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terça-feira, 3 de abril de 2012

ENTREVISTA: CÂMBIO IDEAL É ENTRE R$ 2,00 E R$ 2,10, DIZ BELLUZZO

ENTREVISTA: CÂMBIO IDEAL É ENTRE R$ 2,00 E R$ 2,10, DIZ BELLUZZO
Entrevista dada a Agencia Estado
 São Paulo, 2 - Favorável a taxação de todos os investimentos que ingressam no Brasil, ex-secretário de Política Econômica no governo José Sarney, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, acredita que seria bom para a economia que o câmbio atinja uma marca de R$ 2,00 a R$ 2,10, a fim de reduzir os impactos da guerra cambial e da imensa liquidez internacional sobre o Brasil, processo que, na sua opinião, está colaborando para a desindustrialização. Em entrevista ao jornalista Ricardo Leopoldo, da Agência Estado, Belluzzo defende a cobrança pelo governo federal de um tributo - que pode ser o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) - sobre todos os investimentos que ingressam no Brasil, a fim de conter uma superapreciação do real causada por operações de arbitragem de juros.  "O governo teria de taxar igualmente todos os ingressos de capitais e depois criaria um crédito tributário para quem comprovar que fez mesmo investimentos de longo prazo no País, entre eles os investimentos estrangeiros diretos", afirma. A dúvida é se existem pessoas suficientes e capacitadas para atuar nessa área. Para Belluzzo, é "temerária" qualquer projeção sobre a alta de juros de agora até o fim de 2013, como as que vêm sendo feitas por alguns economistas de mercado sob a alegação de que a retomada do nível de atividade a partir do segundo semestre pode provocar o estouro do teto de 6,5% da meta de inflação no ano que vem.  "Quem pensa assim está com um modelo de metas de inflação de quinta categoria. Vamos falar a verdade: ninguém mais acredita no sistema de metas de inflação", diz.  O debate sobre a mudança da remuneração da caderneta de poupança é bem vindo, o que deveria ocorrer depois das eleições municipais deste ano. Contudo, Belluzzo ressalta que o Poder Executivo precisará ser muito cuidadoso para explicar à população que a medida é necessária para permitir uma redução dos juros básicos da economia, pois do contrário boa parte da sociedade pode ficar com a impressão de que se trata de um novo confisco. Abaixo, os principais trechos da entrevista:  Agência Estado - O que está ocorrendo com a indústria no Brasil? Luiz Gonzaga Belluzzo - A indústria de transformação, nos últimos 25 anos, vem perdendo peso progressivamente. Basta ver que sua participação no PIB caiu de 35,8% em 1984 para 15,3% em 2011. A indústria está perdendo dinamismo. O que ocorreu nos últimos anos é que o Brasil cristalizou sua estrutura industrial e alguns setores até regrediram. Alguns dizem que a indústria está importando bens de capital e isso é bom porque melhora a competitividade e os ganhos de produtividade. É verdade, mas, ao mesmo tempo, o setor de bens de capital atrofiou-se e o País perdeu seu núcleo dinâmico por onde o progresso tecnológico vem. Esse segmento dinâmico da economia está começando a perder força, o que significa desindustrialização. AE - A desindustrialização estaria se agravando porque estamos em meio a uma guerra cambial?  Belluzzo - Há uma falsa dicotomia entre câmbio flutuante e fixo quando a maioria dos regimes cambiais é intermediária, isto é, administrada. O Fundo Monetário Internacional fez um estudo no qual mostrou que os regimes cambiais extremos, fixo e totalmente flutuante, são as exceções. Não sei por que algumas pessoas ficam escandalizadas quando o governo brasileiro diz que vai intervir no câmbio. Todo mundo intervém. A Suíça um tempo atrás declarou que vai intervir. O Japão intervém o tempo inteiro, bem como o Federal Reserve. Na medida em que surgem desequilíbrios internacionais causados por políticas de ampliação de liquidez pelos países desenvolvidos para socorrer bancos, como o Quantitative Easing (afrouxamento monetário), isso torna quase impossível aceitar um regime de livre flutuação. Do contrário, os países serão atropelados, particularmente aqueles que têm moeda não conversível. As moedas não conversíveis, como é o caso do real, estão sujeitas a muita volatilidade e a riscos de paradas súbitas de fluxos de capitais.  AE - Em função desse fluxo maciço de capitais, o câmbio a R$ 1,80 ajuda a recuperar a indústria?  Belluzzo - Eu avalio que seria desejável que o câmbio chegasse a R$ 2,00, R$ 2,10. Contudo, o movimento do real ante o dólar na direção daquela cotação teria de ser cuidadoso para que não ocorresse uma desvalorização súbita e isso provocasse um choque cambial, com consequências para inflação e o endividamento externo dos agentes econômicos. Mas seria adequado que essa mudança de câmbio para R$ 2,00, R$ 2,10 ocorresse agora, pois o mundo passa por um período desinflacionário, o que influencia os preços no Brasil para baixo. Diante desse movimento desinflacionário é reduzido o pass through (repasse) da variação do câmbio aos índices de preços no País. No entanto, uma desvalorização súbita afetaria um número grande de produtos que fazem parte da formação dos custos das empresas.  AE: E para que o câmbio migre para uma marca entre R$ 2,00 e R$ 2,10 sem causar pressões inflacionárias o governo precisaria adotar mais medidas ou bastam as intervenções do BC no mercado e as advertências verbais do ministério da Fazenda?  Belluzzo: Há um problema de operação. Às vezes o BC teria que comprar dólares bem acima do fluxo para influenciar a cotação para cima e às vezes não deveria fazer nada. O consenso que está se formando é que a atual cotação do câmbio é insustentável para a indústria. Portanto, a trajetória do câmbio é para cima. Mas é preciso operar de forma competente. É importante a ação da mesa de operações do BC.  AE: E a taxação na entrada de recursos do exterior? Beluzzo - O governo já está adotando o IOF para tentar evitar o excesso de ingresso de capitais especulativos no País e conter operações de carry trade. O governo teria que taxar igualmente todos os ingressos de capitais e depois criaria um crédito tributário para quem comprovasse que fez mesmo investimentos de longo prazo no País, entre eles os investimentos estrangeiros diretos. Eu gosto dessa ideia e ela é teoricamente bem razoável. Provavelmente a Receita Federal e o Banco Central poderiam fazer isso, só não sei se tem gente suficiente e capacitada para atuar nessa área. Poderia ser feita a quarentena para o ingresso de capitais por um período de pelo menos seis meses. Mas isso é uma coisa modulável, que pode ser um pouco maior ou menor de acordo com as circunstâncias e as características relativas aos prazos dos capitais que desejam ingressar no Brasil.  AE: O governo deve anunciar amanhã um pacote de estímulos fiscais à indústria. Essas medidas junto com o câmbio entre R$ 2,00 e R$ 2,10 ajudarão a recuperar o setor manufatureiro do País?  Belluzzo: Eu creio que sim. Veja a seguinte hipótese: pense que o governo suba em um ano os investimentos públicos de 2% para 6% do PIB. Isso teria um impacto relevante sobre a estrutura de oferta de produtos e serviços no País. Boa parte disso vazaria para o exterior e provocaria uma imensa onda de importações de mercadorias e serviços. Precisamos parar de pensar que o Brasil só pode ter agronegócio e não deve ter mais indústria. Nós podemos ficar com os dois setores em níveis competitivos e porque ficaríamos com um só? Os EUA são a maior prova de que é possível ter dinamismo industrial com agricultura eficiente. Eles tem a Apple e a produção de soja e milho, pois sempre foram grandes produtores desses grãos.  AE: Mas o problema da indústria não se resume ao câmbio, pois há questões relativas a produtividade, motivada por custos elevados, como os relativos a tributos e infraestrutura do País.  Belluzzo: Isso mesmo. Mas se não fizer nada rapidamente o País vai ficar mais fraco. É também necessário observar a estrutura tributária nacional. O governo talvez desonere as exportações, o que é importante. O Brasil já teve um sistema de desoneração de exportações que foi muito bom, na época do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Tivemos o Befiex e o crédito pleno do IPI. Isso tudo foi abolido porque no Brasil foi criada a mentalidade segundo a qual a economia do Pais deve ser primária, não exportadora, e totalmente aberta, pois isso traria naturalmente competitividade às nossas indústrias. Primária é essa avaliação sobre o que deveria ser a estrutura da nossa economia.  AE: O BC indicou que deve reduzir a Selic para 9% em abril e mantê-la assim por um bom tempo. Contudo, para isso seria necessário mudar a remuneração da caderneta de poupança. O senhor acredita que o governo deveria fomentar esse debate agora ou deveria esperar passar as eleições municipais deste ano?  Belluzzo: O governo pode estimular o debate, mas deveria deixar passar as eleições. É preciso um tempo de adaptação. Alterar a remuneração da poupança é delicado. Mudar a remuneração da poupança é absolutamente necessário, pois trata-se de uma péssima herança da época da inflação alta, que reforça o caráter rentista das pessoas. Mas é preciso ter cuidado, pois logo vai se criar uma opinião de que isso é um confisco. Na verdade quem está confiscando é o rentista, que é favorável a uma estrutura de taxas de juros no País que prejudica a geração de empregos. O adequado seria deixar que as taxas da poupança sejam nominais, sem indexação. Esse não é o único problema que dificulta baixar os juros básicos. Há também a indexação de uma parte expressiva dos títulos públicos à Selic. Isso precisa ser alterado, a fim de dar mais flexibilidade na gestão da política econômica.  AE: Alguns especialistas de mercado apontam que o BC precisará elevar a Selic em pelo menos um ponto porcentual no começo de 2013, pois a economia ganharia tração na segunda metade deste ano e havia risco de inflação. O senhor vê uma alta dos juros até o final de 2013?  Belluzzo: Não vejo. E, atualmente, qualquer previsão sobre alta de juros é temerária. Quem pensa assim está com um modelo de metas de inflação de quinta categoria. Vamos falar a verdade, ninguém mais acredita no sistema de metas de inflação, que se baseia num único objetivo (combate a inflação) e num único instrumento (taxa de juros). O Olivier Blanchard (economista-chefe do FMI) não acredita e ele é de longe o melhor de todos os especialistas que abordaram este tema com inteligência. É que alguns economistas (de mercado) ficam com essa avaliação, pois dizem que o PIB potencial é de 4%, 4,5%. Mas isso é curioso, pois só eles e Jeová sabem quanto é o PIB potencial do Brasil. Eles não avaliam como vai ser o desempenho dos EUA e da China neste e no próximo ano. O presidente do Fed, Ben Bernanke, disse que o crescimento americano será baixo até 2014, inclusive com desemprego elevado e taxas de juros perto de zero. Então, eu acredito que quem tem razão é o Banco Central no Brasil. O BC disse no últimorelatório de inflação de março que a inflação em 2012 ficará em 4,4% e que em 2013 terá boas chances de ficar abaixo da sua projeção de 5,2%, dado o cenário de fraqueza estrutural da economia mundial, que vai apresentar um longo processo desinflacionário.

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