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quarta-feira, 29 de junho de 2011

A leniência do Brasil com a inflação

A leniência do Brasil com a inflação

Doze anos depois de adotado o regime de metas para inflação, o Brasil ainda possui uma das metas mais altas dentre os países que aderiram a esse sistema. O atual objetivo (4,5%), que amanhã, em reunião do Conselho Monetário Nacional, deve ser fixado também para 2013, é o mesmo há oito anos.Com exceção da Turquia e da Rússia, apenas economias em estágio de desenvolvimento inferior ao do Brasil têm metas inflacionárias maiores. Países emergentes como Chile, México e Coreia do Sul operam com metas e índices de preços bem menores. Nessa seara, avançaram mais que a economia brasileira nos anos recentes, apesar de enfrentarem pressões inflacionárias semelhantes.Um balanço feito pelo economista Scott Roger, do Fundo Monetário Internacional, mostra que o regime de metas funcionou bem em praticamente todos os países que o adotaram. Os índices de preços foram derrubados num primeiro momento e depois ancorados. O Brasil não é uma exceção, mas, aqui, a inflação está num patamar elevado e persistente.Meta e tolerância do país estão entre as mais altasDe 1999 a 2010, o IPCA anual médio foi de 6,78%. Retirando da estatística o primeiro ano do regime, afinal, ele entrou em vigência apenas em meados de 1999, a média cai para 6,58%. Considerando apenas o período em que a meta passou a ser 4,5% - de 2005 até agora -, a inflação média efetiva ficou próxima do alvo (4,9%).Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, calculou que, dentre os países emergentes que usam o regime, a meta média estava, em 2010, em 4,4%, com tolerância para baixo e para cima de 1,2 ponto percentual. Quando se considera a mediana, cálculo que exclui as situações extremas, o índice médio cai para 3,5% (+/- 1 p.p.), bem abaixo da meta brasileira. Além disso, o Brasil é o que tem o intervalo de tolerância mais amplo - em tese, o intervalo existe para absorção de choques, mas, mantido em patamares elevados (já foi de 2,5 p.p.!), demonstra leniência.O governo perdeu excelente oportunidade de reduzir a meta em 2007. No ano anterior, o IPCA recuara para o nível mais baixo da história do regime - 3,14%. Nos primeiros meses de 2007, o Banco Central (BC) constatou que os preços internacionais das commodities, especialmente dos alimentos, já começavam a avançar acima dos níveis dos anos anteriores.Com a inflação dentro da meta, o governo, ao fixar o objetivo de 2009, poderia ter reduzido o alvo sem a necessidade de um aperto monetário adicional. A diminuição teria ajudado a controlar as expectativas num momento crucial, mas a equipe econômica julgou que um objetivo menor levaria o BC a derrubar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).O que se viu, desde então, foi a aceleração concomitante de PIB e inflação. Em 2008, mesmo com a parada súbita da economia no último trimestre, o IPCA chegou a 5,9%. No ano seguinte, apesar da recessão, bateu em 4,31% e, em 2010, voltou a 5,9%. Os números mostram que toda vez que o PIB cresce acima do potencial, estimado hoje entre 4% e 4,5%, a inflação supera a meta e ameaça sair de controle, como nos últimos meses.Bráulio Borges sustenta que reduzir a meta para muito menos de 4%, num espaço curto de tempo, não é recomendável. São três as principais razões: o peso dos serviços na cesta de consumo dos brasileiros está crescendo de maneira relevante, em detrimento da participação dos bens, e a inflação dos serviços costuma correr bem acima da dos preços industriais; o grau de indexação da economia brasileira ainda é grande; o país tem juros reais muito altos.O esforço para diminuir a meta, alega Borges, poderia derrubar o PIB abaixo do potencial durante a transição para o novo alvo. Na verdade, é bem provável que, por causa da aceleração inflacionária do fim de 2010 e início de 2011, a economia já tenha que crescer abaixo do potencial neste e no próximo ano. Este é o custo de se crescer acima do possível.É difícil ver o país caminhando para patamares de inflação menores. O problema da indexação foi agravado pela política de correção do salário mínimo (IPCA do ano anterior, acrescido do PIB de dois anos antes), transformada em lei pelo governo Dilma Rousseff. O mínimo, além de corrigir mais de 40% das despesas primárias do governo, é talvez o principal indexador do setor de serviços, justamente o que mais vem pressionando os preços. Cristiano Romero é editor-executivo do Valor

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