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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

3ª revolução industrial ainda não está à vista

3ª revolução industrial ainda não está à vista

A versão realista de desenvolvimento socioeconômico sustentável se orienta para
uma era cuja economia, produção industrial e vida social sejam baseadas na
baixa emissão de carbono. Fórmulas tecnológicas que reduzam o desperdício de
energia obtida de carbono, modos de vida que reduzam o consumo de energia,
busca de combustíveis renováveis como o etanol de cana de açúcar e o
aproveitamento de outras formas de energia, a exemplo do vento e das marés.
É previsível uma intensificação retórica sobre a necessidade de reduzir a
emissão de carbono, seja pelo fantasma do aquecimento global, seja pela redução
das reservas de combustíveis fósseis de carbono. A periferia dessa retórica,
por exemplo, preconiza o automóvel elétrico e a redução de viagens urbanas
diárias por habitante, principalmente na prestação de serviços onde é possível
a divisão de trabalho mantendo-se o pessoal trabalhando, com os instrumentos de
informática, em sua própria residência. Cadeias de serviços complexos podem ser
"residencializados". O uso de rede de computadores permite a diminuição de
movimentos, alterando a logística, de modo a reduzir o consumo de carbono na
movimentação de pessoas e mercadorias.
Essa nova era exige uma 3 Revolução Industrial e provocará, em escala
ciclópica, a destruição das atuais bases produtivas e equipamentos domésticos.
Schumpeter falou da destruição criadora como o modo histórico de evolução, em
longo prazo, do sistema capitalista. É inquestionável a vantagem para a
humanidade dessa 3 revolução, que ampliará a sustentabilidade do homem a
partir da organização social do consumo de baixo carbono. Obviamente, não será
extinta a necessidade de combustível fóssil de carbono; continuarão sendo
necessários petróleo, gás e carvão. O que a 3 revolução industrial fará é
reduzir a participação da energia fóssil no produto mundial.
Nada melhor que desenvolver as atuais estruturas produtivas, civilizando-as com
o tempero da durabilidade
Enquanto houver rentabilidade nas forças produtivas estruturadas pela 2
revolução industrial, não estará aberto o caminho para a "destruição criadora".
Itens periféricos poderão ser desenvolvidos, desde a rápida introdução de novas
e mais eficientes formas de troca de calor até a reciclagem do lixo. O
desperdício do descartado pela reciclagem reduz o consumo energético em um
amplo espectro de itens obteníveis na "mineração" do descartado pela sociedade
afluente. Isso é admissível e integrável nas bases da 2 revolução industrial.
Porém, pense o leitor qual seria a reação empresarial à sugestão de incorporar
na produção fórmulas que aumentem a durabilidade dos produtos. Toda a lógica da
2 revolução foi converter o durável em descartável: a joia, o relógio, a
caneta e o isqueiro são exemplos. Imaginem aumentar a durabilidade, por
exemplo, dos tecidos (até o século XVIII, as roupas de um personagem, quando
falecido, faziam parte do seu inventário). Quando os hippies passaram a
valorizar as roupas jeans usadas e descartadas, surgiu a estratégia de
reproduzir, industrialmente, o aspecto "gasto", para a venda da nova "moda
hippie".
O sistema capitalista resistirá de todos os meios e formas à introdução em
massa dos procedimentos do baixo consumo de carbono. O único argumento que
aceitará será o preço explosivo que irão assumindo todos os energéticos de
carbono fóssil. Como ensinou David Ricardo, nada melhor do que dispor de uma
fonte energética de petróleo que possa ser extraído a custos mais baixos do que
os futuros custos de extraí-los de areias betuminosas, xistos betuminosos com
petróleo oxidado, jazidas localizadas em zonas de mais difícil acesso.
O petróleo do pré-sal brasileiro será, cada vez mais, beneficiado por uma renda
do tipo ricardiano, pois saberemos nós, brasileiros, reduzir os custos de
produção do pré-sal e veremos o preço do petróleo subir para as alturas em
função de sua crescente escassez. Melhor que ouro é petróleo cubado e
disponível para a economia brasileira, que poderá evoluir suas forças
produtivas utilizando essa energia para trabalho e renda dos brasileiros. Nada
é pior, do ponto de vista estratégico, do que converter o Brasil em exportador
de petróleo cru. Nada melhor que desenvolver as estruturas produtivas da 2
revolução industrial civilizando-as com o tempero da durabilidade. O Brasil
necessita se industrializar, pois 80% de nossa população é urbana e 50% é
metropolitana. É um erro ecológico propor que o Brasil seja o "celeiro do
mundo". O gado precisa do desmatamento para dispor de capim; o grão também
exige a liquidação dos cerrados. Se a esse erro, que faz do Brasil um pífio
exportador de produtos industriais, viermos a agregar a situação de exportador
de petróleo cru, estaremos optando por um desastre e mergulhando na maldição
dos países petroleiros quando se aproxima o esgotamento de seu "ouro negro". A
Indonésia exportou a US$ 2 o barril de petróleo e, hoje, o importa a quase US$
100; o México depredou suas reservas e Dubai foi à falência. Não farei
referência à doença holandesa, porém, com o dólar hipervalorizado, vai ser
difícil o Brasil produzir componentes industriais.
Acompanhei de perto os debates da sucessão presidencial. Não consegui perceber
qual o projeto nacional brasileiro. Tudo indica que, pela ausência de
referências ao desenvolvimento industrial, se converge para a ideia de que o
Brasil poderá se desenvolver como "celeiro do mundo". Sobre o pré-sal, Dilma
afirmou que "assim como o café financiou a industrialização brasileira, o
petróleo do pré-sal pode financiar a transição do Brasil para uma economia com
menor emissão de carbono" (Rumos, jul/ago 2010). Li, no mesmo veículo, que
Serra sugere transformar o Brasil em uma verdadeira "potência ambiental", o que
supõe o destino brasileiro como fornecedor de etanol. Marina acompanha essa
sugestão.
O Brasil, como "celeiro do mundo", fornecedor de petróleo de alta qualidade e
fortalecendo o plantio de cana-de-açúcar, não tem, nesse debate, lugar para o
robustecimento da indústria, que é o setor gerador de emprego e renda de
qualidade.

Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de
economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.

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