se de longos períodos de guerra civil e declínio econômico. E, como sabemos, o rápido crescimento nos países avançados alimentou, de modo geral, um aumento no volume do comércio mundial até níveis recordes.Em princípio, um baixo crescimento pós-crise nos países avançados não bloqueará, necessariamente, o desempenho econômico dos países pobres. Em última instância, o crescimento depende de fatores do lado da oferta - investimento e aquisição de novas tecnologias - e do estoque de tecnologias que podem ser adotadas pelos países pobres e que não desaparece quando o crescimento dos países avançados fica lento. Assim, o potencial de crescimento dos países atrasados é determinado por sua capacidade de eliminar o atraso em relação à fronteira tecnológica - e não pela velocidade com que a própria fronteira está avançando.A má notícia é que ainda não temos uma compreensão adequada sobre quando esse potencial de convergência é concretizado ou sobre o tipo de políticas que gerem crescimento autossustentado. Mesmo casos de inquestionável êxito têm sido objeto de interpretações conflitantes. Alguns estudiosos atribuem o milagre econômico da Ásia a mercados mais livres, ao passo que outros acreditam que intervenção estatal foi o fator decisivo. E a aceleração excessiva de crescimento, após algum tempo, perdeu impulso.Os otimistas estão confiantes em que dessa vez será diferente. Eles acreditam que as reformas da década de 1990 - melhor política macroeconômica, maior abertura e mais democracia - colocaram o mundo em desenvolvimento em curso de crescimento sustentado. Recente relatório do Citigroup, por exemplo, prevê que o crescimento será fácil para países pobres com populações jovens.Minha leitura das evidências é mais cautelosa. É certamente motivo para comemoração que as políticas inflacionárias tenham sido extirpadas e a governança melhorou em grande parte do mundo em desenvolvimento. De modo geral, essas mudanças melhoram a resistência da economia a choques e evitam colapsos econômicos.Mas desencadear e sustentar crescimento rápido exige algo mais: políticas orientadas para a produção que estimulem mudanças estruturais em curso e fomentem emprego em novas atividades econômicas. Crescimento baseado em afluxos de capital ou booms de commodities tendem a ser de curta duração. Crescimento sustentado requer a elaboração de incentivos para encorajar investimentos do setor privado em novos setores - e fazê-lo com um mínimo de corrupção e competência adequada.Se a história pode nos servir de guia, o leque de países que capazes desse feito continuará estreito. Assim, embora possa haver menos colapsos econômicos devido a melhor gestão macroeconômica, crescimento elevado provavelmente permanecerá episódico e excepcional. Em média, o desempenho pode ser um pouco melhor do que no passado, mas nem de longe tão espetacular como esperam os otimistas.A grande questão para a economia mundial é se os países avançados atolados em dificuldades econômicas serão capazes de abrir espaço para o rápido crescimento dos países em desenvolvimento cujo desempenho dependerá em larga medida de sua incursão em setores industriais e de serviços onde os países ricos têm sido tradicionalmente dominantes. As consequências para o nível de emprego nos países avançados seriam problemáticas, especialmente tendo em conta a escassez de empregos com altos salários. Consideráveis conflitos sociais poderão tornar-se inevitáveis, colocando em risco o apoio político a aberturas econômicas.Em última instância, parece inevitável uma convergência maior na economia mundial pós-crise. Mas uma grande reversão na sorte dos países ricos e pobres não parece economicamente provável nem politicamente viável.Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy" (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial).