Apesar das quedas nos principais contratos do café arábica na Bolsa de Nova Iorque, o mercado internacional começa a dar sinais de que está enxergando uma perda séria para a produção brasileira de café. A consultoria norte-americana J. Ganes Consulting, presidida pela analista de commodities Judith Ganes-Chase, informou em seu relatório semanal que a situação nos cafezais já se agravou muito nas últimas semanas e as perdas nas áreas mais atingidas pela seca e pelo calor poderão chegar a 40%.
“Representantes da indústria afirmam que o mercado terá que ‘esperar’ o início da colheita para descobrir o tamanho do estrago causado pela seca. Porém, este tempo é uma ‘eternidade’ para que o mercado fique neste purgatório”, informa o relatório semanal, concluindo que não deve levar muito tempo para a situação se definir, “já que o café está amadurecendo precocemente e a dimensão dos danos já está ficando clara”.
Situação sem precedentes
A consultoria informa que não há registros de uma seca desta magnitude neste período no Brasil nos últimos 50 anos (alguns levantamentos mostram que nem nos últimos 80 anos), portanto, o mercado não tem informações suficientes para saber como será a reação da safra. Assim, negociadores buscam informações de produtores de outros países que passaram por uma situação similar.
Algumas visitas aos cafezais brasileiros foram realizadas por especialistas há pelo menos 4 semanas, quando ainda era muito cedo para se concluir o problema, pois as árvores não mostravam os danos claramente. No entanto, mais um mês com chuvas baixo da média já agravou o problema, mas esta percepção ainda não atingiu o mercado. “Ainda vivemos uma batalha entre compradores e vendedores nas últimas semanas, diante da incerteza sobre os danos causados para as safras 2014/15 e 2015/16”, afirma o relatório de Judith.
Danos graves
A analista comenta que alguns investidores continuam acreditando que as perdas foram limitadas, que boa parte da safra não foi atingida pelas secas e que os estoques são grandes o suficiente para cobrir as eventuais perdas. “O mercado só consegue enxergar um modesto déficit de produção no pior cenário. Normalmente, eu concordaria com esta visão, mas as evidências de um dano mais sério estão se acumulando”.
“Eu continuo a enfatizar que os efeitos da seca ainda não eram evidentes durante o mês de fevereiro. Era muito cedo para afirmar o tamanho dos danos e as chuvas ainda conseguiriam beneficiar as lavouras. Mas como as precipitações continuaram abaixo do normal e as temperaturas acima da média, os danos se intensificaram”. Judith também confirma que São Paulo e Minas Gerais foram os dois estados mais impactados pela intensa falta de umidade, embora haja uma grande variação climática de região para região.
“Há um mês, as árvores ainda tinham frutos verdes, apenas com desenvolvimento atrasado. Agora, eles já estão murchos, começam a amadurecer precocemente, ficam amarelos e queimados pelo sol. Outros ficam vermelhos por fora, mas pretos por dentro e caem no chão”, afirma Judith no relatório.
Perdas podem chegar aos 40%
Produtores brasileiros, segundo o relatório, terão de decidir entre começar a colher cedo, mesmo não estando preparados para isso, ou esperar e arriscar perder produtividade. Diversos relatórios mostram cafeicultores desapontados ao cortarem frutos e verem grãos pequenos ou malformados.
“Para alguns produtores, as perdas podem ficar entre 30% e 40%, ou até mais, dependendo da intensidade do calor e da seca. Em regiões mais secas, já se confirma que o café terá qualidade mais baixa, devido aos grãos mais leves. Visões mais otimistas indicam que estas regiões poderão ter perdas de 20%”.
Áreas onde os cafezais “assaram” sob temperaturas extremamente altas, a previsão é ainda pior. Alguns produtores começam a concluir que a produtividade será tão baixa que não irá cobrir os custos de colheita. “Todos os números referentes ao tamanho da safra são preliminares e sujeitos a revisões, mas eu acredito fortemente que, se forem alterados, serão para menos, pois são poucas as chances de que os cafezais comecem a se recuperar dessa situação”.
Safra de 40 mi de sacas
“Se alguém me perguntar qual será o tamanho da safra brasileira de café, direi que estará na casa dos 40 milhões de sacas, eu não vejo uma safra de 50 milhões de sacas... Já para 2015/16, acredito que a safra não atingirá os 40 milhões de sacas, dada a extensão do problema e a falta de crescimento vegetativo, que não poderá ser recuperado, ainda que chova”.
Judith ressalta que abril é um mês em que as chuvas começam a diminuir, com a chegada da estação seca, portanto as árvores precisam se desenvolver com a umidade que foi acumulada no solo durante o período de chuvas. Este ano, elas não terão esta reserva de umidade.
Estoques
Outro ponto importante ressaltado pelo relatório é o tamanho dos estoques de passagem durante este período de oferta apertada. Nos anos 1970, o mercado do café atingiu altas históricas depois que uma forte geada comprometeu a produção brasileira. “Naquela ocasião, tínhamos um estoque de 49 milhões de sacas de café e as exportações eram de 55 milhões de sacas e o consumo dos produtores era de 19 milhões de sacas. Hoje, os estoques são de apenas 14 milhões de sacas e o uso de produtores é de 42 milhões de sacas, e as exportações mundiais totalizam 116,4 milhões de sacas”.
Os estoques de consumo também estão limitados. Em 1986, os estoques estavam em 41 milhões de sacas e em 1994, quando o Brasil sofreu com uma geada, eles estavam em 40,5 milhões de sacas. “Nunca tivemos registro de uma grande perda na safra brasileira em um período em que os estoques estavam tão baixos quanto agora”.
El Niño
Além da atual situação climática complicada, o mercado começa a observar a possibilidade de ocorrência do fenômeno El Niño no hemisfério Sul durante o segundo semestre. Com o fenômeno, as áreas produtivas poderão receber um excesso de chuvas, o que poderia prejudicar a colheita do café. “Isto levaria a situação de ruim para pior”.
Informações: J. Ganes Consulting
Tradução: Fernanda Bellei