Por Mara Luiza Gonçalves Freitas
Estou assistindo de camarote a confusão do setor industrial com a Justiça, mais especificamente com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sou favorável a posição do Conselho, porque ela comprova uma velha tese minha que é a de que as normas técnicas vocacionadas ao café industrializado voltadas às compras realizadas pelo setor público e que são fundadas no tal Nível Mínimo de Qualidade, são uma grande balela, dada a forma como as construções dos aparatos vem se dando.
Sinceramente, ou o Programa de Qualidade do Café da ABIC presta ou não presta. E partindo do pressuposto de que ele presta, não haveria necessidade deste desgaste público, ridículo, que o setor assiste. A indústria como sempre, age como se fosse uma principiante, ao defender interesses privados, fundados nas relações de amizade. É decepcionante. Está nítido que alguém é sócio do laboratório que era prestador de serviços e está perdendo dinheiro, pela tomada de decisão acertada do CNJ, que corrobora para a otimização do uso do erário público com este ato de salvaguarda do patrimônio público.
Existe uma legislação no país que regulamenta toda a parte de aquisições realizadas pelo setor público. As duas fundamentais são a Lei 8.666/1993, que trata das compras públicas e a Lei Complementar nº 101/2000, também conhecida como Lei da Responsabilidade Fiscal. Além disso, sobre elas está a Constituição Federal Brasileira, que reza que os interesses públicos sempre prevalecem sobre os privados: logo, o ensaio laboratorial perde sua razão de ser frente ao conjunto de necessidades globais urgentes da sociedade brasileira.
O respeito a Legislação e aos Interesses Públicos, portanto, é fundamental quando se trata de gestão pública. Logo, o que há de se imprimir sobre a legislação voltada a compras de café industrializado por parte do setor público, é um toque de inteligência comercial, que signifique ganhos de externalidades e eficiência no aparato jurídico.
Por exemplo, quando trabalhei na produção da redação do atual Decreto nº 44.661/2007 e na redação da Resolução Conjunta nº 6.501/2008, chancelada pelas Secretarias de Estado de Planejamento e Gestão, de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde, ficou legitimado que se o café dispusesse do Selo de Qualidade ABIC, ele estaria dispensado dos ensaios laboratoriais, em decorrência da crença na credibilidade no Programa de Certificação Privado de Terceira Parte para Cafés Industrializados mais moderno do Mundo. Agora, depois de ler tudo o que li, minha visão mudou: o programa virou Macunaíma. O chiado industrial só pode significar que a indústria não confia no seu próprio taco e não se garante.
De qualquer forma, a legitimação do esforço privado pelo Estado, seria o suficiente para garantir a tão almejada qualidade do café oferecido nas repartições públicas, como também proporcionaria economia dos recursos públicos.
Para quem faz gestão pública, a economia de recursos em atividades supérfluas é fundamental: há outras prioridades que o Estado necessita atender, do que o financiamento de análises laboratoriais para café em quaisquer tipos de instituições públicas. Há pessoas morrendo em filas de hospitais superlotados, pessoas sem assistência social, morrendo de fome, pessoas sem saneamento básico, pessoas sem acesso a educação, pessoas sem trabalho, pessoas sem acesso à segurança. Este é o país onde o Ministério da Saúde investe R$ 0,03 centavos/ano em serviços públicos de saúde per capita. O país onde se investe R$ 0,10 centavos/mês/per capita na merenda escolar.
Que o setor aprenda a lição e modifique seu modo de gerenciar seus interesses.
*Docente de ensino superior, especializada em cafeicultura empresarial. Coordenadora do curso de Administração da Faculdade de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena. Foi Secretária Executiva do Sindicato da Indústria de Café do Estado de Minas Gerais, Assessora Especial do Café da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais e Coordenadora do Centro de Inteligência do Café. E-mail: adm@marafreitas.adm.br.