Para mercado, medida é difícil de ser implementada
Do jeito que foi editado, será muito difícil implementar o decreto que tem como objetivo conter a especulação cambial que provoca a valorização do real. Para especialistas consultados pelo Valor, a divulgação da mais abrangente ação cambial já adotada pelo governo na atual "guerra cambial" gerou tantas dúvidas que a reação imediata do mercado foi parar de operar. Segundo relato de profissionais, até o início da tarde de ontem, os negócios travaram e era difícil obter uma cotação de qualquer produto cambial junto a bancos. "A medida é tão ampla e vaga que deixou um certo descrédito em relação à capacidade do governo de implementá-la", afirma o gestor de um fundo estrangeiro.Embora o dólar tenha reagido em forte alta por conta das medidas, analistas consideram que os efeitos sobre a cotação da moeda americana devem se restringir ao curto prazo e não eliminam a tendência de queda por conta do cenário internacional. A principal dificuldade vista pelos profissionais é quem fará a consolidação das informações sobre exposição cambial. Apurar o saldo da exposição cambial de um agente que opera com dólar futuro, swap cambial, títulos públicos atrelados ao dólar, opções, entre outros, é uma tarefa considerada "impossível" com os instrumentos disponíveis no momento. Em relatório divulgado ontem, o economista do Itaú Unibanco, Darwin Dib, observa que a definição do preço de alguns desses ativos tem uma boa dose de subjetividade. "Até o vencimento, a precificação deste tipo de contrato varia de acordo com a metodologia utilizada por cada agente. A BM&F e a Cetip têm condições de fazer esta precificação? Como definir a precificação adequada?", questiona. A sensação do mercado é de que o governo correu para anunciar alguma nova arma diante da possibilidade de que a apreciação cambial em curso se agravar, diante do quadro externo. Só que, na pressa, pode ter vindo apenas um "rascunho" geral para que, ao longo dos próximos dias, definições e exceções sejam anunciadas. Até que venham os ajustes, a medida deve alcançar todo o mercado: do exportador ao investidor estrangeiro. "No fim, ele pode penalizar o exportador, que é quem deveria ser protegido", diz um especialista.Segundo o estrategista da Nomura Securities, Tony Volpon, tecnicamente, até uma operação de ACC (Antecipação de Contrato de Câmbio) pode ser classificado como um derivativo, uma vez que é a antecipação de uma receita futura em moeda estrangeira. E, portanto, poderia estar sujeita à tributação com IOF. "A rigor, qualquer instrumento de hedge é derivativo", afirma. "Se ficar como está, a medida vai encarecer muito o custo de hedge e de captação externa."A medida também pode gerar distorções. Analistas são unânimes em observar que um investidor que tenha projetos no exterior, que gere saída de dólares do país, assumirá uma posição vendida aqui, com o objetivo de zerar a exposição cambial. Nesse caso, o governo teria acesso apenas à posição vendida e esse investidor pagaria o tributo. "Se um banco ou uma indústria fizer uma aquisição no exterior e fizer um hedge aqui, ele será penalizado", observa. Situação semelhante pode ser vivida por fundos multimercados que compram cotas de fundos no exterior, em dólar. Para zerar a exposição cambial, esse fundo faria uma posição vendida no mercado de futuros e, consequentemente, estaria sujeito ao IOF.Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Sekular Investimentos, um efeito colateral da medida, portanto, pode ser a exportação do mercado brasileiro de derivativos, reduzindo a capacidade do governo de monitorar as posições das empresas e instituições locais, que passariam a fazer hedge no exterior. Diante das dúvidas, é possível dizer que a ação do governo deve, no curto prazo, reduzir os negócios realizados tanto no mercado futuro de câmbio na BM&F como nas operações de balcão realizadas na Cetip. Inicialmente, a BM&FBovespa é a maior perdedora com a medida. Em menor escala, a Cetip também deve ser afetada, enquanto o impacto para os bancos, que terão menos flexibilidade para operar tanto por meio da carteira própria como em nome de clientes, ainda é incerto.Nas estimativas do Barclays, os contratos cambiais representam aproximadamente 28% das receitas com derivativos negociados no segmento BM&F. Como consequência, existe um risco de queda de até 10% do total das receitas projetadas para a bolsa no pior cenário, segundo o analista Henrique Caldeira.No pregão de ontem, as ações da BM&FBovespa fecharam em forte queda de 5,45%, enquanto as da Cetip recuaram 0,72%. Procuradas, ambas as instituições informaram que não comentariam o assunto.
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