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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Contradições sinalizam fissuras no alicerce econômico da China

Contradições sinalizam fissuras no alicerce econômico da China

A China é, indiscutivelmente, um milagre econômico. Desde o início da abertura,
o padrão de vida no país vem dobrando a cada década, feito que os Estados
Unidos levaram cerca de 30 anos para produzir, mesmo quando o país mais
crescia. Mas já há sinais de fissuras no alicerce econômico da China.
Poderíamos chamá-las de as três contradições.
A primeira é que o governo chinês quer reduzir o ritmo do crescimento e segurar
a inflação ao mesmo tempo em que aumenta salários e faz as massas consumirem.
Para qualquer governo, seria um desafio - e mais ainda para um que tem tanto
medo de perder o controle que hesita em deixar as forças do mercado fazerem seu
trabalho.
Num país que ainda tem estátuas de Marx e Engels, a massa salarial tem caído em
relação à renda total. Cresce assim o fosso entre ricos e pobres, o que não
ajuda a elevar o consumo dos cidadãos. Há muitas lojas na China, mas várias
parecem museus: as pessoas olham, mas não compram.
Como a demanda por mão de obra é forte, os salários sobem mais depressa, algo
crucial para manter a estabilidade social desejada pelos líderes chineses e
alimentar o consumo interno necessário para que a China deixe de depender de
exportações.
Até aí, tudo bem. Só que o aumento dos salários parece estar diluindo a
competitividade da indústria chinesa. Um indício: na etiqueta de camisetas nas
lojas The Gap na China, está escrito "Made in Malaysia"; escovas de dentes
baratas são feitas no Vietnã. A solução é migrar para manufatura e serviços
mais sofisticados. Isso exige um sistema de educação maior, melhor e mais livre
do que o atual - que é, nas palavras de um dirigente, prejudicado por um modelo
de gestão ao estilo soviético para a pesquisa científica e desprestigiado pelas
elites chinesas, que mandam seus filhos estudar fora.
Segundo, a última moda nos círculos do poder em Pequim é a "internacionalização
do yuan", moeda cujo uso, hoje, é quase inteiramente interno. Parte disso se
deve ao orgulho nacional, parte ao desejo de uma potência comercial de comprar
e vender na própria moeda e parte ao desejo chinês de, caso haja outra crise
financeira, ser capaz de contrair empréstimos no exterior com facilidade e
baixo custo, como os EUA.
Até aí, tudo bem. Só que a China não vai sair de um ponto e chegar ao outro a
menos que deixe os juros subirem um pouco, pois hoje nem acompanham a inflação.
Jogar o jogo global significa submeter a economia ao mercado global.
Certos dirigentes enxergam perigo em juros tão baixos. "É preciso fazer algo
sobre as taxas de juro negativas em termos reais, antes que se perca o
controle", disse Guo Shuqing, diretor do Banco da Construção da China e,
possivelmente, próximo presidente do banco central chinês, em entrevista ao
"Wall Street Journal". "Muita gente acha que colocar o dinheiro na poupança não
é bom, então corre a comprar coisas como ouro e prata. Muita gente compra um
imóvel não por precisar de uma moradia, mas como investimento."
Com efeito, quem tem dinheiro especula com a compra do terceiro e do quarto
apartamentos, enquanto outros não podem comprar o primeiro imóvel devido aos
preços elevados. Na China, bolhas de ativos são infladas pela política
monetária chinesa, não pela americana.
Os juros nos EUA estão baixos porque o Fed, o banco central de lá, está
tentando avivar o crédito. O banco central chinês quer segurar o crédito, mas
tomadores privados e públicos, politicamente fortes, impedem juros mais altos.
O estudioso da economia mundial Nouriel Roubini descreve a política chinesa
como "uma maciça transferência de renda de famílias sem poder político para
empresas poderosas politicamente: a moeda fraca encarece importações, juros
baixos para depósitos e empréstimos a empresas e incorporadoras equivalem a um
imposto sobre a poupança".
Transformar o yuan em moeda internacional significa o fim da prática de manter
os juros abaixo de níveis economicamente apropriados por motivos políticos.
Significa tornar a política econômica transparente. Os líderes chineses dizem
que querem a primeira coisa, mas não têm tanta certeza sobre a segunda e a
terceira.
Terceiro, para um governo repressor é mais fácil manter a população feliz
quando a economia cresce 10% ao ano. Até aí, tudo bem. Só que aplicar freios
econômicos, algo nunca popular, ameaça um governo que não confia em seus
cidadãos. O twitter é proibido na China. Estudantes reclamam de só poder entrar
na "internet chinesa". E filtros do governo parecem diminuir a velocidade da
internet.
O povo paga na mesma moeda. Até um estrangeiro em visita sente que muita gente
não confia no governo. Enquanto come um sanduíche na Universidade Tsinghua, em
Pequim, um aluno de pós-graduação desabafa: "O que dizer de um país quando seu
líder manda a filha estudar fora?", aludindo ao próximo presidente da China, Xi
Jingping, cuja filha acaba de concluir o primeiro ano em Harvard.
E, num vilarejo cerca de cem quilômetros ao norte de Pequim, onde a Grande
Muralha se descortina basicamente ignorada por turistas, é possível ver dezenas
de moradias simples de agricultores - e uma construção nova de alvenaria,
maior, com três andares, que parece vinda de outro lugar. Todo mundo sabe quem
a ergueu: o secretário local do Partido Comunista. E não com o seu salário.
Fissuras no alicerce não são, necessariamente, prenúncio de colapso. Mas são
sinais de tensões que, se ignoradas, podem enfraquecer um edifício econômico -
até um tão impressionante como o da China.

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