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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Um viva àqueles que veem o meio copo vazio o tempo todo

Um viva àqueles que veem o meio copo vazio o tempo todo
Nos negócios, o otimismo é bom e o pessimismo é ruim. O otimismo tem o monopólio do sucesso, da felicidade e até mesmo sobre a longevidade. Os pessimistas, com seus rostos longos e pensamentos obscuros, são párias, não servem para nada no entusiasmado mundo corporativo, exceto talvez para fazer carreira no jornalismo (onde notícias ruins são notícias boas). De outro modo, eles podem escolher entre a poltrona, o banheiro ou o circuito de comédia.Mas agora o pessimismo pode estar voltando ao "mainstream". A reviravolta ocorreu recentemente, quando o guru da administração Tom Peters comentou entusiasticamente no Twitter sobre um livro que enaltece o pensamento negativo. Trata-se de algo extraordinário para um homem cujo lema é um colorido ponto de exclamação e que, por décadas, vem se mostrando otimista da forma inflexível e cansativa. O fato do inventor do "Wow!" e do "Brand Me" estar agora se interessando pela negatividade é a coisa mais emocionante que tomei conhecimento em muito tempo.Ao contrário de Peters, eu nasci pessimista. Sempre espero que um temporal súbito venha a estragar todas as festas de verão; sempre acho que toda iniciativa acabará em fracasso; pelo menos metade dos vestidos do meu guarda-roupa é da cor cinza. Não fosse pelo fato de que nunca comemoro nada antecipadamente, para o caso de não acontecer, eu estaria pulando de alegria com a ideia de que pessoas como eu serão reabilitadas.Fui correndo averiguar o livro recomendado por Peters, escrito por Julie Norem, uma professora de psicologia do Wellesley College. Ela passou 18 anos fazendo uma pesquisa cuidadosa apenas para chegar à conclusão lógica - ainda que um tabu -, de que é uma boa ideia pensar em tudo o que pode dar errado antes de embarcar em qualquer coisa. Infelizmente, ela limitou seu alcance a pessoas que são ansiosas. Mas me parece que ela deu de cara com uma verdade com aplicação universal.Numa infelicidade ainda maior, os editores disfarçaram a mensagem ligeiramente subversiva com um título estupidamente otimista: "The Positive Power of Negative Thinking: Use Defensive Pessimism to Harness Anxiety & Perform at Your Peak" (algo como "O Poder Positivo do Pensamento Negativo: Use o Pessimismo Defensivo para Controlar a Ansiedade & Melhore seu Desempenho"). Mesmo assim, Roma não foi destruída em um dia, e talvez a professora Norem tenha preparado o mercado o suficiente para a negatividade para o livro que eu mesma gostaria de escrever (se Peters não chegar lá primeiro). Eu poderia intitulá-lo: "Por que as Coisas Sempre Dão Errado no Trabalho e o que Fazer Quando Isso Acontece".O problema com os otimistas é que eles não se saem bem num mundo complicado. Nos campos de prisioneiros de guerra do Vietnã, os que morriam primeiro eram os que tinham pensamento positivo: eles realmente esperavam estar em casa no Natal e desmoronavam quando isso não acontecia. É claro que o mundo dos negócios não é exatamente como um campo de prisioneiros de guerra, uma vez que você pode sair para tomar um cafezinho e depois dormir no conforto de sua cama à noite. Mas ele pode ser cruel e impiedoso e uma coisa ruim pode acontecer após a outra. Estar sempre preparado para o pior me parece ser o único curso de ação inteligente. Woody Allen explica melhor: "Confiança é o que você tem antes de entender o problema".Muito embora uma reabilitação dos pessimistas seja bem-vinda, não há muito sentido em forçar a barra nos livros de autoajuda. Otimistas e pessimistas nasceram desse jeito; não há mudança que possa ser feita com uma ou duas dicas de um livro. A única mudança vem com o tempo, que tende a amenizar todos os extremos. Acho que sou um pouco menos pessimista do que há 30 anos, pois descobri que, de vez em quando, podemos muito bem ignorar as coisas. Os otimistas eventualmente descobrem o inverso - e talvez uma versão drástica disso tudo é o que está acontecendo com Tom Peters (que também deu para fazer comentários infelizes sobre Madre Teresa de Calcutá no Twitter, o que não é um bom sinal).Em todo caso, é estupidez discutir qual é a melhor visão de mundo quando ambas claramente são necessárias o tempo todo. Toda organização e toda parceria deveria ser cuidadosamente balanceada para incluir os otimistas e os pessimistas. Um casamento também precisa dos dois - minha própria experiência me ensinou que é bom ter um otimista que apareça com intermináveis planos para passeios, e um pessimista para descartar as ideias mais malucas e temperar o resto com paracetamol e guarda-chuvas.As empresas precisam dos dois ainda mais, para obter a mistura certa de ousadia e cautela. A diversidade de otimistas e pessimistas é a mais importante que existe e deveria ser ativamente perseguida nos conselhos e em todos os níveis inferiores. Os pessimistas corporativos deveriam ser desestigmatizados e chamados para fora do armário. Acima de tudo, eles deveriam parar de fingir que veem o copo meio cheio apenas para se enquadrar. Eles deveriam se orgulhar de declarar que, para eles, o copo estava meio vazio o tempo todo. Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".

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