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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sucesso econômico criou novos problemas

Sucesso econômico criou novos problemas

A economia brasileira passa por um momento de definições importantes que,
certamente, vão influenciar a próxima década. Uma gama nova de problemas terá
que ser enfrentada, pelo governo e pelo setor privado, a maioria deles derivada
do sucesso econômico dos últimos anos. Uma nova economia em um mundo diverso do
que prevaleceu por muitas décadas - e este é o caso do Brasil hoje - exige uma
nova agenda para encararmos com sucesso o futuro de nossa sociedade. Não
perceber isto pode levar-nos à perda de uma oportunidade histórica.
Vivemos hoje uma mudança estrutural de grandes dimensões com a ascensão da
China como grande potência mundial, em um período de grandes desafios nos
Estados Unidos. Um movimento de natureza tectônica, dada a dimensão dos atores
envolvidos e que está abalando um mundo que se organizou, após o fim de II
Guerra Mundial, sob o domínio americano. O melhor exemplo desta velha ordem é o
papel do dólar como moeda internacional única e dominante ao longo de mais de
60 anos. E é a própria moeda americana também o melhor exemplo destes tempos de
mudanças na medida em que ela é hoje uma das mais fracas do mundo e de quem
muito investidores fogem como se estivessem vendo o diabo.
É neste processo de mudanças na busca de um novo equilíbrio mundial que
precisamos olhar para a economia brasileira. Sei que muitos analistas não
concordam comigo e encaram o futuro com olhos menos revolucionários. Mas tenho
confiança na minha leitura e é com esta visão que respondo a seguir as
indagações do Valor sobre a questão da inflação e da taxa de câmbio neste
início de novo mandato presidencial.
A inflação no Brasil neste início de governo Dilma é um fenômeno complexo e que
precisa ser dissecado a partir de três grupos de forças autônomas. Algumas são
de natureza interna e podem ser administradas por medidas de política econômica
ao alcance do governo. Outras derivam de uma situação internacional muito
especial, em que fatores ligados às mudanças que citei anteriormente somam-se a
questões conjunturais como a política monetária americana atual. Finalmente,
pesam sobre a inflação de hoje alguns problemas de comunicação por parte dos
novos dirigentes do Banco Central (BC) brasileiro e que afetaram as
expectativas inflacionárias dos agentes econômicos.
"O aquecimento do mercado de trabalho é um dos canais de forte transmissão de
pressão inflacionária."
O primeiro grupo de fatores está associado à incrível expansão do consumo
privado, que vem ocorrendo no Brasil a partir de 2005, e do ciclo sustentado de
investimentos que se seguiu. A expansão da demanda criou gargalos importantes
na infraestrutura econômica e, em vários mercados, a oferta de bens e serviços
ficou a reboque das necessidades dos novos consumidores.
Este quadro só não foi pior porque as importações funcionaram, para vários
produtos, como fontes autônomas de oferta e equilibraram seus preços. Em alguns
momentos, as importações crescentes, em um quadro de deflação industrial em
várias economias e com o real em continua valorização nos mercados de câmbio,
criaram taxas negativas de inflação em setores como o de bens de consumo
duráveis.
Mas nos mercados de bens que não podem ser importados e no de serviços
internos, estes efeitos deflacionistas não ocorreram e as taxas de inflação
mostram uma contínua e perigosa elevação.
Dos gargalos criados pela expansão do consumo, o mais grave para a inflação é
sem dúvida nenhuma o do mercado de trabalho. A taxa de desemprego atingiu nos
últimos meses o menor nível da série histórica do IBGE e está certamente abaixo
do NAIRU*, que os economistas associam a uma condição de oferta e demanda
insustentável de mão de obra. Nas condições atuais do mercado de trabalho no
Brasil, o sinal mais evidente da escassez vem da proliferação de greves por
aumentos salariais.
Em uma sociedade com movimentos sindicais atuantes, o aquecimento no mercado de
trabalho é um dos canais mais fortes de transmissão de pressões inflacionárias.
E isto ocorre por dois motivos principais: os custos associados à mão de obra -
inclusive os de natureza fiscal e trabalhista - representam a maior parcela das
despesas operacionais das empresas e a renda do trabalho, corrigida acima da
inflação passada, pereniza a massa salarial real e mantém os níveis de consumo.
É uma situação clássica e já devidamente explorada na chamada Curva de Philips.
A decisão do governo de aplicar, em 2012, a regra atual de correção do salário
mínimo aumentou ainda mais o impacto das demandas salariais no custo das
empresas. O aumento estimado de 14% para 2012 passou a ser uma referência nas
negociações e uma bandeira de luta para os sindicatos.
"Mudança na operação do sistema de metas de inflação, especialmente da
comunicação, não foi feliz."
Uma das formas mais clássicas de se enfrentar - ou minorar os efeitos - desta
situação que estamos vivendo é a da redução da demanda do governo. Mas com os
gastos públicos crescendo acima da inflação e um projeto ambicioso de
investimentos do qual o governo afirma não abrir mão, o setor público pressiona
também a demanda agregada e torna ainda mais difícil o combate à inflação.
Apesar de uma redução no orçamento fiscal deste ano, os gastos públicos
continuam a ser uma força expansionista nos mercados.
Outro conjunto de forças que está por trás da aceleração da inflação tem origem
externa e foge do campo de ação do governo brasileiro. Algumas delas estão
associadas ao processo de transformação que citei no início destas minhas
reflexões.
A incorporação de centenas de milhões de novos consumidores no mundo emergente
- principalmente na China e outros países da Ásia - desequilibrou mercados de
produtos importantes e vem provocando aumentos expressivos de seus preços. Isto
vem ocorrendo principalmente com as chamadas commodities agrícolas e metálicas.
No Brasil esta nova dinâmica tem causado dois efeitos simultâneos: a
valorização de nossas exportações e pressões sobre a inflação. O primeiro
movimento está por trás da incrível melhora de nossos termos de troca, que tem
permitido o crescimento de nossas importações sem pressões sobre o câmbio. O
segundo corresponde a um choque externo de preços e tem um efeito perverso
sobre a inflação, principalmente agora que o real parece ter esgotado boa parte
de seu potencial de valorização.
Mas os preços das commodities sofrem também a influência de outros
acontecimentos que ocorrem fora de nossas fronteiras, como a política monetária
ultra-expansionista do Federal Reserve (Fed, banco central americano). Com
juros muito baixos e a emissão maciça de dólares por conta da monetização de
parte da dívida pública americana, estamos vivendo um movimento especulativo de
compra destes produtos como alternativa de investimentos. Em um mercado já
marcado pela escassez, este entesouramento de commodities potencializa o
processo de aumento de preços que acaba se auto-alimentando.
Finalmente é preciso citar outra força interna que tem tido influência na
aceleração da inflação neste momento. Ela está relacionada a uma mudança na
forma de operar o sistema de metas de inflação do Banco Central decidida pela
nova direção desta instituição. Sem entrar no mérito das alterações, é preciso
dizer que o momento e, principalmente, a forma de comunicá-la ao mercado, não
foram muito felizes. Depois de mais de 10 anos de sucesso, o sistema de metas
só poderia ser alterado em um clima de estabilidade e confiança. Esta é uma
regra básica quando se lida com as expectativas dos agentes econômicos em uma
economia de mercado. Quando o Comitê de Política Monetária (Copom), em sua
comunicação com o mercado, introduziu a questão do custo em termos de
crescimento econômico de uma convergência mais rápida para o centro da meta e
da utilização de medidas administrativas de controle de crédito, já se vivia
sob o impacto da aceleração da inflação.
Além disso, ao se comprometer explicitamente com um cenário ingenuamente
otimista para a inflação, em um momento marcado por franca deterioração das
expectativas, o Copom ajudou a colocar em cheque a confiança no sistema de
metas como indicador de referência da inflação futura. E, sem uma âncora
confiável, os agentes econômicos - principalmente as empresas - passaram a
buscar em outras plagas uma referência para o comportamento futuro da
inflação.. Mais recentemente o Banco Central voltou a utilizar os juros Selic
como o instrumento central do aperto monetário e pode se aproveitar de uma
redução sazonal no IPCA para recuperar, pelo menos parcialmente, a confiança
dos agentes econômicos.
A segunda questão proposta pelo Valor diz respeito à taxa de câmbio. Preço
fundamental em uma economia aberta como está se transformando a brasileira, a
taxa de câmbio no Brasil de hoje tem sido objeto de grande polêmica. Muito
valorizada para muitos, ela apenas reflete as condições de mercado para outros.
Para um grande número de analistas o real forte é resultado quase exclusivo dos
elevados juros no Brasil e da entrada de capitais especulativos; para outros,
sofremos os efeitos do imperialismo americano que, usando uma política
monetária agressiva, procura resolver seus problemas via uma política de dólar
fraco e valorização da moeda dos países em desenvolvimento.
*NAIRU é a sigla de Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment, expressão
em inglês que quer dizer nível de desemprego que não acelera a taxa de inflação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista
da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Este é o quarto de uma série de artigos sobre a conjuntura econômica atual, com
foco maior nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados
economistas a pedido do 'Valor'.

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