USDA ajusta para baixo oferta de grãos
Ansiosamente aguardado pelo mercado e alvo de muitas especulações na última
semana, o novo relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
(USDA) sobre oferta e demanda de grãos naquele país e no mundo nesta safra
2010/11, divulgado ontem, reforçou perspectivas "altistas" para as cotações
internacionais de soja e milho, mas esvaziou a tendência de ascensão do trigo.
Milho, trigo e soja são as commodities agrícolas mais negociadas no comércio
global e estão entre as que mais influenciam os custos dos alimentos ao redor
do globo.
A maior surpresa entre as novas estimativas do USDA caiu sobre a soja, que teve
produtividade e colheita americanas mais reduzidas do que o esperado pelo
órgão. O corte amenizou o efeito de projeções do aumento da produção em outras
partes do mundo, inclusive no Brasil, e foi vital para as reduções das
previsões para os estoques finais da oleaginosa nos EUA e no mundo (ver
gráficos nesta página).
Na bolsa de Chicago, principal referência de preços para o comércio de grãos, o
reflexo foi forte. Os contratos da soja em grão com vencimento em janeiro - que
ocupam a segunda posição de entrega, normalmente a de maior liquidez - subiram
4,26% e alcançaram US$ 13,29 por bushel, maior valor desde 27 de agosto de
2008, segundo o Valor Data. Para alegria dos exportadores brasileiros, em 2010
a alta acumulada subiu para 26,75%; em 12 meses, chegou a 36,73%.
Também em Chicago, os futuros de segunda posição do trigo recuaram ontem 1,93%
e fecharam a US$ 7,6125 por bushel. Como os analistas previam, o USDA diminuiu
suas estimativas para a produção e os estoques finais dos EUA, mas menos do que
o esperado, e também cortou menos do que o previsto os estoques finais globais
do cereal. Analistas consultados pela Dow Jones Newswires disseram que esses
números podem significar que a oferta mundial será suficiente para atender à
demanda na temporada. Apesar da baixa, o trigo ainda acumula altas de 37,16% em
2010 e de 40,97% em 12 meses.
Já os preços do milho oscilaram em um dia em um padrão que costuma ser
observado em dois pregões seguidos. Como a soja, chegaram a alcançar o maior
patamar em 27 meses em Chicago, com queda dos estoques finais nos EUA e no
mundo, conforme o USDA, mas um movimento de realização de lucros enxugou os
ganhos e a segunda posição ainda teve tempo de fechar em queda de 1,5%, a US$
5,9025. Em 2010, os ganhos ainda somam 39,13%; em 12 meses, 47,47%.
A realização de lucros no mercado de milho teve relação com movimentos
financeiros e apostas especulativas que também se refletiram em outras
commodities, inclusive não agrícolas. Nos mercados de soja e milho, por
exemplo, as posições compradas de grandes fundos estão em patamares recordes. É
certo que as apostas têm relação com os fundamentos de oferta e demanda - esta
ainda aquecida e puxada por emergentes como a China - mas que foram
catapultadas por turbulências, ou estratégias, que erodiram o dólar.
Tais turbulências levaram ontem o índice Reuters/Jefferies CRB, composto por 19
commodities, ao maior nível em 25 meses, com destaque também para as disparadas
de produtos como cobre e ouro, além do algodão, que atingiu nova máxima em 140
anos na bolsa de Nova York. Na sexta-feira, o CRB completou 11 semanas seguidas
de valorizações, no rally mais longo desde 1977.
"A paranoia recessiva americana conduziu a uma nova expansão monetária que
criou condições para que apostas altistas em commodities se multiplicassem
mundo afora", diz Fabio Silveira, economista da RC Consultores. "Esta
desvalorização do dólar não deixa de ser uma política protecionista sem
precedentes. Só que é uma política perigosa para o sistema financeiro
internacional. Isso ajuda a ampliar a aposta em ouro e outras commodities e
vira inflação global".
Para Silveira, a mistura entre movimentos estritamente financeiros e aqueles
diretamente ligados aos fundamentos resulta, para a análise de preços de
commodities, no mais complexo quadro desde o fim da Segunda Guerra. Mas os
fundamentos estão lá, avisa. E, com os problemas climáticos que reduziram as
colheitas no Hemisfério Norte e poderão fazer o mesmo no Hemisfério Sul, a
corrida por grãos é acelerada.
Tão acelerada que nem a China, maior país importador de soja do mundo está
tendo facilidades. "A indústria de processamento de oleaginosas está encarando
um grande problema: a falta de grão", disse um executivo da chinesa CofCo à
agência Bloomberg.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
G-20 tenta obter um acordo imo sobre guerra cambial
G-20 tenta obter um acordo imo sobre guerra cambial
Às vésperas da reunião de cúpula dos presidentes do G-20, na quinta e
sexta-feira, em Seul, Coreia do Sul, todos os esforços estão sendo feitos para
evitar o fracasso do encontro. O desequilíbrio nas relações comerciais
internacionais, causado pelo deliberado enfraquecimento do dólar e da moeda
chinesa, passou a ser o principal assunto da pauta de discussões, deixando em
segundo plano outros temas como a nova regulação do sistema financeiro.
O clima esquentou quando os Estados Unidos anunciaram, na semana passada, nova
injeção de liquidez nos mercados, por meio da recompra de títulos - o chamado
afrouxamento quantitativo -, para estimular a economia. O Federal Open Market
Committee (Fomc), o comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed,
banco central americano), aprovou mais um programa de recompra de títulos do
Tesouro em poder dos bancos, que vai jogar no mercado US$ 75 bilhões por mês,
até o fim do primeiro semestre de 2011, somando US$ 600 bilhões. A injeção
total de dólares chegará a US$ 900 bilhões com a canalização de outros
recursos também para a compra de títulos.
O governo americano já havia gasto US$ 1,75 trilhão em um programa desse tipo,
que terminou no primeiro semestre sem resultados significativos na reativação
da economia, mas com o grave efeito colateral de vazar parte desses recursos
para o exterior, em busca de melhores retornos em mercados emergentes como o
Brasil, que se saíram melhor da crise.
A inundação de dólares enfraqueceu a moeda americana e apreciou quase todas as
demais, acentuando os desequilíbrios comerciais. A exceção é a China, que tira
proveito da situação ao manter sua moeda atrelada ao dólar, e consolida sua
posição no comércio internacional.
Para os Estados Unidos, com desemprego elevado, mercado interno fraco e déficit
crônico em conta corrente, é muito interessante ganhar o mercado internacional
com uma moeda enfraquecida. O presidente Barack Obama, que acaba de sair de uma
das maiores derrotas dos democratas nas urnas, disse, nesta semana, em Nova
Déli, que "o que estimula o crescimento dos Estados Unidos ajuda a causa
global", ressuscitando a velha máxima de que o que é bom para os Estados Unidos
é bom para o mundo. Nesse caso, Obama não deixa de ter razão, segundo o
presidente do banco central de Israel, Stanley Fischer. Se os Estados Unidos
voltarem a crescer, diz Fischer, todos podem voltar a exportar para o mercado
americano.
Mas a reação contrária ao novo programa americano foi grande no resto do mundo.
Em resposta, o presidente do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner,
lançou a proposta de se limitar os déficits e superávits comerciais dos países
a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando essa barreira fosse superada, as
contas seriam ajustadas.
Criticados por vários países, os Estados Unidos recuaram. Em vez de limitar o
resultado em conta corrente, propõem agora a criação de um sistema de "alertas
prévios" que indiquem quando os países acumulam déficits ou superávits
excessivos, que devem ser corrigidos. Resta definir esses parâmetros e qual
organismo vai fiscalizar e acompanhar as correções, tarefas que muito
provavelmente ficarão a cargo do Fundo Monetário Internacional (FMI). A
Alemanha, segundo maior exportador do mundo após a China, parece já estar
envolvida nessa tarefa.
Mas o G-20 também deverá discutir as propostas de controle de capital sugeridas
pelo Brasil, que considera um direito dos mercados emergentes limitar os fluxos
que acentuam a valorização cambial.
Correndo por fora, surgiu a proposta do presidente do Banco Mundial, Robert
Zoellick, de que os países devem retomar o padrão-ouro para evitar solavancos
nas moedas. Chamado de Bretton Woods II, o projeto foi recebido com bastante
ceticismo. Segundo Zoellick, dólar, euro, iene, yuan e libra também devem ser
envolvidos. O padrão-ouro, sistema em que as moedas devem ser lastreadas em
reservas de ouro, prevaleceu até o acordo de Bretton Woods, fechado no fim da
Segunda Guerra Mundial. Pelo acordo, o câmbio das moedas era fixo em relação ao
dólar, que era conversível em ouro - o chamado padrão dólar-ouro. Os ativos de
reserva eram o ouro, o dólar e o direito especial de saque (DES), a moeda do
FMI. Mas, em 1971, os Estados Unidos romperam a conversibilidade do dólar em
relação ao ouro e o câmbio passou a flutuante.
Às vésperas da reunião de cúpula dos presidentes do G-20, na quinta e
sexta-feira, em Seul, Coreia do Sul, todos os esforços estão sendo feitos para
evitar o fracasso do encontro. O desequilíbrio nas relações comerciais
internacionais, causado pelo deliberado enfraquecimento do dólar e da moeda
chinesa, passou a ser o principal assunto da pauta de discussões, deixando em
segundo plano outros temas como a nova regulação do sistema financeiro.
O clima esquentou quando os Estados Unidos anunciaram, na semana passada, nova
injeção de liquidez nos mercados, por meio da recompra de títulos - o chamado
afrouxamento quantitativo -, para estimular a economia. O Federal Open Market
Committee (Fomc), o comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed,
banco central americano), aprovou mais um programa de recompra de títulos do
Tesouro em poder dos bancos, que vai jogar no mercado US$ 75 bilhões por mês,
até o fim do primeiro semestre de 2011, somando US$ 600 bilhões. A injeção
total de dólares chegará a US$ 900 bilhões com a canalização de outros
recursos também para a compra de títulos.
O governo americano já havia gasto US$ 1,75 trilhão em um programa desse tipo,
que terminou no primeiro semestre sem resultados significativos na reativação
da economia, mas com o grave efeito colateral de vazar parte desses recursos
para o exterior, em busca de melhores retornos em mercados emergentes como o
Brasil, que se saíram melhor da crise.
A inundação de dólares enfraqueceu a moeda americana e apreciou quase todas as
demais, acentuando os desequilíbrios comerciais. A exceção é a China, que tira
proveito da situação ao manter sua moeda atrelada ao dólar, e consolida sua
posição no comércio internacional.
Para os Estados Unidos, com desemprego elevado, mercado interno fraco e déficit
crônico em conta corrente, é muito interessante ganhar o mercado internacional
com uma moeda enfraquecida. O presidente Barack Obama, que acaba de sair de uma
das maiores derrotas dos democratas nas urnas, disse, nesta semana, em Nova
Déli, que "o que estimula o crescimento dos Estados Unidos ajuda a causa
global", ressuscitando a velha máxima de que o que é bom para os Estados Unidos
é bom para o mundo. Nesse caso, Obama não deixa de ter razão, segundo o
presidente do banco central de Israel, Stanley Fischer. Se os Estados Unidos
voltarem a crescer, diz Fischer, todos podem voltar a exportar para o mercado
americano.
Mas a reação contrária ao novo programa americano foi grande no resto do mundo.
Em resposta, o presidente do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner,
lançou a proposta de se limitar os déficits e superávits comerciais dos países
a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando essa barreira fosse superada, as
contas seriam ajustadas.
Criticados por vários países, os Estados Unidos recuaram. Em vez de limitar o
resultado em conta corrente, propõem agora a criação de um sistema de "alertas
prévios" que indiquem quando os países acumulam déficits ou superávits
excessivos, que devem ser corrigidos. Resta definir esses parâmetros e qual
organismo vai fiscalizar e acompanhar as correções, tarefas que muito
provavelmente ficarão a cargo do Fundo Monetário Internacional (FMI). A
Alemanha, segundo maior exportador do mundo após a China, parece já estar
envolvida nessa tarefa.
Mas o G-20 também deverá discutir as propostas de controle de capital sugeridas
pelo Brasil, que considera um direito dos mercados emergentes limitar os fluxos
que acentuam a valorização cambial.
Correndo por fora, surgiu a proposta do presidente do Banco Mundial, Robert
Zoellick, de que os países devem retomar o padrão-ouro para evitar solavancos
nas moedas. Chamado de Bretton Woods II, o projeto foi recebido com bastante
ceticismo. Segundo Zoellick, dólar, euro, iene, yuan e libra também devem ser
envolvidos. O padrão-ouro, sistema em que as moedas devem ser lastreadas em
reservas de ouro, prevaleceu até o acordo de Bretton Woods, fechado no fim da
Segunda Guerra Mundial. Pelo acordo, o câmbio das moedas era fixo em relação ao
dólar, que era conversível em ouro - o chamado padrão dólar-ouro. Os ativos de
reserva eram o ouro, o dólar e o direito especial de saque (DES), a moeda do
FMI. Mas, em 1971, os Estados Unidos romperam a conversibilidade do dólar em
relação ao ouro e o câmbio passou a flutuante.
Menos, menos
Menos, menos
Luis Eduardo de Assis
A melhora de um paciente que parecia terminal acabou por mudar alguns traços da
personalidade brasileira. O Brasil foi durante muito tempo um caso bem
caracterizado de estagnação econômica. A purgação da crise da dívida externa na
qual nos enredamos a partir do final dos anos 70 nos custou muito tempo. A
renda per capita ficou praticamente igual nos 20 anos anteriores ao ano 2000,
algo doloroso para um país que não resolveu muitos de seus problemas
fundamentais. Parecia um caso raro de decadência não precedida pelo auge - um
perigeu espontâneo.
Nos últimos anos, no entanto, o feitiço se rompeu e as coisas melhoraram. Desde
a virada do milênio, o produto per capita aumentou mais de 26%. Apenas em 2010
esse crescimento deve atingir 6,5%, o que é mais que o crescimento acumulado
entre 1980 e 2000. Isso não só ajuda a explicar o resultado das eleições como
estimula o amor próprio e a autoestima, senão a soberba.
O que mudou não é pouco, definitivamente, mas convém não exagerar. A ideia de
que o Brasil já é uma "potência econômica" e comprovou seus sólidos fundamentos
ao sair quase ileso da crise internacional, por exemplo, exige qualificações. A
mais grave crise das últimas décadas teve origem nos países desenvolvidos e
resultou da combinação entre juros baixos por muito tempo, desregulamentação do
mercado financeiro, crescente sofisticação de produtos derivativos de crédito e
forte aumento nos preços dos imóveis. Nada disso aconteceu no Brasil, e, nesse
sentido, não é surpresa que a ventania aqui tenha se transformado em aragem.
Não é possível acelerar indefinidamente o carro com o freio de mão puxado.
Cortar despesas seria salutar
Para começar, há muito que vivemos na narcose dos juros altos e a
desregulamentação do mercado financeiro foi uma ideia que não vingou (Millor
Fernandes dizia que uma ideologia quando fica bem velhinha vem morar no Brasil;
desta vez não deu tempo). Nossos derivativos são ainda incipientes e sempre
estivemos longe de uma bolha imobiliária. A título de ilustração, os preços dos
imóveis em Londres alcançaram em 2007 o equivalente a 12 anos de renda líquida
do respectivo morador. Não temos esse indicador no Brasil, mas basta uma conta
simples com nossa evidência pessoal para notar que não chegamos perto disso.
Se fomos protagonistas na crise da dívida externa, desta vez a crise não nos
pertence. Menos pelos fundamentos, mas porque essa crise é coisa de rico. A
contaminação para os países em desenvolvimento se deu na proporção de sua
dependência em relação aos fluxos comerciais e da participação dos bancos
estrangeiros no crédito local. A economia brasileira é marcadamente
ensimesmada, a dependência das exportações é pequena e a participação dos
bancos estrangeiros no crédito total não é dominante.
Faria bem à nossa modéstia admitir que temos ainda muito o que resolver. A
ideia de ritmo chinês de crescimento, nesse sentido, fica entre o exagero e o
desvario. Entre 1990 e 2009, nosso Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 70%. O
produto da China aumentou 540%. Na última década, quando as coisas melhoraram
para nós, o PIB trimestral brasileiro cresceu quatro vezes acima de 7%. Nesse
mesmo período, o produto chinês cresceu apenas quatro vezes menos que 7% - e 14
vezes mais que 10%. Se tivessemos crescido como a China desde 1990 nosso
produto hoje seria o segundo do mundo e maior que a soma do PIB da França e do
Reino Unido. Vamos combinar, portanto, que nosso crescimento é consistente,
significativo, importante - mas não é "chinês".
Da mesma forma, e apesar da melhora dos últimos anos, uma seleção de nossos
piores momentos mostra uma situação constrangedora. O indicador de
competitividade, por exemplo, medido pelo World Economic Fórum nos coloca em
58 lugar entre 139 países. Estamos atrás da Malásia, Chile, Tunísia e Panamá.
O índice mede as condições de competitividade em doze dimensões. Estamos muito
mal, especialmente em educação primária (106 lugar). A Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílio (Pnad), realizada pelo IBGE, também não conforta. Temos
hoje 28,2 milhões de brasileiros com idade superior a 25 anos que tiveram menos
de três anos de instrução formal. Das pessoas com mais de 25 anos, 12% são
analfabetas, proporção que atinge 24% na região Nordeste. A taxa de
analfabetismo funcional alcança 21,7% para pessoas com mais de 15 anos.
De acordo com o Banco Mundial, nossa taxa de analfabetismo é maior que na
Colômbia ou mesmo na Bolívia , países que não adotamos usualmente como
referência. A Pnad também indica que temos ainda mais de 9 milhões de
domicílios sem acesso à rede de abastecimento de água (cerca de 30 milhões de
brasileiros) e quase 28 milhões de domicílios sem acesso à rede de esgoto (90
milhões de pessoas).
O exame Pisa, aplicado anualmente pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) em alunos de 15 anos em 57 países afere
conhecimentos gerais de ciências, matemática e linguagem. Em 2009 ficamos em
40 em linguagem, 52 em ciências e 54 em matemática.
Muito foi feito. Há muito por fazer. No cenário econômico há ainda questões
pendentes essenciais. Juros internacionais perto de zero, pletora de capitais e
recuperação dos preços das commodities são condições favoráveis que devem
persistir por algum tempo. Ainda assim, a mirrada taxa de investimento
deixa-nos refém da necessidade de contenção da demanda. Também a esquizofrenia
entre política monetária contracionista e política fiscal expansionista está a
exigir uma solução. Não é possível acelerar indefinidamente o carro com o freio
de mão puxado. Corte de despesas públicas seria muito salutar, mas é de difícil
execução e pode ser politicamente inviável.
Por fim, a valorização cambial expõe as vulnerabilidades da indústria e
estimula um déficit em transações corrente "nunca visto antes neste país". Tudo
isso sugere que continuidade pode ser pouco para garantir o êxito na condução
da política econômica. O alinhamento de planetas que nos permitiu condições tão
favoráveis não vai durar para sempre. Será melhor estarmos preparados para
criar condições permanentes de estabilidade. Um desafio não trivial.
Luis Eduardo de Assis, economista, foi diretor de Política Monetária do Banco
Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. É diretor regional da América Latina do
grupo HSBC.
Luis Eduardo de Assis
A melhora de um paciente que parecia terminal acabou por mudar alguns traços da
personalidade brasileira. O Brasil foi durante muito tempo um caso bem
caracterizado de estagnação econômica. A purgação da crise da dívida externa na
qual nos enredamos a partir do final dos anos 70 nos custou muito tempo. A
renda per capita ficou praticamente igual nos 20 anos anteriores ao ano 2000,
algo doloroso para um país que não resolveu muitos de seus problemas
fundamentais. Parecia um caso raro de decadência não precedida pelo auge - um
perigeu espontâneo.
Nos últimos anos, no entanto, o feitiço se rompeu e as coisas melhoraram. Desde
a virada do milênio, o produto per capita aumentou mais de 26%. Apenas em 2010
esse crescimento deve atingir 6,5%, o que é mais que o crescimento acumulado
entre 1980 e 2000. Isso não só ajuda a explicar o resultado das eleições como
estimula o amor próprio e a autoestima, senão a soberba.
O que mudou não é pouco, definitivamente, mas convém não exagerar. A ideia de
que o Brasil já é uma "potência econômica" e comprovou seus sólidos fundamentos
ao sair quase ileso da crise internacional, por exemplo, exige qualificações. A
mais grave crise das últimas décadas teve origem nos países desenvolvidos e
resultou da combinação entre juros baixos por muito tempo, desregulamentação do
mercado financeiro, crescente sofisticação de produtos derivativos de crédito e
forte aumento nos preços dos imóveis. Nada disso aconteceu no Brasil, e, nesse
sentido, não é surpresa que a ventania aqui tenha se transformado em aragem.
Não é possível acelerar indefinidamente o carro com o freio de mão puxado.
Cortar despesas seria salutar
Para começar, há muito que vivemos na narcose dos juros altos e a
desregulamentação do mercado financeiro foi uma ideia que não vingou (Millor
Fernandes dizia que uma ideologia quando fica bem velhinha vem morar no Brasil;
desta vez não deu tempo). Nossos derivativos são ainda incipientes e sempre
estivemos longe de uma bolha imobiliária. A título de ilustração, os preços dos
imóveis em Londres alcançaram em 2007 o equivalente a 12 anos de renda líquida
do respectivo morador. Não temos esse indicador no Brasil, mas basta uma conta
simples com nossa evidência pessoal para notar que não chegamos perto disso.
Se fomos protagonistas na crise da dívida externa, desta vez a crise não nos
pertence. Menos pelos fundamentos, mas porque essa crise é coisa de rico. A
contaminação para os países em desenvolvimento se deu na proporção de sua
dependência em relação aos fluxos comerciais e da participação dos bancos
estrangeiros no crédito local. A economia brasileira é marcadamente
ensimesmada, a dependência das exportações é pequena e a participação dos
bancos estrangeiros no crédito total não é dominante.
Faria bem à nossa modéstia admitir que temos ainda muito o que resolver. A
ideia de ritmo chinês de crescimento, nesse sentido, fica entre o exagero e o
desvario. Entre 1990 e 2009, nosso Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 70%. O
produto da China aumentou 540%. Na última década, quando as coisas melhoraram
para nós, o PIB trimestral brasileiro cresceu quatro vezes acima de 7%. Nesse
mesmo período, o produto chinês cresceu apenas quatro vezes menos que 7% - e 14
vezes mais que 10%. Se tivessemos crescido como a China desde 1990 nosso
produto hoje seria o segundo do mundo e maior que a soma do PIB da França e do
Reino Unido. Vamos combinar, portanto, que nosso crescimento é consistente,
significativo, importante - mas não é "chinês".
Da mesma forma, e apesar da melhora dos últimos anos, uma seleção de nossos
piores momentos mostra uma situação constrangedora. O indicador de
competitividade, por exemplo, medido pelo World Economic Fórum nos coloca em
58 lugar entre 139 países. Estamos atrás da Malásia, Chile, Tunísia e Panamá.
O índice mede as condições de competitividade em doze dimensões. Estamos muito
mal, especialmente em educação primária (106 lugar). A Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílio (Pnad), realizada pelo IBGE, também não conforta. Temos
hoje 28,2 milhões de brasileiros com idade superior a 25 anos que tiveram menos
de três anos de instrução formal. Das pessoas com mais de 25 anos, 12% são
analfabetas, proporção que atinge 24% na região Nordeste. A taxa de
analfabetismo funcional alcança 21,7% para pessoas com mais de 15 anos.
De acordo com o Banco Mundial, nossa taxa de analfabetismo é maior que na
Colômbia ou mesmo na Bolívia , países que não adotamos usualmente como
referência. A Pnad também indica que temos ainda mais de 9 milhões de
domicílios sem acesso à rede de abastecimento de água (cerca de 30 milhões de
brasileiros) e quase 28 milhões de domicílios sem acesso à rede de esgoto (90
milhões de pessoas).
O exame Pisa, aplicado anualmente pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) em alunos de 15 anos em 57 países afere
conhecimentos gerais de ciências, matemática e linguagem. Em 2009 ficamos em
40 em linguagem, 52 em ciências e 54 em matemática.
Muito foi feito. Há muito por fazer. No cenário econômico há ainda questões
pendentes essenciais. Juros internacionais perto de zero, pletora de capitais e
recuperação dos preços das commodities são condições favoráveis que devem
persistir por algum tempo. Ainda assim, a mirrada taxa de investimento
deixa-nos refém da necessidade de contenção da demanda. Também a esquizofrenia
entre política monetária contracionista e política fiscal expansionista está a
exigir uma solução. Não é possível acelerar indefinidamente o carro com o freio
de mão puxado. Corte de despesas públicas seria muito salutar, mas é de difícil
execução e pode ser politicamente inviável.
Por fim, a valorização cambial expõe as vulnerabilidades da indústria e
estimula um déficit em transações corrente "nunca visto antes neste país". Tudo
isso sugere que continuidade pode ser pouco para garantir o êxito na condução
da política econômica. O alinhamento de planetas que nos permitiu condições tão
favoráveis não vai durar para sempre. Será melhor estarmos preparados para
criar condições permanentes de estabilidade. Um desafio não trivial.
Luis Eduardo de Assis, economista, foi diretor de Política Monetária do Banco
Central e professor da PUC-SP e FGV-SP. É diretor regional da América Latina do
grupo HSBC.
O Fed tem razão em abrir a torneira
O Fed tem razão em abrir a torneira
Martin Wolf
O céu está desabando, gritam os histéricos: o Federal Reserve (Fed, banco
central dos EUA) está derramando dólares em tais quantidades que, em breve, a
moeda não terá valor. Nada poderia estar mais distante da verdade. Como no
Japão, é muito mais provável que a política denominada "flexibilização
quantitativa" se revele ineficaz mais do que letal. É uma mangueira com
vazamento, não um dilúvio monetário de Noé.
Enfim, o que é que o Fed está fazendo? E por que está fazendo? Por que é que as
críticas são ridículas? O que deveria o Fed estar fazendo, em vez disso?
A resposta à primeira indagação é clara. Como o Fed declarou em 3 de novembro,
"para estimular um forte ritmo de recuperação econômica e para ajudar a
assegurar que a inflação permaneça, ao longo do tempo, em níveis compatíveis
com sua missão, o Federal Open Market Committee (Fomc) decidiu hoje ampliar
seus estoques de títulos. O Fomc vai manter sua atual política de
reinvestimento dos pagamentos do principal de seu estoque de títulos. Além
disso, a comissão pretende adquirir mais US$ 600 bilhões em títulos de longo
prazo do Tesouro até ao fim do segundo trimestre de 2011, a um ritmo de cerca
de US$ 75 bilhões por mês".
Em vez de todas as fúteis lamúrias, o necessário era uma apreciação coordenada
das moedas das economias emergentes. A culpa aqui não é dos EUA. Simpatizo com
um Brasil ou uma África do Sul, mas não com a China. O céu não está
desabando.
Ben Bernanke, o chairman do Fed, explicou o argumento em discurso no mês
passado. Ele ressaltou que o desemprego nos EUA está muito acima de qualquer
estimativa razoável de equilíbrio. Além disso, as perspectivas de crescimento
econômico tornam improvável que isso mude no decorrer de 2011. Isso é
suficientemente ruim, mas o pior é que a inflação caiu para perto de 1%, apesar
da expansão do balanço patrimonial do Fed, sobre a qual tantas lágrimas foram
derramadas. As expectativas de inflação estão bem ancoradas, acrescentou ele,
mas isso poderá mudar, depois de instalada uma deflação. Tendo em vista o
desaquecimento da economia, isso pode não estar muito distante.
O Fed, acrescentou seu presidente, tem dupla missão: estimular o desemprego
mínimo e a estabilidade de preços. Cruzar os braços seria incompatível com essa
obrigação. A única questão é o que deve ser feito. A resposta é a proposta de
compra de obrigações do Tesouro. Isso simplesmente estende as operações
clássicas do mercado aberto para cima na curva de juros. Isso também só
expandiria o balanço patrimonial do Fed em cerca de 25%, ou cerca de 4% do
Produto Interno Bruto (PIB). Estão os EUA realmente na mesma estrada que a
República de Weimar? Numa palavra, não.
Não é de surpreender que Wolfgang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha,
pense diferente. Ele descreve o modelo de crescimento americano como envolvido
em "crise profunda", acrescentando que "não está certo que os americanos acusem
a China de manipular as taxas de câmbio e então façam a taxa de câmbio do dólar
cair, ao abrir as comportas". Presumivelmente, ele acredita que, num mundo
ideal, os EUA seriam forçados, em vez disso, a seguir a rota deflacionária
imposta à Grécia e à Irlanda. Isso não vai acontecer. Nem deveria.
Essencialmente, as críticas ao Fed se resumem a dois pontos: suas políticas
estão conduzindo a uma hiperinflação e elas são do tipo "empobrecer meu
vizinho" - em suas consequências, se não em sua intenção.
A primeira dessas críticas não é apenas errada, mas estranha. A essência do
sistema monetário contemporâneo é a criação de dinheiro, do nada, mediante a
concessão de empréstimos, muitas vezes tolas, por parte dos bancos privados.
Por que é que tal privatização de uma função pública é acertada e apropriada,
mas ações do banco central para atender premente necessidade pública seria um
caminho para a catástrofe? Quando os bancos deixam de conceder empréstimos e a
base monetária ampla mal cresce, isso é exatamente o que o BC deveria estar
fazendo.
A reação histérica então acrescenta ser impossível diminuir o balanço
patrimonial do Fed com rapidez suficiente para impedir uma expansão monetária
excessiva. Isso também não faz sentido. Se a economia decolasse, nada seria
mais fácil. De fato, o Fed explicou exatamente o que faria, em seu relatório de
política monetária apresentado ao Congresso em julho passado. Se o pior fosse
levado ao extremo, o Fed poderia apenas aumentar as exigências de reservas. Uma
vez que muitos dos seus críticos acreditam em 100% de reservas bancárias, por
que se opõem a uma mudança nesse sentido?
Agora tratemos do argumento segundo o qual o Fed está deliberadamente
debilitando o dólar. Qualquer pessoa medianamente consciente sabe que a missão
do Fed não tem a ver com o valor externo do dólar. Os governos que empilharam
um montante extra de US$ 6,8 trilhões em reservas cambiais desde janeiro de
2000, grande parte em dólares, são adultos responsáveis. Ninguém pediu à China
que adicionasse o enorme montante de US$ 2,4 trilhões às reservas.
Mais fundamentalmente, são as forças de mercado, e não a política monetária,
que estão forçando o reequilíbrio mundial, à medida que o setor privado tenta
colocar seu dinheiro onde vê oportunidades. As políticas monetárias do Fed
simplesmente dão um empurrãozinho. Em vez de todas as fúteis lamúrias, o
necessário era uma apreciação coordenada das moedas das economias emergentes. A
culpa aqui não é dos EUA. Simpatizo com um Brasil ou uma África do Sul, mas não
com a China.
O céu não está desabando. Mas isso não significa que as políticas do Fed sejam
as melhores possíveis. É provável que qualquer impacto sobre os rendimentos dos
títulos de médio prazo produzam um efeito econômico pequeno. Seria muito melhor
se o Fed pudesse deslocar para cima as expectativas de inflação, ao declarar
explicitamente seu comprometimento em compensar um período prolongado de
inflação abaixo da meta com outro de inflação acima da meta.
Pode ser razoável defender uma reconsideração do sistema monetário, como fez
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial. Mas será que alguém espera que os
políticos digam que embora lamentem essa depressão, precisam, primeiro, acalmar
o mais especulativo entre os mercados de commodities do mundo? Aqueles a quem
os deuses querem destruir, primeiro fazem enlouquecer.
Martin Wolf - editor e principal comentarista econômico do FT
Martin Wolf
O céu está desabando, gritam os histéricos: o Federal Reserve (Fed, banco
central dos EUA) está derramando dólares em tais quantidades que, em breve, a
moeda não terá valor. Nada poderia estar mais distante da verdade. Como no
Japão, é muito mais provável que a política denominada "flexibilização
quantitativa" se revele ineficaz mais do que letal. É uma mangueira com
vazamento, não um dilúvio monetário de Noé.
Enfim, o que é que o Fed está fazendo? E por que está fazendo? Por que é que as
críticas são ridículas? O que deveria o Fed estar fazendo, em vez disso?
A resposta à primeira indagação é clara. Como o Fed declarou em 3 de novembro,
"para estimular um forte ritmo de recuperação econômica e para ajudar a
assegurar que a inflação permaneça, ao longo do tempo, em níveis compatíveis
com sua missão, o Federal Open Market Committee (Fomc) decidiu hoje ampliar
seus estoques de títulos. O Fomc vai manter sua atual política de
reinvestimento dos pagamentos do principal de seu estoque de títulos. Além
disso, a comissão pretende adquirir mais US$ 600 bilhões em títulos de longo
prazo do Tesouro até ao fim do segundo trimestre de 2011, a um ritmo de cerca
de US$ 75 bilhões por mês".
Em vez de todas as fúteis lamúrias, o necessário era uma apreciação coordenada
das moedas das economias emergentes. A culpa aqui não é dos EUA. Simpatizo com
um Brasil ou uma África do Sul, mas não com a China. O céu não está
desabando.
Ben Bernanke, o chairman do Fed, explicou o argumento em discurso no mês
passado. Ele ressaltou que o desemprego nos EUA está muito acima de qualquer
estimativa razoável de equilíbrio. Além disso, as perspectivas de crescimento
econômico tornam improvável que isso mude no decorrer de 2011. Isso é
suficientemente ruim, mas o pior é que a inflação caiu para perto de 1%, apesar
da expansão do balanço patrimonial do Fed, sobre a qual tantas lágrimas foram
derramadas. As expectativas de inflação estão bem ancoradas, acrescentou ele,
mas isso poderá mudar, depois de instalada uma deflação. Tendo em vista o
desaquecimento da economia, isso pode não estar muito distante.
O Fed, acrescentou seu presidente, tem dupla missão: estimular o desemprego
mínimo e a estabilidade de preços. Cruzar os braços seria incompatível com essa
obrigação. A única questão é o que deve ser feito. A resposta é a proposta de
compra de obrigações do Tesouro. Isso simplesmente estende as operações
clássicas do mercado aberto para cima na curva de juros. Isso também só
expandiria o balanço patrimonial do Fed em cerca de 25%, ou cerca de 4% do
Produto Interno Bruto (PIB). Estão os EUA realmente na mesma estrada que a
República de Weimar? Numa palavra, não.
Não é de surpreender que Wolfgang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha,
pense diferente. Ele descreve o modelo de crescimento americano como envolvido
em "crise profunda", acrescentando que "não está certo que os americanos acusem
a China de manipular as taxas de câmbio e então façam a taxa de câmbio do dólar
cair, ao abrir as comportas". Presumivelmente, ele acredita que, num mundo
ideal, os EUA seriam forçados, em vez disso, a seguir a rota deflacionária
imposta à Grécia e à Irlanda. Isso não vai acontecer. Nem deveria.
Essencialmente, as críticas ao Fed se resumem a dois pontos: suas políticas
estão conduzindo a uma hiperinflação e elas são do tipo "empobrecer meu
vizinho" - em suas consequências, se não em sua intenção.
A primeira dessas críticas não é apenas errada, mas estranha. A essência do
sistema monetário contemporâneo é a criação de dinheiro, do nada, mediante a
concessão de empréstimos, muitas vezes tolas, por parte dos bancos privados.
Por que é que tal privatização de uma função pública é acertada e apropriada,
mas ações do banco central para atender premente necessidade pública seria um
caminho para a catástrofe? Quando os bancos deixam de conceder empréstimos e a
base monetária ampla mal cresce, isso é exatamente o que o BC deveria estar
fazendo.
A reação histérica então acrescenta ser impossível diminuir o balanço
patrimonial do Fed com rapidez suficiente para impedir uma expansão monetária
excessiva. Isso também não faz sentido. Se a economia decolasse, nada seria
mais fácil. De fato, o Fed explicou exatamente o que faria, em seu relatório de
política monetária apresentado ao Congresso em julho passado. Se o pior fosse
levado ao extremo, o Fed poderia apenas aumentar as exigências de reservas. Uma
vez que muitos dos seus críticos acreditam em 100% de reservas bancárias, por
que se opõem a uma mudança nesse sentido?
Agora tratemos do argumento segundo o qual o Fed está deliberadamente
debilitando o dólar. Qualquer pessoa medianamente consciente sabe que a missão
do Fed não tem a ver com o valor externo do dólar. Os governos que empilharam
um montante extra de US$ 6,8 trilhões em reservas cambiais desde janeiro de
2000, grande parte em dólares, são adultos responsáveis. Ninguém pediu à China
que adicionasse o enorme montante de US$ 2,4 trilhões às reservas.
Mais fundamentalmente, são as forças de mercado, e não a política monetária,
que estão forçando o reequilíbrio mundial, à medida que o setor privado tenta
colocar seu dinheiro onde vê oportunidades. As políticas monetárias do Fed
simplesmente dão um empurrãozinho. Em vez de todas as fúteis lamúrias, o
necessário era uma apreciação coordenada das moedas das economias emergentes. A
culpa aqui não é dos EUA. Simpatizo com um Brasil ou uma África do Sul, mas não
com a China.
O céu não está desabando. Mas isso não significa que as políticas do Fed sejam
as melhores possíveis. É provável que qualquer impacto sobre os rendimentos dos
títulos de médio prazo produzam um efeito econômico pequeno. Seria muito melhor
se o Fed pudesse deslocar para cima as expectativas de inflação, ao declarar
explicitamente seu comprometimento em compensar um período prolongado de
inflação abaixo da meta com outro de inflação acima da meta.
Pode ser razoável defender uma reconsideração do sistema monetário, como fez
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial. Mas será que alguém espera que os
políticos digam que embora lamentem essa depressão, precisam, primeiro, acalmar
o mais especulativo entre os mercados de commodities do mundo? Aqueles a quem
os deuses querem destruir, primeiro fazem enlouquecer.
Martin Wolf - editor e principal comentarista econômico do FT
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