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segunda-feira, 27 de junho de 2011

A hora é de atacar a questão fiscal

A hora é de atacar a questão fiscal, diz economista Antes de pensar em reduzir a atual meta de inflação, o Brasil precisa enfrentar primeiro a fragilidade estrutural das contas públicas, diz o economista Aloisio Araújo. Para o ortodoxo professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), é desejável, sim, que o país tenha meta inferior aos 4,5% que vigoram há seis anos e que devem ser ratificados para 2013 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta semana, mas a diminuição do alvo tende a não ser crível sem a melhora estrutural das contas públicas. "Já fizemos muito com a política monetária em comparação com a política fiscal desde a redução da inflação ", afirma ele, para quem os juros no Brasil são muito elevados principalmente por causa da situação fiscal. Para Araújo, é o momento de o governo voltar a pensar em reformas como as da Previdência, atacando problemas como os do sistema de aposentadorias do setor público e de pensão por morte. "O Brasil já tem uma carga tributária muito elevada e uma relação dívida/PIB elevada, dado o seu nível de desenvolvimento."Segundo ele, os países com meta de inflação mais baixa que o Brasil costumam ter situação fiscal melhor, caso do Chile, da Colômbia e até do próprio México. A Turquia, mais parecida com o Brasil, persegue um alvo superior ao brasileiro. Também professor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Araújo elogia a opção do Banco Central pelo maior gradualismo adotado na condução da política monetária neste ano. Para ele, é adequada a decisão de buscar a convergência da inflação para o centro da meta apenas no ano que vem, num cenário em que há incertezas sobre a reação da economia às medidas já adotadas. A seguir, os principais trechos da entrevista: Valor: Como o sr. avalia a condução da política monetária pela nova administração do Banco Central? Aloisio Araújo: Eu vejo como essencialmente adequada. Desde a crise ocorreram muitas mudanças na economia. O PIB caiu muito, o que fez o governo adotar muitos instrumentos para evitar a crise, como a maior parte dos países fez. O governo passou então a tirar os estímulos, elevando impostos e compulsórios que haviam sido reduzidos. É difícil saber exatamente que medidas foram adequadas, o quanto se tem que tirar. Os modelos macroeconométricos que o BC usa são muito bons, mas eles acertam mais, como muito modelos desse tipo, quando se está numa situação mais estável. O BC está vendo os efeitos da retirada desses estímulos todos e dos aumentos dos juros que já foram promovidos. O importante é que o BC deixe claro que está perseguindo o centro da meta no ano que vem. Valor: A ação do BC e do governo lhe parece suficiente para controlar a inflação? Araújo: O governo aumentou o superávit fiscal e retirou os estímulos e o BC fez a parte dele, ao subir os juros. Mas é difícil dizer o que vai ocorrer numa situação dessas. Houve também o choque de commodities que afetou a inflação, além de a economia ter tido um PIB [Produto Interno Bruto] muito forte em 2010, ano eleitoral, influenciado pelo ciclo político. São muitos choques, em muitas direções, então é difícil operar o modelo de modo preciso. A inflação em muitos países também fugiu do centro da meta. Valor: Alguns acham que o BC deveria ter reagido com mais força, porque as expectativas de inflação começaram a fugir do controle. Araújo: Eu não acho que elas fugiram demais. O BC tem que olhar as expectativas, mas também tem que formá-las, tem que ser líder nesse processo. O BC foi mais cauteloso em outras situações. Mesmo no começo do governo Lula a inflação subiu muito, os juros também subiram, mas não foi suficiente para trazer à inflação à meta. O BC olhou um ou dois anos à frente. Não é uma coisa nova mirar na frente, quando se voltará a ter o controle mais pleno da situação. Valor: Aumentar mais os juros poderia causar uma perda exagerada em termos de crescimento? Araújo: Não é apenas uma perda em termos de crescimento. Você pode ter que voltar atrás. Quando há choques, é razoável mirar mais à frente. O BC está dizendo que em 2012 a inflação volta ao centro da meta, e isso é razoável, embora se deva ter um olho também neste ano, para tentar fazer com que a inflação não fuja do teto. Vi várias vezes isso ocorrer no Brasil e no exterior. E vejo o BC atuando firme para trazer a inflação para o centro da meta no ano que vem. Valor: O mercado de trabalho muito aquecido, com pressão sobre serviços, não traz um risco de inflação de demanda muito forte?Araújo: A taxa de desemprego caiu bastante, mas esse é um assunto sobre o qual os economistas vão ter que se debruçar com mais cuidado. Gostaria de ver mais estudos sobre qual é a Nairu [a taxa de desemprego que não acelera a inflação] no Brasil. Valor: A inflação de serviços não indica que há pressão de demanda?Araújo: Houve esse componente também. Como a economia caiu muito em 2009, houve muitos estímulos e 2010 era um ano eleitoral, então há o ciclo político também. É difícil ver no momento em que essas coisas está ocorrendo, mas obviamente houve um excesso, além de ter havido um choque de commodities. Mas neste ano vários desses estímulos foram retirados. Valor: Como o sr. avalia a situação fiscal do Brasil?Araújo: A grande questão no Brasil é a situação fiscal. O melhor instrumento que tem o governo é prestar mais atenção ao fiscal estrutural. Houve aumento do superávit primário neste ano, que foi muito positivo. Estamos voltando aos patamares anteriores à crise, mas é algo que tem impacto no curto prazo. Seria bom que o governo voltasse a dar prioridade a algumas reformas, como as que envolvem aspectos da Previdência. Valor: Que aspectos? Araújo: Um deles é o caso das pensões. O governo indicou que podia fazer alguma coisa sobre esse assunto. A legislação brasileira nesse caso é generosa demais, com o Brasil gastando um percentual do PIB totalmente exorbitante na comparação com outros países. Acho que é muito importante fazer algo a respeito. É um ponto do que chamo de fiscal-estrutural, porque não vai ser revertido depois. O sistema de aposentadoria do setor público também precisa ser reformulado. No primeiro governo Lula foi escolhido um modelo que passou no Congresso e não foi implementado, cuja ideia era não garantir a aposentadoria integral. Teria que haver a contribuição para o fundo de aposentadoria complementar. Mesmo se implantado, esse modelo só produziria efeito no longo prazo. Mas como houve muita contratação de servidor público nos últimos anos essa implementação já teria ajudado. Valor: Quais os impactos para a economia brasileira dessa situação fiscal estruturalmente ruim? Araújo: Para mim é o motivo principal para os juros reais serem tão elevados no Brasil. É a razão principal por que não vejo com bons olhos a diminuição da meta de inflação enquanto houver uma situação fiscal frágil. Nós já fizemos muito com a política monetária, em comparação com a política fiscal, desde a redução da inflação. A política monetária jogou papel mais do que preponderante. Isso tem sido uma constante no Brasil. Valor: Alguns economistas dizem que se a meta for reduzida abre-se espaço para a queda dos juros. O sr. concorda? Araújo: Isso pode ocorrer, se você for muito bem sucedido. Mas se ocorrer um choque negativo e você tiver que aumentar os gastos, por exemplo, podem surgir dificuldades com a inflação. Os agentes econômicos podem não acreditar que, numa situação ruim, em que o governo esteja pressionado fiscalmente, ele vai cumprir com facilidade a meta. Isso é uma coisa que pode ocorrer, e os modelos teóricos com que eu trabalho admitem essa possibilidade. O Brasil já tem uma carga tributária muito elevada e uma relação dívida/PIB elevada, dado o seu nível de desenvolvimento. Em termos internacionais, os países que têm meta de inflação mais baixa que o Brasil costumam ter uma situação fiscal melhor. O Chile, alguns países desenvolvidos, o próprio México, e a Colômbia, que nem sequer passou por episódios de crise de dívida. A Turquia, um país mais parecido com o Brasil, tem meta de inflação mais elevada que a brasileira. Valor: Então o sr. concorda com a provável decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) desta semana, que deve manter a meta de inflação em 4,5% para 2013?Araújo: Não é que eu concorde. Acho que seria bom ter meta menor, mas a ordem da discussão deve ser primeiro falar no fiscal-estrutural. Seria bom o Brasil voltar a falar nessas reformas, como a da Previdência e a própria reforma tributária, que é muito importante. Ganhar eficiência microeconômica é outro motivo para fazer reformas. Nós conseguimos ter essa taxa de inflação mais razoável e crescimento maior em função de reformas microeconômicas. Elas ajudaram muito. Com a reforma de crédito, aumentou a eficiência na utilização do capital. Foram reformas muito importantes feitas no governo Fernando Henrique Cardoso e no primeiro governo Lula. Ninguém vai fazer uma grande reforma brasileira, até porque já avançamos muito, e também porque é difícil politicamente. Valor: Alguns analistas que defendem a manutenção da meta usam o grau de indexação da economia brasileira como justificativa. O que o sr. acha dessa avaliação?Araújo: A indexação certamente não ajuda, torna mais rígidos alguns preços, mas não a vejo como o motor da inflação. Mesmo na época da inflação alta, o governo tinha que gerar um imposto inflacionário para fechar suas contas. Depois houve uma substituição do imposto inflacionário por algum ajuste fiscal e pelo aumento de dívida. Há esse lado fiscal subjacente que não convém esquecer e é mais relevante em última instância. Valor: Como o sr. vê as medidas macroprudenciais? Elas foram tomadas mais para evitar uma expansão muito forte do crédito ou para ajudar a controlar a inflação? Araújo: Elas têm esses dois efeitos. O crédito para empresas expande a produção e pressiona a demanda agregada, mas o crédito ao consumo só estimula a demanda, o que prejudica a inflação. A relação entre o crédito e o PIB no Brasil se expandiu, tinha que se expandir e ainda está em níveis razoáveis. Mas para o consumidor ela está em níveis que merecem atenção. Pode ser mais baixa em relação ao PIB que em muitos países, mas o custo é muito mais elevado, porque os juros são mais elevados. Então ela está num nível que convém essas medidas macroprudenciais. Por outro lado, o crédito imobiliário está muito baixo em relação ao PIB. Esse tipo de crédito não foi afetado e não deveria ser, mas é preciso controlar para que tenha capacidade de retomada de imóvel e o mutuário tenha custos, caso fique inadimplente..

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