21/06 06:15
É o agronegócio, que, assim como o petróleo, pode trazer bilhões em divisas e também gerar energia nas fronteiras agrícolas do País - desde que exista infraestrutura
E uma sexta-feira de junho, às dez da manhã. O sol abrasador do Cerrado baiano torna tudo mais difícil para quem está acostumado ao frio do Sul do País. Walter Horita sabe bem o que é isso. Vinte e cinco anos atrás, ele migrou do Paraná para o Oeste da Bahia. Foi plantar soja nos arredores de Luís Eduardo Magalhães, município 900 quilômetros distante de Salvador.
A sorte é que ele não se abateu com os números da primeira safra. Horita plantou 135 hectares e colheu 14 sacas. Já na safra passada, a colheita rendeu nada menos que 62 sacas de soja por hectare e um recorde: Horita tem a maior produtividade do mundo, superior até à dos norte-americanos.
Assim como ele, centenas de empresários transformaram a terra pouco promissora em uma nova fronteira agrícola. A região hoje responde por 80% da produção de grãos do Estado da Bahia e apresenta uma boa diversificação de culturas. São estes polos rurais, como outros existentes no Maranhão, no Piauí e no Tocantins, que estão criando uma grande oportunidade econômica - tão relevante quanto o pré-sal.
De acordo com um estudo da FAO, braço da ONU para a alimentação, o Brasil é o único país capaz de suprir a demanda global por alimentos, que será crescente nos próximos anos. "Até estrangeiros estão vindo para cá porque não têm onde plantar", diz Horita, que produz soja, milho e algodão em 42 mil hectares.
A FAO prevê que, em 2050, a população mundial terá aumentado 50%, passando dos atuais 6 bilhões para 9 bilhões de habitantes. A produção de alimentos, por sua vez, terá de crescer 70% no mesmo período. E o interesse internacional pelo Brasil é crescente. Ao tomar posse como presidente da Associação dos Produtores de Soja, em maio passado, Glauber Silveira disse acreditar que pelo menos um milhão de hectares já esteja em mãos estrangeiras.
O quadro não passa despercebido pelo governo federal. Dias atrás, ao anunciar investimentos de R$ 100 bilhões para a próxima safra, o presidente Lula disse ser necessário criar mecanismos que limitem a compra de terras brasileiras por estrangeiros. Segundo Jairo Vaz, superintendente de política do agronegócio da Secretaria da Agricultura da Bahia, o grupo chinês Pallas, de geração de energia e produção de alimentos, quer comprar 250 mil hectares na região e tem "centenas de milhões de dólares" para investir no Oeste baiano.
Hoje as exportações do agronegócio somam US$ 62 bilhões e podem dobrar, ou mesmo triplicar, em menos de uma década. Comparando as receitas dos novos campos de petróleo, talvez o agronegócio não chame tanto a atenção. No entanto, diferentemente do pré-sal, que já está demandando bilhões em investimentos do governo, as novas fronteiras agrícolas já receberam fortes injeções de capital, especialmente, o privado. A principal queixa dos agricultores é a falta de infraestrutura.
A construção do aeroporto de Luís Eduardo Magalhães, por exemplo, está parada. Walter Horita lembra que há pelo menos quatro anos se fala na ferrovia Leste-Oeste. Com 1.490 quilômetros de extensão, ela deverá sair de Ilhéus, no litoral baiano, passando pelo Oeste do Estado e seguindo até Figueirópolis, no Tocantins, onde se conectaria com a Ferrovia Norte-Sul. "Gasto US$ 60 para levar uma tonelada de soja até o porto por rodovia e pagaria US$ 20 se fosse por ferrovia", diz o produtor.
O caso do agricultor e prefeito da cidade baiana, Humberto Santa Cruz, é também emblemático. Natural do Rio de Janeiro, ele migrou com a família para a Bahia há mais de duas décadas. Lá construiu o Grupo Agronol, do qual é acionista. Dos 20 mil hectares da fazenda, 1,4 mil estão ocupados com plantação de café, outros 550 hectares produzem mamão e, em cerca de 1 mil hectares, estão os cítricos - laranja, limão e tangerina.
Boa parte da diversificada produção, cerca de 80%, vai para o mercado externo. E é aí que começa o calvário da Agronol. Só há uma estrada, a BR-242, para levar a produção até o porto mais próximo, que é Salvador. Até lá, a empresa contrata caminhões refrigerados para não correr o risco de perder a carga.
Embarcar uma tonelada de algodão no porto de Santos, por exemplo, representa 7,6% dos custos. Se o mesmo algodão for embarcado no porto de Salvador, este custo cai para 3,7%. Mas há um outro problema. Como não há estrutura para atender a toda a demanda, o porto de Salvador não é rota para a marinha mercante.
A distância não seria um problema se a Leste-Oeste saísse do papel. Os investimentos estão previstos no PAC, e a expectativa dos empresários de Luís Eduardo Magalhães é de que a primeira etapa da obra - de 530 quilômetros, entre Ilhéus e Caitité, seja concluída no primeiro semestre do ano que vem.
No plano rodoviário, a demanda da iniciativa privada local é a construção da Rodoagro. São 200 quilômetros de estradas ligando Luís Eduardo Magalhães, Formosa do Rio Preto, Barreiras e Riachão das Neves. Mas não é só a falta de estradas que compromete os negócios. Um dos maiores grupos do Nordeste, o Icofort, de beneficiamento de algodão, escolheu Luís Eduardo Magalhães para abrir sua terceira unidade de extração de óleo de algodão.
A fábrica, a maior do grupo, consumiu investimentos de R$ 24 milhões, e a parte de tecnologia da informação recebeu atenção especial, pois a ideia era ter informações em tempo real da produção da nova unidade. "Da porta para dentro, está tudo certo, agora só falta um detalhe: a gente não tem telefone aqui, logo, não dá para usar a internet", lamenta Décio Alves Barreto Júnior, diretor-presidente do Icofort.
De acordo com o empresário, para usar o celular, ele e os funcionários do Icofort têm de sair da fábrica e ir até o centro da cidade de Luís Eduardo Magalhães. "Não temos telefone, não temos internet, não posso instalar banda larga e não temos aeroporto. Só temos promessas", lastima Barreto Júnior. "Também queremos implantar uma refinaria de óleo, mas, se a gente tiver que andar sete quilômetros só para usar o celular, vai ficar difícil."
Enquanto o poder público promete, os empresários da região fazem o que podem para minimizar a falta de infraestrutura. Foi assim há mais de dois anos, quando Humberto Santa Cruz, o atual prefeito, junto com um grupo de mais 12 empresários, doou uma área de 84 hectares próxima a sua fazenda para ser construído um aeroporto com terminais para cargas e passageiros.
Hoje, o aeroporto mais próximo fica na cidade de Barreiras, cerca de 95 quilômetros de Luís Eduardo Magalhães. De dimensões modestas, o aeroporto de Barreiras é só para passageiros e, ainda assim, só opera com aviões de pequeno e médio porte, de segunda à sexta. Avaliado a preços atuais em R$ 12 milhões, o espaço doado pela iniciativa privada chegou a receber investimentos de R$ 4 milhões no cascalhamento e outros R$ 2,9 milhões, investidos pelo governo estadual, no asfaltamento da pista de pouso. Isso é tudo o que existe hoje.
Para o professor Roberto Pedrosa, coordenador do curso de MBA em gestão estratégica do agronegócio da Fundação Getulio Vargas, o único fator que pode barrar a expansão das novas fronteiras agrícolas é exatamente a falta de infraestrutura, principalmente para armazenagem e transporte da produção.
"Não se sai de Luís Eduardo Magalhães aos fins de semana, porque não tem voo e a única rodovia é a BR-242, que já está sobrecarregada", diz ele. Por outro lado, lembra o professor, o Oeste da Bahia tem atraído gente de todos os pontos do Brasil - especialmente do Sul.
"Temos duas turmas de MBA em Luís Eduardo Magalhães, com 40 alunos cada uma, e já estamos abrindo a terceira, agora em agosto". Pedrosa chama a atenção não só para o perfil dos desbravadores da região como também para o alto nível de tecnologia empregada nas lavouras.
"Não tenho dúvida de que, no futuro próximo, estas regiões, o Oeste baiano e o chamado Mapito, terão índices de terra plantada e de produtividade equivalentes a áreas consolidadas como Mato Grosso ou Paraná." Resta saber quando o governo e a sociedade brasileira passarão a tratar as novas fronteiras agrícolas do País com a importância com que o pré-sal foi recebido. E não custa lembrar que o agronegócio responde por 42% das exportações e 100% do superávit comercial brasileiro.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Equívocos sobre a agricultura
Equívocos sobre a agricultura
Hèlio Tollini
Mestre em economia rural pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e Ph.D. em economia pela Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA)
O setor agropecuário brasileiro não precisa de grandes subsídios para expandir sua produção e competir internacionalmente. É um setor eficiente na comparação com outros países. Os avanços que tem mostrado foram fruto de políticas públicas, que não envolveram grandes transferências, e do trabalho e da assunção de riscos pelos empresários rurais. O governo sabe da importância do setor e o apoia. Por isso, é estranho que setores da sociedade brasileira promovam campanhas contra a agricultura.
Recentemente, um anúncio na televisão alardeava ser a carne bovina produzida com a destruição da Amazônia. O anúncio parece ter sido produzido por brasileiros, tendo como alvo os consumidores estrangeiros. Alguns anos atrás, quando a soja "tropical" ainda nem existia, anúncios em países europeus diziam que a Europa não devia comprar soja brasileira porque ela era produzida com a destruição da Amazônia! Isso também é explorar a ignorância alheia. A quem interessa tal tipo de desinformação? Quem financia essas campanhas na mídia?
Outra ideia dirigida contra o país é a de que os direitos dos trabalhadores não são respeitados. Certamente, há produtores agrícolas que não respeitam esses direitos, como há produtores em outros setores da economia que também não o fazem. Por exemplo, já foram vistos operários trabalhando em aeroportos brasileiros debaixo de chuva intensa, sem qualquer proteção. Não se ouviu ninguém reclamar mais respeito com esses trabalhadores.
A impressão é a de que o interesse não é pela proteção do meio ambiente ou do trabalhador brasileiro, mas apenas o de onerar o sistema produtivo da agricultura e o de facilitar a competição por aqueles que não são competitivos. Aparentemente, há países estrangeiros que financiam ações governamentais no Brasil com o objetivo de proteger trabalhadores agrícolas. É muito importante proteger todos os trabalhadores, tanto os da agricultura como os de outros setores. E, para isso, o Brasil não deveria aceitar ajuda financeira de outros países. Deveria ser ação prioritária para o governo brasileiro e ser totalmente financiada com recursos do orçamento nacional.
Ninguém desconhece que a conquista de mercados externos é importante para a agricultura e para os demais setores da economia brasileira. O Brasil precisa produzir para si mesmo e para a exportação. Seria erro fundamental limitar o crescimento da economia brasileira ao crescimento apenas da demanda interna, Se a agricultura compete eficientemente nos mercados internacionais, toda a sociedade brasileira se beneficia, Ganham os que conseguem emprego na produção e comercialização e ganham também os agricultores que não exportam, pois passam a contar com mercado interno melhor, já que parte da produção dos outros produtores vai para o exterior.
Causa estranheza que o governo procure apoiar a agricultura enquanto outros grupos trabalham para denegrir a imagem dos produtos agropecuários do país nos grandes mercados internacionais, afirmando que eles são produzidos com a destruição da Amazônia. Notícia recente atribui a autoria do filme denegridor da imagem da pecuária nacional a importante órgão governamental. Essa é uma acusação muito séria. É necessário examinar rigorosamente a autoria e a origem dos recursos que financiaram a elaboração desse filme. A notícia dizia também que havia a possibilidade de ser criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar esse assunto. O governo deve fazer essa investigação, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Espera-se que o Brasil tenha atitude firme quanto à preservação da Amazônia e quanto à necessidade de competir internacionalmente, não limitando nossas oportunidades apenas ao crescimento do mercado interno.
É hora das autoridades brasileiras esclarecerem a origem e os responsáveis por esses ataques. Não se conhece outro país no mundo em que a agricultura seja tão atacada quanto no Brasil. Por enquanto, a agricultura segue crescendo, competindo, e gerando empregos e renda para população brasileira. Apesar de seus detratores, o agronegócio continua aumentando sua produtividade e expandindo negócios. Os que pretendem que o agronegócio brasileiro deixe de exportar deveriam pensar no grande número de famílias brasileiras que dependem dessa exportação para obter seu susten
Hèlio Tollini
Mestre em economia rural pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e Ph.D. em economia pela Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA)
O setor agropecuário brasileiro não precisa de grandes subsídios para expandir sua produção e competir internacionalmente. É um setor eficiente na comparação com outros países. Os avanços que tem mostrado foram fruto de políticas públicas, que não envolveram grandes transferências, e do trabalho e da assunção de riscos pelos empresários rurais. O governo sabe da importância do setor e o apoia. Por isso, é estranho que setores da sociedade brasileira promovam campanhas contra a agricultura.
Recentemente, um anúncio na televisão alardeava ser a carne bovina produzida com a destruição da Amazônia. O anúncio parece ter sido produzido por brasileiros, tendo como alvo os consumidores estrangeiros. Alguns anos atrás, quando a soja "tropical" ainda nem existia, anúncios em países europeus diziam que a Europa não devia comprar soja brasileira porque ela era produzida com a destruição da Amazônia! Isso também é explorar a ignorância alheia. A quem interessa tal tipo de desinformação? Quem financia essas campanhas na mídia?
Outra ideia dirigida contra o país é a de que os direitos dos trabalhadores não são respeitados. Certamente, há produtores agrícolas que não respeitam esses direitos, como há produtores em outros setores da economia que também não o fazem. Por exemplo, já foram vistos operários trabalhando em aeroportos brasileiros debaixo de chuva intensa, sem qualquer proteção. Não se ouviu ninguém reclamar mais respeito com esses trabalhadores.
A impressão é a de que o interesse não é pela proteção do meio ambiente ou do trabalhador brasileiro, mas apenas o de onerar o sistema produtivo da agricultura e o de facilitar a competição por aqueles que não são competitivos. Aparentemente, há países estrangeiros que financiam ações governamentais no Brasil com o objetivo de proteger trabalhadores agrícolas. É muito importante proteger todos os trabalhadores, tanto os da agricultura como os de outros setores. E, para isso, o Brasil não deveria aceitar ajuda financeira de outros países. Deveria ser ação prioritária para o governo brasileiro e ser totalmente financiada com recursos do orçamento nacional.
Ninguém desconhece que a conquista de mercados externos é importante para a agricultura e para os demais setores da economia brasileira. O Brasil precisa produzir para si mesmo e para a exportação. Seria erro fundamental limitar o crescimento da economia brasileira ao crescimento apenas da demanda interna, Se a agricultura compete eficientemente nos mercados internacionais, toda a sociedade brasileira se beneficia, Ganham os que conseguem emprego na produção e comercialização e ganham também os agricultores que não exportam, pois passam a contar com mercado interno melhor, já que parte da produção dos outros produtores vai para o exterior.
Causa estranheza que o governo procure apoiar a agricultura enquanto outros grupos trabalham para denegrir a imagem dos produtos agropecuários do país nos grandes mercados internacionais, afirmando que eles são produzidos com a destruição da Amazônia. Notícia recente atribui a autoria do filme denegridor da imagem da pecuária nacional a importante órgão governamental. Essa é uma acusação muito séria. É necessário examinar rigorosamente a autoria e a origem dos recursos que financiaram a elaboração desse filme. A notícia dizia também que havia a possibilidade de ser criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar esse assunto. O governo deve fazer essa investigação, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Espera-se que o Brasil tenha atitude firme quanto à preservação da Amazônia e quanto à necessidade de competir internacionalmente, não limitando nossas oportunidades apenas ao crescimento do mercado interno.
É hora das autoridades brasileiras esclarecerem a origem e os responsáveis por esses ataques. Não se conhece outro país no mundo em que a agricultura seja tão atacada quanto no Brasil. Por enquanto, a agricultura segue crescendo, competindo, e gerando empregos e renda para população brasileira. Apesar de seus detratores, o agronegócio continua aumentando sua produtividade e expandindo negócios. Os que pretendem que o agronegócio brasileiro deixe de exportar deveriam pensar no grande número de famílias brasileiras que dependem dessa exportação para obter seu susten
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