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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Relegado, agronegócio centra fogo no câmbio

Relegado, agronegócio centra fogo no câmbio

Pouco abordado no período de propaganda eleitoral gratuita e nada discutido nos
debates entre os postulantes à Presidência, o setor de agronegócios confia em
seu peso econômico e no fortalecimento de sua organização política para driblar
o que considerou um descaso e ver suas demandas atendidas durante o governo de
Dilma Rousseff.
"Não vi nenhum programa que falasse de política para a agricultura como posição
estratégica. Não houve nenhuma manifestação clara ou política de longo prazo.
Só se falou de agricultura familiar como solução social", diz o presidente da
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas.
A atual agenda do campo traz poucas mudanças em relação a uma lista permanente
de reivindicações formada por pedidos como ampliação do crédito rural e
abertura de novos mercados para as cadeias exportadoras, além de questões
estruturais como redução da carga tributária e melhorias da infraestrutura.
No capítulo cambial, porém, o volume das críticas aumentou e o início da gestão
Dilma tende a ser bombardeado por estudos com os aspectos que o setor considera
negativos sobre o movimento, num raciocínio que busca anular os benefícios
inflacionários do real forte pelos efeitos negativos em regiões muito
dependentes das cadeias exportadoras. No primeiro e no segundo turno, o fator
câmbio rendeu mais votos a José Serra do que a Dilma em Estados como Paraná e
Mato Grosso, que lideram a produção de grãos no Brasil.
"Dilma terá de ouvir o setor", diz Cesário Ramalho, presidente da Sociedade
Rural Brasileira (SRB). Ele lembra que o agronegócio do país ganhou ainda mais
relevância no exterior nos últimos anos, mas critica o tratamento recebido em
alguns fóruns domésticos de discussão.
"Temos condições de nos posicionar e já encontramos interlocutores para isso",
diz Ramalho, em referência ao ex-ministro Antonio Palocci, com quem se reuniu
pela última vez há dois meses, "com boa aceitação". Já Freitas, da OCB, diz que
tentou aproximações com a coordenação da campanha de Dilma e não obteve
respostas. Segundo ele, as cooperativas apostam no Congresso para reforçar sua
atuação. "Tivemos uma boa eleição, com gente nova, boa. Estamos bem
reforçados", disse, referindo-se à bancada ruralista.
Uma das lideranças dessa bancada, e identificada com a oposição ao governo Lula
e a Dilma, a presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA),
senadora Kátia Abreu (DEM-TO), limita-se a dizer que haverá uma "relação
institucional" do setor com a presidente. "A CNA está acima de qualquer partido
e nós teríamos relação institucional com qualquer dos eleitos".
Eleitor histórico do Partido dos Trabalhadores, Lawrence Pih, presidente do
Moinho Pacífico, está entre os que consideram o câmbio prioritário, ao lado das
negociações comerciais no Mercosul, já que parte do trigo usado como
matéria-prima em sua empresa vem da Argentina. Mas Pih considera pouco provável
que a presidente adote uma política abertamente favorável à desvalorização do
real. "É um desafio do novo governo: manter um dólar compatível com o custo de
produção".
Arlindo Moura, presidente da SLC, maior empresa agrícola do país, espera que
Dilma Rousseff não desperdice a oportunidade de realizar reformas política e
tributária, mesmo acreditando que ela terá mais dificuldades do que Lula para
tal. "O Lula era maior que o PT, mas perdeu a oportunidade. Tenho a expectativa
de que Dilma toque essas reformas, que estão atrasadas há anos". O executivo
também defende que a presidente ajude a pressionar pela aprovação de reformas
na legislação trabalhista de forma a adaptá-las à realidade do trabalho no
campo.
Como Roberto Rodrigues, ex-presidente da SRB e primeiro ministro da Agricultura
de Lula, Cesário Ramalho defende a integração das políticas para pequenos,
médios e grandes agricultores, pouco observada nos últimos anos. O governo
atual ampliou o crédito para as agriculturas empresarial e familiar, mas forçou
pouco a ampliação do diálogo entre as distintas correntes.
Também há dúvidas no setor quanto às interferências diretas do governo em
questões como a compra de terras por estrangeiros ou o redesenho de segmentos
como fertilizantes e frigoríficos. No primeiro, o governo Lula pressionou a
Vale a assumir a liderança da produção nacional, o que foi feito; no segundo,
grandes grupos como JBS, Marfrig, Sadia e Perdigão foram beneficiados por um
nível de apoio do BNDES não observado para os menores.
Antônio Carlos Camardelli, presidente da Associação Brasileira da Indústria dos
Exportadores de Carnes (Abiec), prega a continuidade de políticas em curso e
acredita que, passada a crise, o BNDES estenderá o suporte a empresas de
pequeno e médio portes em dificuldades. Luciano Vacari, superintendente da
Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), concorda com Camardelli
sobre essa necessidade, mas vai além: "O atual governo avançou bastante em
algumas políticas, mas é preciso de mais. Esperamos que a nova presidente
enxergue Mato Grosso [que reúne o maior rebanho bovino do país] como o grande
produtor de alimentos do Brasil", afirma.

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