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sábado, 3 de outubro de 2009

EDITORIAL O GLOBO

EDITORIAL O GLOBO
Sábado, 03 Outubro 2009 08:32 |
EDITORIAL
02/10/2009

Papel do campo


A monocultura caracterizou a economia brasileira desde os primórdios da colonização. Primeiro a cana-de-açúcar, depois o algodão e o café, principalmente, sustentaram por muitas décadas a economia do país. A geração dessa riqueza foi também a base da urbanização e do processo de industrialização que ocorreu ao longo do século XX. Em face dessa transformação, o Brasil deixou de ser rural a partir dos anos 50 e hoje tem mais da metade da sua população vivendo em cidades grandes e no seu entorno.

A atividade agrícola não é mais separada das demais. O conceito de setor primário se desatualizou em face da formação de cadeias produtivas que integram a agropecuária à indústria e aos serviços. O conceito do agronegócio talvez defina melhor esse tipo de atividade econômica que une campo e cidade.

Assim, além dos produtos tradicionais, como açúcar, algodão e café, o Brasil se destaca na soja, no milho, na produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel), no processamento de carnes, no suco de laranja, na celulose, etc. Além de grãos, o agronegócio tem proporcionado aos brasileiros (e também a consumidores no exterior) uma alimentação saudável, com produtos que chegam quase sempre frescos à mesa.

Nesse sentido, o agronegócio combina a exploração de grandes extensões de terras com a produção de hortigranjeiros proveniente de pequenas e médias propriedades familiares.

O último censo agropecuário do IBGE, com dados de 2006, confirmou essa evolução. Há mais investimentos em mecanização e tecnologia, o que leva a produção a aumentar mais pelos ganhos de produtividade do que pela área cultivada, o que é importante para se conciliar atividade econômica com preservação ambiental.

Por outro lado, é inevitável que essa estrutura de produção ocasione uma concentração de propriedades nas regiões de culturas extensivas em capital, com menos utilização de mão de obra. É, portanto, ilusória a leitura da questão agrícola por meio do coeficiente de Gini.

É um fenômeno negativo para o país? A julgar pelos resultados proporcionados pelo agronegócio — tem sido o maior responsável pelo superávit comercial — e pela fartura de alimentos oferecida aos centros urbanos — fiador de inflações baixas —, a resposta é que o modelo vem dando certo. Não por acaso, a sociedade brasileira deixou de ficar cultuando ilusões em relação aos movimentos que pregam a distribuição de terras como saída para todos os nossos problemas. A reforma agrária só faz sentido se inserida nessa cadeia produtiva.

A ameaça dos ruralistas

A ameaça dos ruralistas
Sábado, 03 Outubro 2009 10:24 |
Insatisfeita com a atuação do Planalto na CPI do MST, bancada dos grandes produtores rurais promete desobedecer Planalto nas próximas votações
A atuação do governo para que os parlamentares da base retirassem as assinaturas do requerimento que pedia a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os repasses financeiros feitos ao Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) abriu ainda mais as feridas entre o Planalto e a bancada ruralista. Ao todo, 42 políticos abandonaram o abaixo-assinado, o que inviabilizou a CPI, que precisa de um número mínimo de 171 assinaturas para instaurar a comissão.


Composta por quase 100(1) integrantes, sendo 58% de partidos aliados, o grupo de grandes produtores rurais reclama da falta de incentivos e da atuação do governo no desenvolvimento de uma política agrícola. Nos bastidores, parlamentares de diferentes partidos prometem reagir e ameaçam o governo de desobedecer às orientações das legendas em votações de interesse do Planalto, caso o Executivo insista em adotar medidas que beneficiam movimentos sociais em detrimento dos ruralistas.


Entre as maiores mágoas do setor de agronegócio - que foi, segundo o IBGE, o maior responsável pelo superávit do país no ano passado - está a constante ameaça do governo de mudar os critérios de classificação das propriedades rurais. Esses parâmetros servem para definir se as fazendas são produtivas ou não e, a partir daí, decidir quais delas serão usadas para a reforma agrária. Para tentar impedir que a ideia evoluísse, o PMDB se reuniu com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e ameaçou pedir o seu cargo ao Planalto, caso ele assinasse o decreto interministerial modificando os critérios de classificação. "Ele é indicado da legenda. E a própria legenda se reuniu, votou, e decidiu que ele não poderia assinar aquele documento. Ele desistiu. Afinal, ou perderia o cargo ou teria de deixar a legenda. Por enquanto isso está suspenso", conta o peemedebista Osmar Serraglio (PR), integrante da bancada ruralista.


A insatisfação do grupo de produtores é multipartidária e envolve integrantes da base aliada. "Este governo não ajudou ao nosso setor, apesar de o país depender do agronegócio. Se não fosse o produtor, o superávit estaria com prejuízo de pelo menos 30 bilhões de reais. Temos vários pleitos. Nenhum atendido. Temos enfrentado problemas e o governo só possui políticas, mesmo ruins, para os pequenos produtores. Isso tem gerado uma insatisfação generalizada", diz o peemedebista Valdir Colatto (SC). "Realmente há críticas. Há divergências e insatisfações. Nada tem sido feito pelo governo Lula. No entanto, no governo FHC foi ainda pior", completa Nelson Marquezelli (PTB-SP), outro integrante do grupo ruralista. O petebista foi um dos 42 parlamentares da base aliada que retiraram a assinatura do requerimento que pedia a CPI do MST.


Chantagens

Nos bastidores, alguns parlamentares que fazem parte da bancada ruralista admitem que a comissão que iria investigar os repasses financeiros feito pelo ministério do Desenvolvimento Agrário ao MST, e que foi abortada pelos governistas, era uma forma de pressionar o governo pela lista de pleitos (ver quadro) do setor. Além, claro, de representar uma atitude de represália contra as atitudes do Executivo para beneficiar movimentos sociais ligados à terra. Os ruralistas são antigos inimigos desses movimentos e não são raros os casos de enfrentamento armado entre os setores.


Ontem, depois de serem informados da retirada das assinaturas até por integrantes da bancada do agronegócio, parlamentares do governo e da oposição, que continuaram apoiando a CPI, não tinham dúvidas de que a mudança de posição dos parlamentares ocorreu em troca da promessa de liberação imediata de emendas parlamentares. Apesar da derrota, os deputados ruralistas afirmaram que iriam recomeçar a coleta de assinaturas e apresentar novo requerimento. "Houve um movimento truculento do governo. Vamos reagir à altura e insistir na CPI. Alguma coisa se deu em troca dessa postura súbita dos colegas que desistiram de apoiar uma comissão tão importante para abrirmos a caixa-preta do MST. O governo não tem ações para beneficiar o setor rural e faz bondades para esse tipo de movimento", afirmou o líder do DEM, Ronaldo Caiado.


Em defesa do governo, aliados dizem que o Planalto tem ajudado os grandes produtores, e citam a decisão de fazer o estoque regulador da produção do café para evitar a queda na produção. Lembram também que as políticas em defesa dos pequenos agricultores estão a todo vapor, por meio da implementação de empréstimos a juros baixos.



1- Lobby

A bancada ruralista no Congresso representa uma frente parlamentar cuja atuação ocorre principalmente em defesa dos interesses dos grandes produtores rurais. Atualmente, a bancada é composta por cerca de 90 parlamentares e tem demonstrado força nas articulações pelo engavetamento de projetos que não interessam ao setor, como os que combatem o trabalho escravo. Nesta legislatura, o número de grandes produtores eleitos cresceu 58% em relação à legislatura anterior.


Propostas recusadas


Confira as propostas dos ruralistas não atendidas pelo governo:


Criação do Fundo Garantidor para a agricultura

Instituição de um seguro para a lavoura

Elaboração de políticas de empréstimos a juros baixos

Aprovação de uma legislação ambiental flexível para grandes produtores

Desistência definitiva do governo de modificar os critérios de classificação de propriedades rurais, usados para taxá-las de produtivas ou não

Descentralização do poder do Ibama de conceder licenças ambientais



Guerra de licenças ambientais

O mal-estar criado ontem por conta da operação do governo para abortar a CPI do MST apenas agravou uma crise vivida pelos ruralistas no Congresso. A bancada tenta aprovar um projeto que institui o Código Ambiental Brasileiro e revoga o atual Código Florestal. A mudança pretende flexibilizar as regras para a concessão de licenças ambientais para produtores rurais e regulariza a situação dos que desmataram áreas superiores ao que o governo agora considera ideal. Integrantes do PV e do PSol têm reagido às manobras dos produtores para aprovar as mudanças na comissão especial destinada a avaliar o Projeto de Lei 1876/99, que apenas propõe um novo Código Florestal.


Parlamentares ambientalistas afirmam que integrantes da bancada ruralista estão se aproveitando do fato de serem maioria na comissão para aprovar propostas que diminuem a fiscalização dos órgãos do governo nas terras destinadas ao agronegócio, além de reduzirem o rigor da legislação ambiental. "Esta é uma comissão que terá uma grande tensão, pois as alterações são uma conspiração de violação do Código Florestal Brasileiro, um dos melhores do mundo", opina Ivan Valente (PSol-SP).


O deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) reage. Autor do projeto que pretende extinguir o Código Florestal, ele afirma que é preciso fazer com o Ibama divida com órgãos estaduais e municipais a responsabilidade para conceder licenças e fiscalizar as áreas produtoras. "Eles não sabem o que estão falando. Deveriam se limitar à posição de minoria que representam. Queremos apenas descentralizar as prerrogativas de um único órgão e facilitar o crescimento do agronegócio."


A comissão especial tentará na próxima semana, pela terceira vez, eleger seu presidente, vices e relator. As duas tentativas anteriores foram suspensas por conta de bate-bocas entre ruralistas e ambientalistas