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segunda-feira, 13 de junho de 2011

Qual agronegócio afinal?

Qual agronegócio afinal?

Na semana passada tive a oportunidade de participar de um seminário na
Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA-USP), no qual foi lançada a
RedeAgro - Rede de Conhecimento do Agro Brasileiro, criada pelo Instituto de
Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), com apoio do grupo
Pensa/FEA-USP, com a finalidade de debater os grandes temas ligados ao setor
agropecuário brasileiro que, diga-se de passagem, não são poucos e muito menos
simples.
Dentre os diversos temas apresentados, o mais consensual é o que diz respeito
ao potencial de crescimento da produção e exportações agropecuárias esperado
para os próximos anos. Não é difícil reunir dados e argumentos que permitam
descortinar um futuro extremamente promissor para a atividade. De fato, dentre
toda a matriz produtiva brasileira, o agronegócio é hoje a classe de atividade
que reúne o maior conjunto de segmentos dotados de um tipo de competitividade
que se pode efetivamente adjetivar como estrutural. Essa competitividade
estrutural decorre não somente da extensa base de recursos naturais com que o
país é dotado mas também da competente base tecnológica que se construiu nas
últimas décadas e ainda da robusta base empresarial que se consolidou nos
últimos anos. Olhando em perspectiva, há uma convergência de fatores positivos
que surgem, pelo lado da oferta, das oportunidades tecnológicas associadas ao
dinamismo científico de campos de conhecimento como a genética e a bioquímica
e, pelo lado da demanda, da velocidade da expansão esperada para a demanda
mundial de produtos da agroindústria, seja para alimentos, seja para energia,
que, conjugados, propiciarão ao agro brasileiro uma posição extremamente
favorável no cenário internacional nos próximos anos ou mesmo décadas.
O problema aqui é a forte heterogeneidade estrutural que sempre marcou e ainda
marca a atividade agropecuária
Quando o tema do debate volta-se para quais os impactos macroeconômicos que
essa exuberância exportadora poderá vir a provocar no futuro alguma
controvérsia começa surgir. Alguns analistas mostram preocupação com a
possibilidade de que a enxurrada de divisas advinda das exportações de
commodities agropecuárias possa implicar doença holandesa (ou agravá-la, para
aqueles que entendem que o fenômeno já se encontra em curso). Doença holandesa
corresponde a uma situação na qual os setores não exportadores perdem
competitividade internacional em consequência da apreciação cambial trazida
pelos saldos comerciais gerados pelos setores exportadores, levando o país a um
indesejado processo de desindustrialização. Outros entendem que o atual ciclo
de valorização do real não reflete posições superavitárias da balança comercial
e sim os efeitos da volumosa entrada de capitais no país, descartando a
ocorrência de doença holandesa no Brasil, ao menos por enquanto. Com relação a
esse debate, as evidências disponíveis são mais favoráveis à tese de que o
Brasil enfrenta uma doença de custos, cujos efeitos sobre a inflação são
mitigados pela apreciação cambial, pois essa é uma das essências do modelo de
estabilização baseado em taxas estratosféricas de juros adotado pelo país.
Nesse caso, não seria a realocação de fatores de produção em direção às
atividades exportadoras de commodities que promoveria a apreciação cambial,
como deveria ocorrer de acordo com o mecanismo básico da doença holandesa, e
sim exatamente o contrário: seria a apreciação cambial que conferiria condições
de sobrevivência apenas aos setores altamente competitivos da estrutura
produtiva nacional, razão pela qual as exportações do agronegócio ganhariam
peso na pauta de comércio.
Finalmente, quando o tema em debate se transfere para qual o resultado do
balanço sócio-econômico e ambiental do atual agronegócio brasileiro, a
controvérsia torna-se a tônica. Certamente, não é o caso de proceder a esse
balanço no pequeno espaço desta coluna mas tampouco se pode deixar de registrar
o ponto central: afinal, de qual agronegócio está se falando? O problema aqui é
a forte heterogeneidade estrutural que sempre marcou e ainda marca a atividade
agropecuária brasileira. Além de um agronegócio exportador estruturalmente
competitivo em virtude de capacitação tecnológica e empresarial acumulada nos
anos recentes, coexistem no país outros diferentes modelos de organização da
atividade. Estão aí incluídos tanto uma agricultura familiar (ou de pequena
escala) moderna, que é ainda uma fração pequena demais da atividade, como um
modelo de exploração predatória que, mais do que terra, desperdiça natureza, e
que ainda constitui uma fração grande demais da agropecuária brasileira.
Em que medida a pujança esperada para o agronegócio será capaz de contribuir
efetivamente para o desenvolvimento econômico nacional depende visceralmente de
que o padrão de expansão vitorioso contemple a ampliação da presença do
primeiro modelo e a supressão do segundo. É nessa perspectiva que se perfilam
as novas questões ligadas à sustentabilidade da expansão da atividade que,
justificadamente, vem dominando as acaloradas discussões em torno do novo
código florestal. Afinal, de certo modo, os problemas da agropecuária
brasileira são os de sempre e estão ligados à capacidade do setor crescer
promovendo ou não as necessárias melhorias na distribuição pessoal e regional
da renda direta e indireta gerada pela atividade.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do
Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ. Escreve mensalmente às
quartas-feiras.

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