Real forte: bênção ou castigo?
Na terça-feira desta semana, a taxa de câmbio fechou em seu nível mais baixo
dos últimos tempos, voltando aos dias áureos de 1999 quando o real entrou em
flutuação, depois de ter amargado um janeiro de trevas.
Ontem, o dólar entrou em rota de alta, recuperando o terreno perdido nos dois
dias anteriores. Entre um movimento e outro, 250 mil diferentes análises e
prognósticos se levantam. Uns para um lado, outros, para outro. Sempre que o
real se valoriza, a indústria grita. Sempre que o dólar se valoriza, o mercado
se agita.
Mas os movimentos desta semana não passam de oscilações provocadas por
impressões instantâneas. O dólar caiu porque a liquidez internacional se
estreitou. O dólar sobe porque os dados da economia dos Estados Unidos são
ruins e a Grécia voltou a virar um campo de batalha! Grandes diferenças de taxa
de câmbio de um dia para o outro têm, efetivamente, o efeito de garantir ganhos
para uns e perdas para outros nas operações realizadas no mercado, mas o
relevante não é isso e sim o comportamento do câmbio ao longo dos anos.
Naquela perspectiva, é mais do que conhecida a trajetória de apreciação do real
diante do dólar em suas duas etapas distintas. A primeira, relaciona-se ao
período entre o início de 2007 e o auge da crise que derrubou o mercado
internacional no final de 2008. A segunda etapa, caracterizada pelo período
entre o primeiro trimestre de 2009 e os dias de hoje.
Canais precisam ser abertos para aumentar a saída de divisas estrangeiras pelo
tempo que for necessário
Tomando janeiro de 2007 por índice igual a 100, a moeda brasileira sofreu uma
valorização de 35% em termos efetivos reais até o terceiro semestre de 2008
quando teve uma queda brusca, voltando rapidamente a valorizar-se em percentual
que passa dos 35% em comparação com a base 100.
Paralelamente, o país vem acumulando reservas internacionais - próximas dos US$
350 bilhões - e mantém sob controle o endividamento externo que, ao contrário
do passado não muito remoto, hoje está mais acentuada nos tomadores do setor
privado. Essas informações devem ser vistas como uma grande benção para um país
que ainda está classificado no mundo dos "emergentes". Ou seja, não passa por
enquanto de um país em desenvolvimento por menor que seja a vulnerabilidade
externa, mas inspira confiança.
É óbvio que a montanha de reservas internacionais traz muita tranquilidade para
todos e ajuda o Brasil a conquistar níveis confortáveis de classificação de
risco, conforme saudou ontem o Ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Por outro ângulo, um real encarecido face ao dólar tem o efeito de puxar para
cima produtos e serviços transacionados no país, haja vista a disparada
observada nos preços dos imóveis e principalmente no setor de prestação de
serviços. É claro que os exportados também ficam mais caros no mercado
internacional, muito embora nessa área várias possibilidades são oferecidas aos
exportadores no mercado financeiro com o efeito de reduzir o impacto da queda
da receita em reais.
Mas não há dúvida de que uma persistente apreciação do real imprime à moeda
brasileira um determinado poder de compra que não condiz par e passo com o
nível de desenvolvimento da economia e da sociedade. Há uma grande margem de
artificialismo no valor do real diante dos valores cotados em mercado para as
moedas consideradas fortes, em especial o dólar e o euro.
A resposta que alinha a valorização da moeda ao aumento da taxa de juros -
atualmente em 12,25% nominais ou cerca de 7% em termos reais, ao ano,
referenciada à Selic - está correta na simplória avaliação que compara uma com
a outra. Mas o problema não está no câmbio. E a taxa de juros, por sua vez,
reflete a necessidade de tornar cara a moeda nacional com a finalidade
obrigatória do Banco Central de controlar a inflação. O que mantém os juros
altos? Aí as respostas podem ser várias: descontrole dos gastos públicos,
crédito farto pelos bancos públicos, elevada reminiscência de contratos
atrelados à indexação, aumento da dívida pública interna, enfim... Todos
explicam e todos devem ser atacados. Se arregaçar as mangas com ousadia para
tapar todos os buracos, o governo estará sem dúvida contribuindo para a redução
dos juros e para a depreciação da moeda nacional.
Enquanto a coragem política não vem, só há uma forma de reverter o processo de
valorização da moeda nacional, supondo, obviamente, que nenhuma grande
catástrofe internacional venha a tomar forma. Ou seja, só dá para desvalorizar
o real se e quando houver da parte das autoridades a percepção de que canais
precisam ser abertos para aumentar a saída de divisas estrangeiras pelo tempo
que a situação indicar. O Brasil não tem uma moeda conversível e não terá tão
cedo, o que o amarra ao nicho dos "emergentes".
Mas pode abrir espaço para algumas operações que estimulem o carregamento de
dólar no exterior por parte do setor privado. Aliás, a ideia de taxar produtos
adquiridos por brasileiros com cartão de crédito no exterior vem justamente na
contramão de medidas em prol da desvalorização do real.
Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin - Comunicação
Inteligente e autora do livro "A Real História do Real".
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