Páginas

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A economia brasileira: uma cigarra que ganhou na loteria

A economia brasileira: uma cigarra que ganhou na loteria

A economia brasileira contou com a sorte grande nos últimos anos. O grande
responsável por isso foi o acelerado crescimento chinês, que puxou o preço das
commodities.
As reduzidas taxas de juros nos países desenvolvidos jogaram mais lenha na
fogueira, ajudando os países com vastos recursos naturais. Nossos termos de
troca, ou seja, a razão entre o que exportamos e o que importamos, deram um
salto incrível desde 2003. Essa fantástica melhora se disseminou por toda
economia.
Os dados macroeconômicos melhoraram, o país acumulou reservas internacionais, o
crédito deslanchou e o setor privado aproveitou o bom momento para emitir
dívida e capital. A moeda se apreciou bastante, e os ativos brasileiros
passaram a valer mais. O boom chinês foi uma bênção para países como Brasil e
Austrália. A correlação entre suas moedas desde 2003 é espantosamente alta.
Se antes mil toneladas de minério de ferro compravam determinada quantidade de
televisores, hoje a mesma quantidade de minério compra dez vezes mais! Os
habitantes dos países com vastos recursos naturais demandados pelos chineses
enriqueceram rapidamente nos últimos anos. Mas o que pode ser negativo neste
cenário, que à primeira vista parece tão promissor?
Fosse uma formiga responsável que tivesse tirado a sorte grande, tudo seria
ótimo. Os cidadãos aproveitariam as oportunidades novas para investir mais e
obter ganhos sustentáveis de produtividade, a educação seria alvo de melhorias
substanciais com foco no longo prazo e até um fundo de reserva seria criado
para os dias chuvosos, que são inevitáveis. Mas a triste realidade é que, no
caso brasileiro, uma cigarra foi quem ganhou na loteria. Com demanda reprimida
há anos e um horizonte temporal demasiadamente curto, ela partiu para o consumo
calcado em crédito, um modelo claramente insustentável.
Um enorme agravante é a demanda insaciável do governo brasileiro por recursos.
Como ele arrecada quase 40% do PIB, e não investe nem 1%, esses ganhos
significativos dos termos de troca acabaram se transformando em mais bolsas
assistencialistas, mais empreguismo no setor público e mais crédito estatal
beneficiando grandes empresas próximas ao governo. A bolada da loteria chinesa
virou gastança estatal ou má alocação de recursos por critérios políticos.
Como não ocorreram os investimentos em infraestrutura nem as reformas
estruturais que viabilizariam um choque de produtividade, os gargalos
econômicos logo ficaram evidentes. O país está com a menor taxa de desemprego
do histórico calculado e inexiste hiato do produto. Em outras palavras, a
economia está superaquecida após os estímulos do governo, possíveis graças às
mudanças nos termos de troca. O resultado é uma inflação no topo da meta já
elevada do BC, de 6,5%. E não se trata de uma inflação de oferta, causada pela
alta das commodities, mas sim uma inflação de demanda, com o superaquecimento
do setor de serviços.
Eis o quadro simplificado até aqui. Como ações são máquinas antecipatórias,
muito desse cenário já está no preço do Ibovespa. Estrangeiros jogaram a toalha
e bateram em retirada. Muitos fundos estão leves, com risco reduzido. Para
frente, podemos apenas levantar hipóteses. Sazonalmente, a inflação tende a
ceder nessa época. E com a queda das commodities, é possível que os próximos
dados mensais se aproximem de zero. Se isso ocorrer e o cenário internacional
permanecer estável, então pode ser que o Ibovespa se recupere temporariamente,
com o alívio do pessimismo crescente do mercado.
Mas se o governo cantar vitória antes do tempo e encerrar os já tímidos
esforços para conter o dragão inflacionário, os problemas se agravarão à
frente. O cenário será de queda ainda mais acentuada da economia em 2012 e
depois. Nesse caso, os investidores não terão uma boa opção na bolsa, de forma
geral. O prognóstico mais provável de médio prazo não parece muito animador,
uma vez que os desenvolvimentistas no poder demonstram acreditar realmente
nesse modelo insustentável.
A aposta em Brasil depende muito da visão sobre o que acontece na China. Esse
será o tema de um próximo artigo, mas posso adiantar que vejo alguns sinais
preocupantes de esgotamento do modelo chinês. Se Deus é mesmo brasileiro, Deus
queira então que a China possa evitar um "hard landing", pois isso seria
catastrófico para o Brasil. Resta aos investidores rezar e se preparar para o
pior, uma vez que do governo não se pode esperar grande coisa. A cigarra
eufórica pode estar entrando na fase da ressaca.

Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital

Nenhum comentário:

Postar um comentário