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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cerrado Baiano - Um outro (e tão valioso) pré-sal

21/06 06:15
É o agronegócio, que, assim como o petróleo, pode trazer bilhões em divisas e também gerar energia nas fronteiras agrícolas do País - desde que exista infraestrutura

E uma sexta-feira de junho, às dez da manhã. O sol abrasador do Cerrado baiano torna tudo mais difícil para quem está acostumado ao frio do Sul do País. Walter Horita sabe bem o que é isso. Vinte e cinco anos atrás, ele migrou do Paraná para o Oeste da Bahia. Foi plantar soja nos arredores de Luís Eduardo Magalhães, município 900 quilômetros distante de Salvador.

A sorte é que ele não se abateu com os números da primeira safra. Horita plantou 135 hectares e colheu 14 sacas. Já na safra passada, a colheita rendeu nada menos que 62 sacas de soja por hectare e um recorde: Horita tem a maior produtividade do mundo, superior até à dos norte-americanos.

Assim como ele, centenas de empresários transformaram a terra pouco promissora em uma nova fronteira agrícola. A região hoje responde por 80% da produção de grãos do Estado da Bahia e apresenta uma boa diversificação de culturas. São estes polos rurais, como outros existentes no Maranhão, no Piauí e no Tocantins, que estão criando uma grande oportunidade econômica - tão relevante quanto o pré-sal.

De acordo com um estudo da FAO, braço da ONU para a alimentação, o Brasil é o único país capaz de suprir a demanda global por alimentos, que será crescente nos próximos anos. "Até estrangeiros estão vindo para cá porque não têm onde plantar", diz Horita, que produz soja, milho e algodão em 42 mil hectares.

A FAO prevê que, em 2050, a população mundial terá aumentado 50%, passando dos atuais 6 bilhões para 9 bilhões de habitantes. A produção de alimentos, por sua vez, terá de crescer 70% no mesmo período. E o interesse internacional pelo Brasil é crescente. Ao tomar posse como presidente da Associação dos Produtores de Soja, em maio passado, Glauber Silveira disse acreditar que pelo menos um milhão de hectares já esteja em mãos estrangeiras.

O quadro não passa despercebido pelo governo federal. Dias atrás, ao anunciar investimentos de R$ 100 bilhões para a próxima safra, o presidente Lula disse ser necessário criar mecanismos que limitem a compra de terras brasileiras por estrangeiros. Segundo Jairo Vaz, superintendente de política do agronegócio da Secretaria da Agricultura da Bahia, o grupo chinês Pallas, de geração de energia e produção de alimentos, quer comprar 250 mil hectares na região e tem "centenas de milhões de dólares" para investir no Oeste baiano.

Hoje as exportações do agronegócio somam US$ 62 bilhões e podem dobrar, ou mesmo triplicar, em menos de uma década. Comparando as receitas dos novos campos de petróleo, talvez o agronegócio não chame tanto a atenção. No entanto, diferentemente do pré-sal, que já está demandando bilhões em investimentos do governo, as novas fronteiras agrícolas já receberam fortes injeções de capital, especialmente, o privado. A principal queixa dos agricultores é a falta de infraestrutura.

A construção do aeroporto de Luís Eduardo Magalhães, por exemplo, está parada. Walter Horita lembra que há pelo menos quatro anos se fala na ferrovia Leste-Oeste. Com 1.490 quilômetros de extensão, ela deverá sair de Ilhéus, no litoral baiano, passando pelo Oeste do Estado e seguindo até Figueirópolis, no Tocantins, onde se conectaria com a Ferrovia Norte-Sul. "Gasto US$ 60 para levar uma tonelada de soja até o porto por rodovia e pagaria US$ 20 se fosse por ferrovia", diz o produtor.

O caso do agricultor e prefeito da cidade baiana, Humberto Santa Cruz, é também emblemático. Natural do Rio de Janeiro, ele migrou com a família para a Bahia há mais de duas décadas. Lá construiu o Grupo Agronol, do qual é acionista. Dos 20 mil hectares da fazenda, 1,4 mil estão ocupados com plantação de café, outros 550 hectares produzem mamão e, em cerca de 1 mil hectares, estão os cítricos - laranja, limão e tangerina.

Boa parte da diversificada produção, cerca de 80%, vai para o mercado externo. E é aí que começa o calvário da Agronol. Só há uma estrada, a BR-242, para levar a produção até o porto mais próximo, que é Salvador. Até lá, a empresa contrata caminhões refrigerados para não correr o risco de perder a carga.

Embarcar uma tonelada de algodão no porto de Santos, por exemplo, representa 7,6% dos custos. Se o mesmo algodão for embarcado no porto de Salvador, este custo cai para 3,7%. Mas há um outro problema. Como não há estrutura para atender a toda a demanda, o porto de Salvador não é rota para a marinha mercante.

A distância não seria um problema se a Leste-Oeste saísse do papel. Os investimentos estão previstos no PAC, e a expectativa dos empresários de Luís Eduardo Magalhães é de que a primeira etapa da obra - de 530 quilômetros, entre Ilhéus e Caitité, seja concluída no primeiro semestre do ano que vem.

No plano rodoviário, a demanda da iniciativa privada local é a construção da Rodoagro. São 200 quilômetros de estradas ligando Luís Eduardo Magalhães, Formosa do Rio Preto, Barreiras e Riachão das Neves. Mas não é só a falta de estradas que compromete os negócios. Um dos maiores grupos do Nordeste, o Icofort, de beneficiamento de algodão, escolheu Luís Eduardo Magalhães para abrir sua terceira unidade de extração de óleo de algodão.

A fábrica, a maior do grupo, consumiu investimentos de R$ 24 milhões, e a parte de tecnologia da informação recebeu atenção especial, pois a ideia era ter informações em tempo real da produção da nova unidade. "Da porta para dentro, está tudo certo, agora só falta um detalhe: a gente não tem telefone aqui, logo, não dá para usar a internet", lamenta Décio Alves Barreto Júnior, diretor-presidente do Icofort.

De acordo com o empresário, para usar o celular, ele e os funcionários do Icofort têm de sair da fábrica e ir até o centro da cidade de Luís Eduardo Magalhães. "Não temos telefone, não temos internet, não posso instalar banda larga e não temos aeroporto. Só temos promessas", lastima Barreto Júnior. "Também queremos implantar uma refinaria de óleo, mas, se a gente tiver que andar sete quilômetros só para usar o celular, vai ficar difícil."

Enquanto o poder público promete, os empresários da região fazem o que podem para minimizar a falta de infraestrutura. Foi assim há mais de dois anos, quando Humberto Santa Cruz, o atual prefeito, junto com um grupo de mais 12 empresários, doou uma área de 84 hectares próxima a sua fazenda para ser construído um aeroporto com terminais para cargas e passageiros.

Hoje, o aeroporto mais próximo fica na cidade de Barreiras, cerca de 95 quilômetros de Luís Eduardo Magalhães. De dimensões modestas, o aeroporto de Barreiras é só para passageiros e, ainda assim, só opera com aviões de pequeno e médio porte, de segunda à sexta. Avaliado a preços atuais em R$ 12 milhões, o espaço doado pela iniciativa privada chegou a receber investimentos de R$ 4 milhões no cascalhamento e outros R$ 2,9 milhões, investidos pelo governo estadual, no asfaltamento da pista de pouso. Isso é tudo o que existe hoje.

Para o professor Roberto Pedrosa, coordenador do curso de MBA em gestão estratégica do agronegócio da Fundação Getulio Vargas, o único fator que pode barrar a expansão das novas fronteiras agrícolas é exatamente a falta de infraestrutura, principalmente para armazenagem e transporte da produção.

"Não se sai de Luís Eduardo Magalhães aos fins de semana, porque não tem voo e a única rodovia é a BR-242, que já está sobrecarregada", diz ele. Por outro lado, lembra o professor, o Oeste da Bahia tem atraído gente de todos os pontos do Brasil - especialmente do Sul.

"Temos duas turmas de MBA em Luís Eduardo Magalhães, com 40 alunos cada uma, e já estamos abrindo a terceira, agora em agosto". Pedrosa chama a atenção não só para o perfil dos desbravadores da região como também para o alto nível de tecnologia empregada nas lavouras.

"Não tenho dúvida de que, no futuro próximo, estas regiões, o Oeste baiano e o chamado Mapito, terão índices de terra plantada e de produtividade equivalentes a áreas consolidadas como Mato Grosso ou Paraná." Resta saber quando o governo e a sociedade brasileira passarão a tratar as novas fronteiras agrícolas do País com a importância com que o pré-sal foi recebido. E não custa lembrar que o agronegócio responde por 42% das exportações e 100% do superávit comercial brasileiro.

Equívocos sobre a agricultura

Equívocos sobre a agricultura
Hèlio Tollini
Mestre em economia rural pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e Ph.D. em economia pela Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA)

O setor agropecuário brasileiro não precisa de grandes subsídios para expandir sua produção e competir internacionalmente. É um setor eficiente na comparação com outros países. Os avanços que tem mostrado foram fruto de políticas públicas, que não envolveram grandes transferências, e do trabalho e da assunção de riscos pelos empresários rurais. O governo sabe da importância do setor e o apoia. Por isso, é estranho que setores da sociedade brasileira promovam campanhas contra a agricultura.

Recentemente, um anúncio na televisão alardeava ser a carne bovina produzida com a destruição da Amazônia. O anúncio parece ter sido produzido por brasileiros, tendo como alvo os consumidores estrangeiros. Alguns anos atrás, quando a soja "tropical" ainda nem existia, anúncios em países europeus diziam que a Europa não devia comprar soja brasileira porque ela era produzida com a destruição da Amazônia! Isso também é explorar a ignorância alheia. A quem interessa tal tipo de desinformação? Quem financia essas campanhas na mídia?

Outra ideia dirigida contra o país é a de que os direitos dos trabalhadores não são respeitados. Certamente, há produtores agrícolas que não respeitam esses direitos, como há produtores em outros setores da economia que também não o fazem. Por exemplo, já foram vistos operários trabalhando em aeroportos brasileiros debaixo de chuva intensa, sem qualquer proteção. Não se ouviu ninguém reclamar mais respeito com esses trabalhadores.

A impressão é a de que o interesse não é pela proteção do meio ambiente ou do trabalhador brasileiro, mas apenas o de onerar o sistema produtivo da agricultura e o de facilitar a competição por aqueles que não são competitivos. Aparentemente, há países estrangeiros que financiam ações governamentais no Brasil com o objetivo de proteger trabalhadores agrícolas. É muito importante proteger todos os trabalhadores, tanto os da agricultura como os de outros setores. E, para isso, o Brasil não deveria aceitar ajuda financeira de outros países. Deveria ser ação prioritária para o governo brasileiro e ser totalmente financiada com recursos do orçamento nacional.

Ninguém desconhece que a conquista de mercados externos é importante para a agricultura e para os demais setores da economia brasileira. O Brasil precisa produzir para si mesmo e para a exportação. Seria erro fundamental limitar o crescimento da economia brasileira ao crescimento apenas da demanda interna, Se a agricultura compete eficientemente nos mercados internacionais, toda a sociedade brasileira se beneficia, Ganham os que conseguem emprego na produção e comercialização e ganham também os agricultores que não exportam, pois passam a contar com mercado interno melhor, já que parte da produção dos outros produtores vai para o exterior.

Causa estranheza que o governo procure apoiar a agricultura enquanto outros grupos trabalham para denegrir a imagem dos produtos agropecuários do país nos grandes mercados internacionais, afirmando que eles são produzidos com a destruição da Amazônia. Notícia recente atribui a autoria do filme denegridor da imagem da pecuária nacional a importante órgão governamental. Essa é uma acusação muito séria. É necessário examinar rigorosamente a autoria e a origem dos recursos que financiaram a elaboração desse filme. A notícia dizia também que havia a possibilidade de ser criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar esse assunto. O governo deve fazer essa investigação, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Espera-se que o Brasil tenha atitude firme quanto à preservação da Amazônia e quanto à necessidade de competir internacionalmente, não limitando nossas oportunidades apenas ao crescimento do mercado interno.

É hora das autoridades brasileiras esclarecerem a origem e os responsáveis por esses ataques. Não se conhece outro país no mundo em que a agricultura seja tão atacada quanto no Brasil. Por enquanto, a agricultura segue crescendo, competindo, e gerando empregos e renda para população brasileira. Apesar de seus detratores, o agronegócio continua aumentando sua produtividade e expandindo negócios. Os que pretendem que o agronegócio brasileiro deixe de exportar deveriam pensar no grande número de famílias brasileiras que dependem dessa exportação para obter seu susten