Ben Bernanke e a mensagem das montanhas
MARIO MESQUITA
Aumentar a inflação para diminuir a dívida reduzirá também o poder de compra de famílias de menor renda No final desta semana ocorre o seminário anual do Fed em Jackson Hole, no Estado de Wyoming. Esses eventos reúnem banqueiros centrais de todo o mundo, bem como acadêmicos e, mais raros, representantes do setor financeiro, para debater temas macroeconômicos relevantes. Ocasionalmente, o seminário é utilizado para sinalizar inflexões de política monetária. Esse foi o caso em 2010, quando o discurso de abertura de Ben Bernanke indicou a adoção da segunda rodada de relaxamento quantitativo. Diante da piora dos mercados financeiros internacionais ocorrida nas últimas semanas, há grande expectativa de que Bernanke repita a dose, valendo-se da oportunidade para anunciar novas medidas voltadas ao socorro da economia norte-americana e, consequentemente, da claudicante recuperação global, sob o belo cenário das montanhas Teton. Há, contudo, razões mais e menos importantes para se acreditar que o raio de ação de Bernanke é mais limitado desta vez. A primeira e mais importante é que, ao contrário de 2010, o risco de deflação nos EUA parece pequeno, visto que a inflação cheia encontra-se em 3,6%, e mesmo a medida de núcleo acha-se em 1,8%. Sendo assim, fica difícil argumentar que o Fed precisa agir para corrigir desvios em relação aos dois lados de seu mandato dual, salvaguardar a atividade econômica e manter a estabilidade de preços, visto que esta última não parece estar sob ameaça, pelo menos não da forma em que parecia estar em meados de 2010.Outra dificuldade deriva dos prováveis efeitos colaterais do relaxamento quantitativo. Este visa elevar preços de ativos e, com isso, impulsionar a riqueza, a confiança e o dispêndio privado. Mas uma das consequências dessa política é a elevação dos preços de matérias-primas, que acaba corroendo a renda das famílias e solapando a própria expansão do consumo. Finalmente, a mera sinalização de que as taxas de juros devem ficar em patamares mínimos até 2013, explicitada pelo Fed em sua última reunião de política, já suscitou votos contrários de três integrantes do Fomc (o Copom norte-americano) -curiosamente, apesar da tradição democrática dos Estados Unidos, o dissenso nas decisões do Fed é tido como algo muito grave.Diante dessas dificuldades, outras opções, ainda mais controversas, têm sido levantadas. Entre elas a de anunciar uma política deliberada de inflacionar a economia americana, comprometendo temporariamente o mandato da estabilidade de preços para estimular a atividade. A lógica é que o aumento da inflação levaria à antecipação do consumo, e premiaria os devedores -entre os quais o maior, o governo americano- às expensas dos poupadores.Mas os efeitos seriam incertos, visto que uma elevação da inflação que efetivamente reduzisse o tamanho real da dívida provavelmente reduziria também o poder de compra das famílias no piso da escala de renda. Evidentemente, iniciar um surto inflacionário pode ser bem mais fácil do que terminá-lo. E, a depender da magnitude e da persistência do choque inflacionário, as políticas desinflacionárias que seriam adotadas a seguir teriam de ser agressivamente contracionistas, o que certamente não é o desejo do Fed.Há sugestões também de que o Fed passe a comprar ativos de longo prazo, de forma a manter as taxas de juros longas, importantes tanto para o financiamento do investimento como das hipotecas, em níveis reduzidos -em linha com a iniciativa adotada no governo Kennedy no século passado, sob a denominação de Operação Twist.Ocorre que as taxas longas já se encontram em patamares historicamente muito reduzidos, sem que isso seja suficiente para sustentar a atividade econômica. Mesmo assim, por ser relativamente menos controversa, essa política poderia ser anunciada nas próximas semanas. Com tantas dificuldades, ainda que as pressões por uma nova rodada de estímulo, vindas dos políticos e também dos mercados, sejam muito fortes, não é implausível que a mensagem das montanhas esteja aquém do que almejam e esperam os investidores. MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.
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