A Geada na Flórida1
Não deveria se inserir no rol dos valores humanos sentir satisfação com a desgraça alheia. Mas foi assim que se comportaram os citricultores paulistas a cada anúncio de forte geada no cinturão citricultor da Flórida. Casualmente, tais distúrbios climáticos ocorriam, justamente, quando em São Paulo se esperavam safras recordes. Os anos 80 foram particularmente favoráveis para a geração de riquezas aos citricultores. Foi também nessa década que o complexo agroindustrial vinculado ao produto se estruturou e ganhou musculatura, inclusive, para ombrear os gigantes globais desse segmento.
Essa digressão parece se aplicar ao agronegócio Cafés do Brasil nesse princípio de década. O segundo colapso econômico-financeiro mundial e suas, aparentemente positivas, repercussões sobre o market-share do país no suprimento mundial da commodity.
Com a recente divulgação do balanço das exportações de café contemplando os doze meses de 2012, tornou-se possível estabelecer algumas inferências que podem conferir ao agronegócio Cafés do Brasil as mesmas bases que, nos anos 80, fizeram a pujança da citricultura.
O segundo semestre de 2010 e ao longo de 2011, o noticiário internacional foi pautado pelo segundo tropeço econômico-financeiro com incidência entre alguns países centrais como: EUA, Japão e Itália, outros mais periféricos como: Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda. Todavia, a averiguação dos resultados das exportações de Cafés do Brasil para esses países, sugere resultados surpreendentes.
O valor das exportações totais de Cafés do Brasil para a União Européia (UE), um dos pólos do segundo colapso econômico, que em 2010 totalizaram US$2,959 bilhões exibiram o expressivo salto para RS$4,489 bilhões, ou seja, incremento de US$1,530 bilhão no valor das exportações para o bloco econômico (Tabela 1). A escalada das cotações explica a expansão das receitas cambiais.
Em termos de quantidade exportada, a UE absorveu, em 2011, 16.475.391 sacas de café em equivalente verde, total ligeiramente inferior às 17.042.104 sacas exportadas em 2010. Há que se reconhecer que o mercado para os Cafés do Brasil encolheu.
Na análise das exportações por país de destino, foram embarcados para o conjunto dos países Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, 4.236.090 sacas e 4.072.797 sacas em 2010 e 2011, respectivamente2. Tal redução é pouco expressiva tanto mediante a profundidade da crise econômica enfrentada por esses países como decorrente do arrefecimento natural da demanda em razão dos altos preços praticados para o produto. O desembolso desse grupo de países, entretanto, saltou de US$729 milhões em 2010 para US$1.110 em 2011. No mercado de café cabe então perguntar: CRISE, QUE CRISE?
O resultado realmente surpreendente surge agora. O mercado alemão, tradicionalmente um dos mais importantes para os exportadores e traders brasileiros encolheu em 2011. Justamente no país menos assolado pela crise em âmbito da UE, foi aquele que mais reduziu suas importações de Cafés do Brasil. Em 2010 os embarques para o mercado alemão somaram 6.422.832 sacas em equivalente verde apurando-se o valor de US$1,122 bilhão. No ano que se encerrou, as exportações somaram 6.201.171 sacas, contabilizando o valor de US$1,695 bilhão. O balanço das estatísticas revela que houve declínio de 221.661 sacas na quantidade e expansão de US$573 milhões em termos de valor3. Poderia haver uma explicação plausível para o fenômeno? Arrisco a minha: os bancos alemães são os principais fornecedores de crédito para a indústria e o comércio do continente europeu. Concomitantemente, os traders alemães são os maiores reexportadores de café para demais países do bloco. Temerosos de eventual default de um ou mais países em crise, ocorreu o chamado travamento do crédito interbancário com repercussões sobre o financiamento das aquisições de café por terceiros países.
Todavia, restar sem suprimento de café é uma condição inaceitável para as nações endividadas. Sem crédito, as compras diretas do país produtor surgem como alternativa ao travamento bancário alemão.
Em crise econômica há quase 20 anos, o Japão, em 2011, padeceu com o terremoto seguido de tsunami que devastou regiões de grande concentração industrial, beirando o limite de uma catástrofe nuclear. Pois bem, as quantidades importadas de Cafés do Brasil em 2011, superaram as de 2010 em 261.349 sacas em equivalente verde4 (Tabela 2). As receitas cambiais quase que dobraram. Temos então mais um país em crise em que, porém, os negócios com café prosperam!
Os EUA que embora tenham sido responsáveis pelo primeiro colapso financeiro é aquele com maiores chances de reverter a atual crise no médio prazo. Em 2011, os EUA compraram do Brasil 7.284.365 sacas, enquanto em 2010 suas aquisições foram de 6.601.962 em equivalente verde.
Deve-se reconhecer que em 2011 o houve crescimento nas exportações de conillon que saltaram de 1.168.886sc em 2010 para 2.668.631sc no ano que se encerrou, ou seja, incremento de 1.499.745sc, exibindo forte expansão justamente nos países europeus assolados pela crise5. É negócio envolvendo café, avançando sobre a fatia do arábica, mas o que não deixa de ser negócio com café. A recente escalada das cotações do conillon, que até pouco tempo não haviam acompanhado a observada para o arábica, tenderá a reequilibrar o mercado, fazendo recuperar progressivamente a demanda pelo arábica. Portanto, não há nada que temer.
Essa análise possui mais uma limitação. Se for fato que secou o crédito alemão, de onde proviria os recursos para bancar as importações? Sem a intermediação financeira de crédito e seguro é impossível que a importação tenha sido efetivada. Assim, de onde é que provêm os recursos? Dos Russos? Direto dos importadores? Para poder elucidar esse aspecto precisaríamos investigar cada operação realizada e com que contraparte financeira garantidora. Deixo aqui mais uma pista para os demais investigadores da economia cafeeira tentar elucidar.
Os prognósticos mais recentes apontam para uma crise econômico-financeira de longa duração. Pelos casos analisados, crise nos países centrais e periféricos favoreceu o agronegócio Cafés do Brasil. Obviamente a escassez de oferta dos lavados e a explosão em suas cotações, concorreram para uma maior procura pelo produto brasileiro. Todavia, também houve um trabalho consistente de melhoria da qualidade e da reputação de nosso café com maior aproximação dos importadores junto às organizações dos cafeicultores dos diversos cinturões do país.
Há imenso padecimento em diversos cantos do globo. Isso não traz grandeza a ninguém. Mas se o mundo quer mais café que seja do Brasil. Nossa mais correta postura é PRODUZI-LO! Uma parte da resposta para esse colapso econômico virá dos bons negócios que venham a ocorrer com o café e é disso que a economia mundial necessita. Quem poderá garantir que não estamos vivenciando um capítulo crucial da consolidação do complexo agroindustrial do café assim como ocorreu com o citrícola, que um quarto de século depois de seu impulso inicial, galgou à liderança mundial. Desiderato; pode ser. Ao alcance do cafeicultor brasileiro; de suas organizações produtivas; da pesquisa; das políticas públicas; das estruturas de financiamento; da indústria, da exportação, enfim de todo o agronegócio encontra-se: PRODUZIR MAIS E MELHOR!
1 Esse artigo contou com o prestimoso apoio do técnico Eduardo Heron Santos pertencente ao quadro do CECAFE.
2 Das quais, aproximadamente, 104 mil sacas somente na Itália.
3 A hipótese formulada somente pode ser definitivamente comprovada por meio de levantamento das importações de todas origens por parte da Alemanha. Aumento das importações de lavados não é crível, tendo em vista a elevada escassez do tipo e as cotações que alcançaram. Sobra o Vietnã como um possível exportador que tenha incrementado os embarques para a Alemanha. Fica aqui a pista para outros investigadores explorarem o assunto.
4 Diferença entre 2.582.306 sc contabilizadas em 2011 e 2.320.957 sc em 2010.
5 Com exceção de Portugal, todos os demais relacionados nessa análise tiveram queda nas importações de arábica.
CELSO LUIS RODRIGUES VEGRO
Eng.Agr., MS em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola
celvegro@iea.sp.gov.br