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sexta-feira, 9 de julho de 2010

A comida vai cair do céu

A comida vai cair do céu
Aldo Rebelo

Sob o autoexplicativo título Farms Here, Forests There (Fazendas Aqui, Florestas Lá), foi publicado nos Estados Unidos, em maio, estudo patrocinado pela National Farmers Union (Associação Nacional de Fazendeiros) e pela organização não-governamental Avoided Deforestation Partners (Parceiros contra o Desmatamento, em tradução livre). A autora principal do relatório é Shari Friedman, ex-funcionária do governo Clinton, quando trabalhou na Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção Ambiental), analisando políticas domésticas de mudanças climáticas e competitividade internacional. Ela também fez parte da equipe norte-americana de negociações para o Protocolo de Kyoto, que os Estados Unidos se negaram a assinar.

O tema do relatório é a perda de competitividade da agroindústria norte-americana diante dos países tropicais, principalmente o Brasil. A tese principal do estudo é que a única forma de conter essa perda de competitividade é reduzir o aumento da oferta mundial de produtos agropecuários, restringindo a expansão da área agrícola nos países tropicais pela promoção de políticas ambientais internacionais mais duras.

Segundo o relatório, "a destruição das florestas tropicais pela produção de madeira, produtos agrícolas e gado tem levado a uma dramática expansão da produção de commodities que competem diretamente com a produção americana". Desse modo, "a agricultura e as indústrias de produtos florestais dos Estados Unidos podem beneficiar-se financeiramente da conservação das florestas tropicais por meio de políticas climáticas".

O estudo avalia que "acabar com o desmatamento por meio de incentivos nos Estados Unidos e da ação internacional sobre o clima pode aumentar a renda agrícola americana de US$ 190 bilhões para US$ 270 bilhões entre 2012 e 2030". Esse aumento incluiria benefícios diretos de US$ 141 bilhões, decorrentes do aumento da produção de soja, carne, madeira e substitutos de óleo de palma, e economias indiretas de US$ 49 bilhões, em razão do menor custo da energia e de fertilizantes, pela redução das medidas compensatórias associadas à diminuição das florestas tropicais, ou seja, na medida em que os países tropicais poluírem e desmatarem menos, eles poderiam poluir e desmatar mais, sem ter de pagar por isso comprando créditos de carbono e outras medidas mitigadoras.

A candura com que eles tratam do tema é comovedora. O estudo revela que na cabeça deles não passamos mesmo de um fundo de quintal que precisa ser preservado para que eles possam destruir o resto do mundo com a consciência tranquila e, principalmente, com o bolso cheio.

Já vai longe - e sem saudades - o tempo em que a sociedade brasileira se curvava, sem questionamentos e sem esperneio, à tutela dos países ditos do Primeiro Mundo. Hoje é inadmissível pensar que países livres tenham de se submeter às manipulações econômicas de outras nações.

O aspecto trágico dessa proposta é a completa ausência de responsabilidade social dos agricultores norte-americanos, que veem a agricultura apenas como uma forma de aumentar sua própria fortuna, e não como a solução para a questão da fome no mundo. Ao produzir mais alimentos - e, com isso, mantendo seus preços mais acessíveis aos países pobres -, o Brasil ajuda a evitar que essa epidemia terrível se espalhe ainda mais no planeta.

Houve ainda uma época em que a divisão internacional do trabalho imposta pelos países ricos reservava para eles a produção de bens manufaturados e aos países pobres, o fornecimento de bens agrícolas e matérias-primas. Hoje se vai estabelecendo uma nova divisão: os Estados Unidos e a Europa transformaram-se em economias de serviço e grandes produtores e exportadores agrícolas, enquanto a produção industrial se deslocou para a Ásia.

Nesse novo esquema, países como o Brasil deveriam, na opinião deles, cumprir um novo papel: tornar-se uma espécie de "área de preservação permanente global". Com isso se resolveriam dois problemas: o comercial, pois sua produção agrícola ineficiente se viabilizaria pela redução da oferta e pelo aumento dos preços internacionais; e o ambiental, porque garantiríamos a compensação necessária para que eles continuem a manter seu atual padrão de consumo, que exige a exploração dos recursos naturais globais acima da capacidade que a natureza tem de repô-los.

Tudo isso funcionaria muito bem, não fosse o fato de sermos um país de mais de 190 milhões de habitantes, que precisam satisfazer as mesmas necessidades básicas que os americanos e europeus e têm as mesmas aspirações de progresso material e espiritual, cada vez mais parecidas e universais no mundo globalizado. Sim, nós também temos direito à felicidade nos mesmos moldes dos europeus ocidentais e dos norte-americanos!

Faz sentido, portanto, a defesa "desinteressada" que eles fazem dos chamados "povos da floresta". Além de sua expressão quantitativa reduzida, esses brasileiros têm um padrão de consumo que não compete com eles no uso dos recursos naturais e torna perfeitamente viável o esquema de "fazendas lá e florestas aqui".

Só não dizem o que fazer com os 190 milhões de nossa população que não vivem nas florestas e precisam produzir comida e outros bens para ter um padrão de vida digno. Para estes eles têm a solução que já aplicam na África, depois de arruinarem a produção local de algodão, milho, tomate e outros alimentos, com os subsídios milionários que dão aos seus próprios fazendeiros: a chamada "ajuda humanitária".

A continuar nesse ritmo, em vez de comprar comida nos supermercados, vamos acabar tendo de esperá-la cair do céu em fardos atirados pela Força Aérea Americana ou distribuídos pela Cruz Vermelha e pelo Greenpeace.


DEPUTADO FEDERAL (PC DO B-SP), RELATOR DO CÓDIGO FLORESTAL, PRESIDIU A CÂMARA DOS DEPUTADOS E FOI MINISTRO DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS NO GOVERNO LULA

Nestlé receberá US$ 28,1 bilhões para fazer aquisições pelo mundo

Nestlé receberá US$ 28,1 bilhões para fazer aquisições pelo mundo
A Nestlé tem pela frente uma pergunta de US$ 28,1 bilhões. Os investidores têm
respostas de sobra. A maior companhia da Europa em valor de mercado pode
comprar, com dinheiro, praticamente qualquer operação alimentícia de capital
aberto que quiser, quando receber o pagamento por sua participação na Alcon, no
segundo semestre.
Os acionistas querem que a fabricante dos chocolates Suflair e dos sorvetes
Mega se expanda nos países emergentes para equiparar-se à distribuição regional
da Unilever, que obtém cerca da metade de suas vendas no mundo em
desenvolvimento.
"O mundo está aos pés da empresa, mas ela não pode pagar caro demais", disse
Wendy Trevisani, gestora de fundos da Thornburg Investment Management, que tem
mais de US$ 700 milhões investidos em ações da Nestlé. "Claramente, eles são
retardatários nos países emergentes", acrescentou.
A Nestlé receberá US$ 28,1 bilhões da Novartis por sua participação majoritária
na Alcon, fabricante do Opti-Free, produto de limpeza de lentes de contatos, o
que lhe dará um caixa superior aos US$ 26,5 bilhões que o do Google tinha em
março. A Nestlé iniciará um novo programa de recompra de ações no valor de 10
bilhões de francos suíços (US$ 9,2 bilhões), embora tenha preferência por fazer
mais investimentos em suas operações ou promover aquisições, segundo afirmou em
22 de junho o diretor de finanças da empresa, Jim Singh.
Nos países em desenvolvimento, cerca de 1 bilhão de consumidores terão aumento
de renda suficiente para poder arcar com produtos na Nestlé nos próximos dez
anos, segundo estima a empresa de Vevey, Suíça. A maior companhia alimentícia
mundial obtém cerca de 35% de sua receita em economias emergentes. O
executivo-chefe da Nestlé, Paul Bulcke, pretende elevar esse percentual para
45% em uma década.
As vendas da Nestlé em países emergentes subiram 8,5% em 2009, o dobro da taxa
de aumento na receita total da companhia. Suas vendas nessas regiões somaram 35
bilhões de francos, mais do que qualquer concorrente.
A empresa poderia comprar empresas de água engarrafada em países como a China,
de acordo com Frits van Dijk, chefe das operações da Nestlé na Ásia. Também
poderiam ser consideradas aquisições para expandir suas operações de produtos
de nutrição para atletas, como o PowerBar, segundo o executivo-chefe da Nestlé
Nutrition, Richard Laube. Entre os possíveis alvos também está a Synutra
International, fabricante de comida para bebês chinesa de US$ 950 milhões, de
acordo com a analista Katherine Lu, da Oppenheinmer.
Para o analista James Targett, da Consumer Equity Research, a Nestlé deveria
cogitar a compra de empresas de ração para melhor concorrer com a Procter &
Gamble, que acertou a aquisição da Natura Pet Products, em 5 de maio, ou entrar
em mercados de água engarrafada na India e África.
Em 18 de junho, o executivo-chefe da Nestlé Waters, John Harris, disse que a
companhia tem uma lista de cinco novos países, além dos 37 onde já engarrafa
água mineral, em que gostaria de atuar. Além desses países, China, Brasil,
nações do Oriente Médio, além do Paquistão estão nos planos de expansão da
empresa para aquisições, segundo Harris.
"O dinheiro permite à Nestlé ter disposição para investir além de suas
operações e mercados atuais", afirmou Thomas Russo, sócio da Gardner Russo &
Gardner, que detém mais de US$ 350 milhões em ações da Nestlé por meio dos
investimentos de seus clientes. "Eles têm o campo quase todo para eles no
momento." Ferhat Soygenis, porta-voz da Nestlé, não quis comentar o assunto.
Bulcke, de 55 anos, promoveu apenas uma aquisição superior a US$ 1 bilhão desde
abril de 2008, quando assumiu o posto de executivo-chefe. Um dia após a venda
da Alcon, anunciou a compra das operações de pizza congelada da Kraft na
América do Norte, por US$ 3,7 bilhões. O executivo-chefe comprometeu-se a
gastar até 3 bilhões de francos por ano em aquisições de empresas de menor
porte, com a companhia ressaltando não ter necessidade de buscar compras
"transformacionais".
O dinheiro devido pela Novartis é suficiente para comprar qualquer rival da
Nestlé no setor de bebidas não alcoólicas e de alimentos, com exceção das seis
maiores. Essa conta inclui o ágio médio de 22% que a Nestlé pagou em suas
aquisições de empresas de capital aberto desde 2000. David Hayes, da Nomura,
acredita que a Nestlé poderia voltar suas atenções para General Mills, com
valor de mercado de US$ 24,8 bilhões.
As únicas companhias de alimentos e bebidas não alcoólicas com capitalizações
de mercado superiores a US$ 28,1 bilhões são a Coca-Cola, PepsiCo, Unilever,
Kraft e a Danone.
A HJ Heinz e a Hershey também seriam alvos da Nestlé, segundo informe da
Euromonitor, de 20 de maio. A Heinz daria espaço para a Nestlé reduzir custos
em itens culinários e comida para bebê. A Hershey fortaleceria a Nestlé em
regiões onde a companhia é fraca no segmento de chocolates, de acordo com
empresa de pesquisa. A Heinz vale em torno de US$ 14 bilhões, enquanto a
Hershey é avaliada em US$ 11 bilhões.