O Fed tem razão em abrir a torneira
Martin Wolf
 
O céu está desabando, gritam os histéricos: o Federal Reserve (Fed, banco 
central dos EUA) está derramando dólares em tais quantidades que, em breve, a 
moeda não terá valor. Nada poderia estar mais distante da verdade. Como no 
Japão, é muito mais provável que a política denominada "flexibilização 
quantitativa" se revele ineficaz mais do que letal. É uma mangueira com 
vazamento, não um dilúvio monetário de Noé.
Enfim, o que é que o Fed está fazendo? E por que está fazendo? Por que é que as 
críticas são ridículas? O que deveria o Fed estar fazendo, em vez disso?
A resposta à primeira indagação é clara. Como o Fed declarou em 3 de novembro, 
"para estimular um forte ritmo de recuperação econômica e para ajudar a 
assegurar que a inflação permaneça, ao longo do tempo, em níveis compatíveis 
com sua missão, o Federal Open Market Committee (Fomc) decidiu hoje ampliar 
seus estoques de títulos. O Fomc vai manter sua atual política de 
reinvestimento dos pagamentos do principal de seu estoque de títulos. Além 
disso, a comissão pretende adquirir mais US$ 600 bilhões em títulos de longo 
prazo do Tesouro até ao fim do segundo trimestre de 2011, a um ritmo de cerca 
de US$ 75 bilhões por mês".
Em vez de todas as fúteis lamúrias, o necessário era uma  apreciação coordenada 
das moedas das economias emergentes. A culpa aqui  não é dos EUA. Simpatizo com 
um Brasil ou uma África do Sul, mas não com  a China. O céu não  está 
desabando. 
Ben Bernanke, o chairman do Fed, explicou o argumento em discurso no mês 
passado. Ele ressaltou que o desemprego nos EUA está muito acima de qualquer 
estimativa razoável de equilíbrio. Além disso, as perspectivas de crescimento 
econômico tornam improvável que isso mude no decorrer de 2011. Isso é 
suficientemente ruim, mas o pior é que a inflação caiu para perto de 1%, apesar 
da expansão do balanço patrimonial do Fed, sobre a qual tantas lágrimas foram 
derramadas. As expectativas de inflação estão bem ancoradas, acrescentou ele, 
mas isso poderá mudar, depois de instalada uma deflação. Tendo em vista o 
desaquecimento da economia, isso pode não estar muito distante.
O Fed, acrescentou seu presidente, tem dupla missão: estimular o desemprego 
mínimo e a estabilidade de preços. Cruzar os braços seria incompatível com essa 
obrigação. A única questão é o que deve ser feito. A resposta é a proposta de 
compra de obrigações do Tesouro. Isso simplesmente estende as operações 
clássicas do mercado aberto para cima na curva de juros. Isso também só 
expandiria o balanço patrimonial do Fed em cerca de 25%, ou cerca de 4% do 
Produto Interno Bruto (PIB). Estão os EUA realmente na mesma estrada que a 
República de Weimar? Numa palavra, não.
Não é de surpreender que Wolfgang Schauble, ministro das Finanças da Alemanha, 
pense diferente. Ele descreve o modelo de crescimento americano como envolvido 
em "crise profunda", acrescentando que "não está certo que os americanos acusem 
a China de manipular as taxas de câmbio e então façam a taxa de câmbio do dólar 
cair, ao abrir as comportas". Presumivelmente, ele acredita que, num mundo 
ideal, os EUA seriam forçados, em vez disso, a seguir a rota deflacionária 
imposta à Grécia e à Irlanda. Isso não vai acontecer. Nem deveria.
Essencialmente, as críticas ao Fed se resumem a dois pontos: suas políticas 
estão conduzindo a uma hiperinflação e elas são do tipo "empobrecer meu 
vizinho" - em suas consequências, se não em sua intenção.
A primeira dessas críticas não é apenas errada, mas estranha. A essência do 
sistema monetário contemporâneo é a criação de dinheiro, do nada, mediante a 
concessão de empréstimos, muitas vezes tolas, por parte dos bancos privados. 
Por que é que tal privatização de uma função pública é acertada e apropriada, 
mas ações do banco central para atender premente necessidade pública seria um 
caminho para a catástrofe? Quando os bancos deixam de conceder empréstimos e a 
base monetária ampla mal cresce, isso é exatamente o que o BC deveria estar 
fazendo.
A reação histérica então acrescenta ser impossível diminuir o balanço 
patrimonial do Fed com rapidez suficiente para impedir uma expansão monetária 
excessiva. Isso também não faz sentido. Se a economia decolasse, nada seria 
mais fácil. De fato, o Fed explicou exatamente o que faria, em seu relatório de 
política monetária apresentado ao Congresso em julho passado. Se o pior fosse 
levado ao extremo, o Fed poderia apenas aumentar as exigências de reservas. Uma 
vez que muitos dos seus críticos acreditam em 100% de reservas bancárias, por 
que se opõem a uma mudança nesse sentido?
Agora tratemos do argumento segundo o qual o Fed está deliberadamente 
debilitando o dólar. Qualquer pessoa medianamente consciente sabe que a missão 
do Fed não tem a ver com o valor externo do dólar. Os governos que empilharam 
um montante extra de US$ 6,8 trilhões em reservas cambiais desde janeiro de 
2000, grande parte em dólares, são adultos responsáveis. Ninguém pediu à China 
que adicionasse o enorme montante de US$ 2,4 trilhões às reservas.
Mais fundamentalmente, são as forças de mercado, e não a política monetária, 
que estão forçando o reequilíbrio mundial, à medida que o setor privado tenta 
colocar seu dinheiro onde vê oportunidades. As políticas monetárias do Fed 
simplesmente dão um empurrãozinho. Em vez de todas as fúteis lamúrias, o 
necessário era uma apreciação coordenada das moedas das economias emergentes. A 
culpa aqui não é dos EUA. Simpatizo com um Brasil ou uma África do Sul, mas não 
com a China.
O céu não está desabando. Mas isso não significa que as políticas do Fed sejam 
as melhores possíveis. É provável que qualquer impacto sobre os rendimentos dos 
títulos de médio prazo produzam um efeito econômico pequeno. Seria muito melhor 
se o Fed pudesse deslocar para cima as expectativas de inflação, ao declarar 
explicitamente seu comprometimento em compensar um período prolongado de 
inflação abaixo da meta com outro de inflação acima da meta. 
Pode ser razoável defender uma reconsideração do sistema monetário, como fez 
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial. Mas será que alguém espera que os 
políticos digam que embora lamentem essa depressão, precisam, primeiro, acalmar 
o mais especulativo entre os mercados de commodities do mundo? Aqueles a quem 
os deuses querem destruir, primeiro fazem enlouquecer.
Martin Wolf - editor e principal comentarista econômico do FT
 
 
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