A frágil recuperação americana
Os últimos dados sobre o desempenho econômico da economia americana lançam
dúvidas a respeito do vigor e da solidez da recuperação da economia mais
avançada do planeta. O economista Patrick Artus, redator do boletim econômico
da consultoria Natikisis, lançou uma pergunta um tanto retórica: Estamos certos
de que há realmente uma recuperação econômica?
Quase em uníssono, os economistas das consultorias e dos bancos antecipam uma
retomada econômica nos Estados Unidos e na Europa, ainda que mais lenta nos
próximos anos. Uma avaliação mais cuidadosa põe em dúvida tais prognósticos.
Sob o signo da incerteza, há que levantar questões nem sempre consideradas por
analistas mais sanguíneos quando se trata da recuperação da economia dos
Estados Unidos.
Como o leitor atilado desconfia, a 'Ciência Triste' figura no rol dos saberes
precários. Precários os saberes, mas nem por isso menos imprescindíveis para a
legitimação do status quo e de suas consequências para os povos submetidos às
políticas recomendadas por sacerdotes ou consultores. Que digam os gregos
submetidos às dores da crematística, a arte da ação ambiciosa deplorada por
Aristóteles.
Resumo das aflições que afetam a maioria das famílias: rendimentos reais
cadentes e estoque de riqueza idem
Nos Estados Unidos, desde 2010 até agora, a política fiscal expansionista
sustenta o crescimento, enquanto a política monetária escorada no "quantitative
easing" cuida de manter baixas as taxas de juro de longo prazo, aquela exibida
pelos "treasuries" de dez anos. Apesar dos esforços do Federal Reserve e do
Tesouro, a resposta do gasto privado tem sido pífia. O consumo das famílias e o
investimento das empresas permanecem deprimidos e a redução do déficit externo
não é suficiente para compensar a fragilidade dos supracitados componentes da
demanda doméstica.
Em linguagem mais técnica, mas nem tanto: o multiplicador keynesiano está
emperrado. As famílias não conseguem se desvencilhar de uma funesta combinação
entre quatro encrencas: 1) o desemprego de 9,1%, o mais alto do período de pós
recessão dos últimos trinta anos; 2) o elevado grau de endividamento; 3) a
subida dos preços dos alimentos e dos combustíveis, o que corrói as
remunerações estagnadas; e 4) a queda continuada dos valores das residências
(ou, pior, a perda das moradias por inadimplemento).
Resumo das aflições que afetam a maioria das famílias americanas: rendimentos
reais cadentes e estoque de riqueza idem. Diante disso, as empresas fogem do
investimento. Afogadas em liquidez e com capacidade sobrante, as corporações
não financeiras vislumbram o estreitamento das oportunidades de investimento.
Socorrido pelas ações tempestivas do Federal Reserve, os bancos e demais
instituições financeiras agarram-se ao racionamento do crédito. As famílias não
podem e as empresas não querem tomar novos empréstimos. As discussões sobre os
limites do endividamento do governo e a perspectiva de suspensão do
"quantitative easing" não ajudam a melhorar as expectativas do setor privado.
Os dados de maio dão conta da criação de 54 mil empregos, muito aquém dos 165
mil prognosticados pelos economistas ouvidos na pesquisa Bloomberg. Trata-se, é
verdade, de cifras referentes a um mês apenas. Mas, não custa lembra: a
absorção dos desempregados pela recessão e a criação de novos empregos para os
que ingressam no mercado de trabalho supõe, nos próximos anos, a "invenção" de
postos de trabalho num ritmo muito superior à média de 272 mil dos três meses
anteriores (fevereiro, março e abril de 2011).
No livro "A Consciência de um Liberal", Paul Krugman fustiga os mandatos
conservadores de Reagan, seguido das façanhas de Bush pai e filho. Foram 20
anos de celebração da desigualdade. Celebrada pela "economia da oferta", a
desigualdade não se fez de rogada e invadiu a vida americana. Sem cerimônia,
devastou a classe média, próspera e feliz nos anos 50 e 60 do século XX.
O ambiente social calou os dissidentes, produziu unanimidades tão daninhas
quanto grotescas. Esse clima político aplastou as vozes discordantes, satanizou
os sindicatos, reduzindo o seu poder de negociação. O número de sindicalizados
minguou na mesma proporção em que cresceu a participação dos empregos em tempo
parcial e a título precário. Para juntar ofensa à injúria, sobreveio a
destruição dos postos de trabalho mais qualificados na indústria de
transformação, sob o impacto da concorrência chinesa.
O líder do Partido Republicano, John Boehmer apresentou o diagnóstico
conservador nas páginas do "Financial Times": "Nossa economia não esta criando
empregos suficientes.. a responsabilidade por isso é do furor dos democratas em
cobrar impostos, gastar, tomar empréstimos e regulamentar excessivamente (a
economia)".
Declarações como essa permitiram ao articulista do "New York Times", Nicholas
Kristof, lançar ataques virulentos contra os republicanos. Na edição de
domingo, 5 de junho, Kristof admite que os republicanos têm razão quanto à
necessidade de uma política fiscal de longo prazo capaz de reduzir o déficit
(hoje em torno de 10% do PIB) e aplacar a evolução da dívida pública.
Dispara Kristof: "É claro que Sarah Palin ou John Boehmer não pretendem
transformar Washington em Islamabad-sobre-o-Potomac. Mas a maioria dos
republicanos quer 'matar por inanição a besta do governo', reduzir impostos,
bloquear a regulamentação e cortar os serviços sociais - derrubar tudo, menos
os gastos militares. Bem, esta é a marcha em direção ao Paquistão."
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp
Durabilidade da reação econômica dos EUA gera inquietação
Uma série de dados econômicos desapontadores que culminou na semana passada com
um relatório sobre a situação dos empregos, está levando até mesmo os
economistas mais otimistas a questionarem a durabilidade da recuperação dos
Estados Unidos.
Analistas como Stephen Stanley da Pierpoint Securities e Michael Feroli do JP
Morgan Chase ainda veem uma melhoria do crescimento nos próximos meses, mas
agora demonstram uma preocupação com uma calmaria da economia que poderá ser
mais prolongada, deixando-a mais vulnerável a choques externos ou erros de
política.
"Vamos melhorar no segundo semestre", disse Feroli, principal economista do JP
Morgan para os EUA e ex-membro da equipe de prognósticos do Federal Reserve
(Fed). "Dito isto, a preocupação é que há uma fraqueza suficiente que poderá se
retroalimentar."
Os planejadores econômicos têm uma liberdade de movimentos limitada para
responder ao acúmulo dos sinais de desaceleração. O Fed está concluindo este
mês seu plano de aquisição de US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro, deixando-o
com um saldo de US$ 2,77 trilhões, que para alguns banqueiros centrais é grande
demais.
O déficit fiscal recorde de US$ 1,6 trilhão que a Casa Branca está projetando
para este ano vem deixando o presidente Barack Obama com pouco espaço para usar
a política fiscal para estimular a economia, especialmente com os legisladores
republicanos exigindo cortes nos gastos.
"Nossa economia não está criando empregos suficientes e a farra da tributação,
dos gastos, dos empréstimos e a regulamentação excessiva dos democratas tem uma
grande culpa nisso", disse em 3 de junho John Boehner, presidente da Câmara dos
Representantes e republicano por Ohio.
As folhas de pagamento cresceram no ritmo mais lento em oito meses em maio, e a
taxa de desemprego subiu inesperadamente para 9,1%, contra 9% em abril, segundo
números do Departamento do Trabalho divulgados na sexta-feira. A criação de
54.000 novos empregos seguiu-se a um ganho de 232.000 em abril.
Os números referentes ao nível de emprego seguiram-se a uma série de
estatísticas econômicas que sugerem que a economia americana está se
desacelerando. Em maio, a produção industrial cresceu no menor ritmo em mais de
um ano, segundo dado do Institute for Suply Management divulgado na semana
passada. Os gastos do consumidor, que respondem por 70% da economia americana,
cresceram menos que o previsto em abril.
Stanley, que é o economista-chefe da Pierpoint de Stanford, Connecticut, disse
estar apostando que a fraqueza da economia será temporária, resultado de uma
alta nos preços da gasolina, que já recuaram, e interrupções na cadeia de
suprimentos provocadas pelo terremoto no Japão em março. Mas ele está ficando
mais preocupado. "O espírito da economia está mais fraco", disse Stanley.
Feroli e Stanley começaram o ano mais otimistas que a maioria de seus colegas.
Economistas consultados pela Bloomberg previram um crescimento de 3,1% para a
economia americana em 2011, segundo pesquisa publicada em 13 de janeiro. Na
ocasião, a projeção de Stanley foi de 3,8%, enquanto Feroli cravou 3,3%. De lá
para cá, Stanley reduziu sua previsão para 2,9% e Feroli para 2,4%.
Os dois não estão sozinho no corte de suas previsões. Joe LaVorgna, principal
economista da corretora Deutsche Bank Securities de Nova York, projetou um
crescimento de 3,3% para 2011 no começo do ano, levando em conta o quarto
trimestre sobre o mesmo período anterior. Posteriormente ele reduziu seu número
para 3,1%.
Os economistas não são os únicos com motivos para se preocupar: os números mais
recentes sobre o emprego apresentam um desafio para Obama, cujas possibilidades
de reeleição dependem de uma redução do desemprego.
"O perigo é que se continuarmos dando dois passados para frente e dois para
trás, as pessoas continuarão muito ansiosas com a economia", disse Bill
Carrick, um estrategista democrata. "Não há como isso possa ser politicamente
bom para o presidente." Austan Goolsbee, economista-chefe da administração
Obama, disse que o relatório sobre o nível de emprego representa "um pequeno
solavanco" no caminho da recuperação e que as tendências mais amplas estão
"substancialmente mais positivas" do que quando Obama assumiu em janeiro de
2009.
"Não deveríamos dar muita importância ao relatório de um único mês", disse na
sexta-feira Goolsbee, presidente do Conselho de Consultores Econômicos, em uma
entrevista à Bloomberg Television. "Não há dúvidas de que enfrentamos alguns
ventos desfavoráveis."
O ritmo da recuperação não chega a ser uma surpresa para Kenneth Rogoff,
ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), hoje professor da
Harvard University em Cambridge, Massachusetts. A história mostra que é preciso
tempo para as economias se recuperarem de crises financeiras como a que atingiu
os EUA.
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