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quinta-feira, 28 de julho de 2011

O recente boom de crédito

O recente boom de crédito
Uma das diferenças da teoria keynesiana em relação à teoria convencional é a importância fundamental que moeda e instituições financeiras têm no funcionamento da economia. Um sistema financeiro funcional ao crescimento é aquele com capacidade de atender via crédito a demanda de liquidez necessária para realização dos gastos dos agentes, e de criar mecanismos financeiros apropriados para realização da consolidação das dívidas das firmas investidoras, permitindo um ritmo de acumulação a um nível superior àquele que seria viável pela simples acumulação de poupanças prévias. Em economias em desenvolvimento, contudo, bancos podem aumentar sua lucratividade ofertando financiamento de curto prazo, sem estímulo para oferecer crédito de mais longo prazo. Assim, as firmas para expandirem suas atividades têm que recorrer à renovação de crédito de curto prazo, autofinanciamento e endividamento externo, elevando sua fragilidade financeira. O Brasil tem um sistema financeiro baseado no crédito bancário, com forte participação do Estado, em particular em algumas modalidades, como financiamento ao investimento (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES), crédito imobiliário (Caixa Federal) e agrícola (Banco do Brasil). É ingênuo acreditar que o mercado crie espontaneamente os mecanismos de financiamento Nos anos 1980 até meados dos anos 2000 o sistema financeiro brasileiro ficou caracterizado por sua desfuncionalidade: a oferta de crédito era baixa -menor que 35% do Produto Interno Bruto (PIB) - ao mesmo tempo em que mantinha uma rentabilidade elevada. Isso foi possível em função dos ganhos inflacionários, aplicações em títulos públicos e empréstimos de curta duração com spreads elevados. Após o breve boom de crédito durante a implementação do Plano Real, o volume de crédito caiu continuamente, atingindo 21% do PIB em abril de 2003, em período marcado por frequentes crises externas. O contágio da crise mexicana no início de 1995 levou o governo a adotar programas de reestruturação bancária e estimular a entrada de bancos estrangeiros, para fortalecer o combalido setor bancário. O êxito em evitar uma crise bancária e a entrada controlada de bancos estrangeiros permitiu uma reação dos bancos domésticos que participaram ativamente da onda de aquisições bancárias e se tornaram os lideres do setor, uma reação sem paralelo em outros países emergentes nos anos 1990.A partir de 2004 um conjunto de fatores estimulou o crescimento do crédito: aumento da renda, criação do crédito consignado em folha, melhoria no perfil da dívida pública, e uma certa redução nas taxas de juros. Todos os três segmentos do sistema financeiro (bancos públicos, privados nacionais e estrangeiros) ampliaram a carteira de crédito no período, movimento liderado pelos bancos privados nacionais. O boom de crédito foi puxado pelos empréstimos de pessoas físicas, mas a partir de 2007 cresceram bastante os empréstimos das pessoas jurídicas, sendo as principais modalidades crédito pessoal (incluindo consignado), aquisição de veículos e capital de giro. Já a partir de meados de 2008 houve um forte crescimento dos bancos públicos, que tiveram um papel contracíclico fundamental em 2009, evitando uma forte contração creditícia que contaminaria toda a economia. Cabe perguntar se houve uma mudança significativa no comportamento dos bancos no período recente. De fato, houve um alongamento no prazo médio dos empréstimos - de 200 dias em abril de 2003 para 476 dias em abril de 2011 - o que contribuiu para o crescimento na demanda por crédito. Por outro lado, embora as taxas de empréstimos tenham declinado no período, elas ainda se situaram em patamares bastante elevados. Das três principais modalidades de crédito, duas (consignado e aquisição de veículos) são de baixo risco. Nesse contexto, a rentabilidade dos bancos tem-se mantido elevada, face à combinação de aumento no volume das operações, spreads ainda elevados e relativamente baixo risco.Nesse contexto, os grandes conglomerados financeiros buscam segmentar sua clientela. Para clientes de alta renda, ofertam produtos customizados; para clientes de mais baixa renda, produtos padronizados. A incorporação de segmentos de baixa renda é feita em condições de exploração financeira, uma situação em que tarifas e taxas de empréstimos são bem maiores do que para os demais clientes. Eles podem incorrer, assim, em situações de armadilha da dívida, em que comprometem uma boa parte de sua renda com pagamento de juros.Historicamente não se pode atribuir uma situação de alta funcionalidade do sistema financeiro. Não se pode esperar que o setor bancário vá desenvolver linhas de financiamento de longo prazo, até mesmo em função do seu funding. Nesse particular deverá haver uma combinação entre instrumentos do mercado de capitais com financiamento do BNDES. É ingênuo pensar que economias em desenvolvimento como a brasileira possa se dar ao luxo de não contar com a atuação de bancos públicos e acreditar que o mercado espontaneamente crie os mecanismos apropriados de financiamento de longo prazo. Luiz Fernando de Paula, professor de Economia da UERJ, é presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e co-editor do livro Sistema Financeiro (Elsevier). Email: luizfpaula@terra.com.br

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