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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Financiamento e responsabilidade ambiental

Financiamento e responsabilidade ambiental

Não é nova no Brasil a discussão sobre a responsabilidade de agentes
financiadores por danos ambientais decorrentes das atividades financiadas. A
questão está intimamente ligada à interpretação - subjetiva - do conceito de
poluidor indireto no âmbito da responsabilidade civil ambiental (Lei n 6.938,
de 1981). A matéria não tem regulamentação específica, estando sujeita,
portanto, à interpretação do Judiciário.
O contexto atual brasileiro, de intenso investimento nacional e estrangeiro,
notadamente relacionado às obras de infraestrutura em andamento e/ou
programadas para os próximos anos, aliado à orientação que vem sendo
recentemente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), torna relevante
uma nova reflexão sobre a questão.
Em precedentes recentes - não diretamente ligados à matéria -, o STJ tem
entendido que, para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano
urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem
faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem
cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se
beneficia quando outros fazem.
O tribunal sugere, nessa linha, que, ao financiar atividades que venham causar
danos, os agentes financiadores se enquadrariam no conceito de "poluidor
indireto", entendendo-se que, sem o crédito concedido, a atividade - e,
consequentemente, o dano - sequer teria existido, aplicando-se, em relação a
esses, as regras de responsabilidade civil ambiental objetiva (ou sem culpa)
como forma de garantir a reparação integral dos danos.
Financiadores figurariam, então, como responsáveis "solidários" pela
recuperação ambiental, em aplicação conjunta da legislação ambiental e das
regras de solidariedade do Código Civil, podendo responder perante o
Estado/sociedade pela totalidade dos custos de reparação, restando-lhes
regressar contra os ditos poluidores diretos - responsáveis pelas atividades
financiadas, por exemplo.
O agente financiador não deve responder por danos ambientais
Note-se que, ao contrário do que se verificava nas poucas decisões judiciais
anteriores, o STJ não analisa o fato de ter ou não o agente financiador
observado os requisitos legais aplicáveis à sua atividade, ou, ainda, de ser ou
não, ao menos indiretamente, responsável pela condução da atividade degradadora.
Sabe-se que, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a responsabilização
indiscriminada de agentes financiadores por danos ambientais tem, em regra,
efeito significativamente redutor - ou ao menos "encarecedor" - sobre a oferta
de crédito e que tal impacto, em última análise, afeta a sociedade como um
todo.
Nos Estados Unidos, antes do paradigmático caso United States versus Fleet
Factors Corp., havia certeza de que aquele financiador que não se envolvesse no
dia a dia da atividade financiada não seria responsabilizado. Depois da citada
decisão, passou-se a considerar responsável aquele que, mesmo que apenas em
teoria, tivesse condições de influenciar decisões relativas ao gerenciamento de
produtos/substâncias perigosos. Diante do quase desaparecimento do crédito, tal
cenário foi novamente modificado e pacificado com a edição de lei que
formalizou critérios objetivos para definir o grau de envolvimento do
financiador capaz de ensejar sua responsabilização.
Nesse contexto, permitindo-nos discordar da ampla interpretação do conceito
presente nos últimos precedentes do STJ, não nos parece adequado classificar
como "responsável por atividade degradadora" o agente financiador que se limite
a, licitamente, liberar recursos para o seu desenvolvimento, sem deter qualquer
controle da operação, especialmente no que diz respeito à gestão ambiental da
atividade.
Ao admitir-se o contrário, estaríamos forçados a questionar, por exemplo, o
porquê, então, de não se responsabilizar também os fabricantes das máquinas e
equipamentos utilizados pela atividade degradadora (e, quem sabe, os
responsáveis pela produção das matérias-primas de tais equipamentos), seus
empregados e até mesmo os consumidores dos produtos decorrentes de tais
atividades.
Tal hipótese estaria associada à enorme insegurança jurídica que, em última
análise, prejudica o crescimento do país e o próprio combate à degradação
ambiental, na medida em que a escassez de recursos é, como se sabe,
justificativa frequente entre nossos governantes para a ausência de
investimento em preservação ambiental.
Outra é a situação em que o agente financiador deixa de observar os requisitos
estabelecidos na legislação vigente para concessão do crédito, situação em que,
em tese, poderia ser considerado, ele próprio, infrator e, assim, responsável
pelo dano ambiental - ainda que indiretamente -, nos termos da legislação
vigente.
Diversas normas e padrões ambientais foram e continuam sendo impostos aos
agentes financiadores - destacam-se, além da própria Lei n 6.938, de 1991, e
das normas do Conselho Nacional de Meio Ambiente, os Princípios do Equador, o
Protocolo Verde, o Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental
e normas do Banco Central. É inegável, também, que tais normas e padrões têm
influenciado significativamente o nível de exigência dos agentes financiadores,
públicos e privados. Nada impede, ainda, que tais normas e padrões sigam
evoluindo de forma a abranger os aspectos considerados fundamentais pela
sociedade - certamente mutantes no tempo.
De uma forma ou de outra, a análise da variável (do risco) ambiental deve estar
cada vez mais presente no dia a dia de agentes financiadores. Instrumentos como
a auditoria ambiental, análise de riscos ambientais, entre outros, são cada vez
mais indispensáveis ao fechamento e monitoramento de qualquer contrato de
financiamento.
Antonio Augusto Rebello Reis é professor de direito ambiental e sócio
responsável pela área de direito ambiental de Bichara, Barata, Costa & Rocha
Advogados

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