Um Norte para a América do Sul
No final de junho foi realizada no Paraguai a 41. Reunião de Cúpula do Mercosul. A julgar pela mínima densidade e repercussão do evento, ainda mais diante do retorno da exigência pelo Brasil de licenças prévias de importação em resposta às escaramuças protecionistas da Argentina, fica a sensação de que o bloco completou vinte anos de criação aquém da estaca zero.Interessante é que de 1991 para cá, o padrão de competitividade dos países sul-americanos mudou radicalmente, fazendo da integração econômica do sub-continente um projeto estrategicamente ainda mais importante. Na medida em que as mudanças institucionais liberalizantes, indistintamente adotadas em todo o sub-continente, foram produzindo seus efeitos, viu-se, de modo geral, um significativo recuo da produção industrial com o aumento da dependência dessas economias à renda e divisas geradas por atividades ligadas à recursos naturais tradicionais, como foi o caso do petróleo na Venezuela ou novos, como foi o caso da fruticultura ou da criação de pescados no Chile. A exceção foi, ou vinha sendo, o Brasil. Diferentemente do que ocorreu nos vizinhos, que fizeram seus movimentos de abertura sob a égide de regimes militares, no Brasil os primeiros passos do processo de liberalização econômica coincidiram com a redemocratização do país. A nova constituição de 1988, chamada de cidadã pelas forças políticas que a concretizaram, teve como característica consagrar direitos que fizeram do Brasil uma nação com um grau de proteção social incomparavelmente superior aos países de igual nível de desenvolvimento. As inevitáveis tensões e contradições entre o projeto econômico neoliberal em ascensão e o novo pacto social consagrado na Lei Maior limitaram a amplitude e a profundidade do receituário de liberalização comercial - liberalização financeira - desregulamentação - privatização praticado no país, propiciando que a indústria brasileira conseguisse sobreviver, mantendo um grau significativo de integridade e diversificação. Depois da 41 reunião, fica a sensação de que o Mercosul completou vinte anos de criação aquém da estaca zeroPorém, nem por isso o processo de liberalização da economia brasileira deixou de trazer impactos bastante visíveis sobre a economia nacional. De acordo com os dados da Secex, entre 1989 e 2010, os valores exportados pelo país multiplicaram-se por seis, indo de US$ 26,3 bilhões para US$ 157,5 bilhões enquanto as importações tornaram-se 12,3 vezes maiores (US$ 12,3 bi e US$ 151,7 bi, respectivamente). Assim, a corrente de comércio, a soma das exportações e das importações (um indicador de grau de abertura da economia) em 2010 foi oito vezes maior do que em 1989 enquanto o saldo comercial, a diferença entre exportações e importações (um indicador de competitividade) foi somente 42% do obtido no ano inicial do período mencionado. Dois anos são marcantes na trajetória do saldo comercial, ambos relacionados à evolução da taxa de câmbio: primeiro, o ano de 1998, o último em que vigorou o regime de câmbio fixo apreciado da primeira fase do Plano Real, no qual o resultado comercial foi negativo em US$ 6 bilhões; segundo, o ano de 2005, quando reinicia o processo de apreciação cambial que perdura até hoje, que apresentou um saldo comercial de US$ 40,1 bilhões. Mesmo sem querer onerar o leitor com mais números, vale a pena olhar essa evolução de um ângulo mais estrutural. No que respeita às commodities agroindustriais, viu-se um contínuo crescimento das exportações e uma quase manutenção dos montantes importados. Com isso, o saldo que era de US$ 4,2 bilhões em 1989 foi para US$ 41,6 bilhões em 2010. Parecida, mas não igual, foi a evolução das commodities industriais. Para um saldo de US$ 4,6 bilhões em 1989, chegou-se em 2010 com US$ 18,9 bilhões, mas não sem antes ter se verificado um recuo para apenas US$ 1,9 bilhão em 1998, sugerindo que mesmo essa família de produtos não é insensível ao câmbio. A diferença é explicada pela elevação dos preços desses bens que vem ocorrendo nos últimos anos. Completamente distinto é o quadro exibido pelas indústrias manufatureiras, sejam os setores tradicionais, sejam os setores de maior conteúdo tecnológico. Ambos chegaram a 2010 em posição deficitária, os primeiros com saldo negativo de US$ 3,9 bilhões, os segundos, igualmente negativos, de US$ 50,7 bilhões ante saldos de US$ 3,5 e US$ 1,5 bilhões em 1989, respectivamente. Cabe observar que as indústrias tradicionais haviam conseguido não entrar em déficit na rodada de apreciação cambial do final da década de 1990, sugerindo que deve-se acrescer o efeito China para explicar a perda de competitividade mais intensa observada no período recente. É exatamente em função desse quadro que o Mercosul e a América do Sul ganham relevância para a economia brasileira. Além de preservar o importante papel que a região desempenha como escoadouro da produção de bens de maior conteúdo tecnológico do Brasil, objetivo semelhante precisará ser buscado para os bens produzidos pela indústria tradicional. Para isso, a agenda de negociações entre os países sul-americanos precisa superar a fase das medidas restritas à regulação do fluxo de bens intra e extra-bloco. É necessário incluir com o mesmo peso a dimensão dos fluxos de serviços e investimentos, da energia e da infraestrutura dentre outras requeridas para o aprofundamento da integração produtiva desses países. Considerando-se o que se conseguiu avançar em 20 anos, os sócios do Mercosul, fundadores e novatos, precisam acordar para essa realidade e dar um Norte para tão importante iniciativa. David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ.
Nenhum comentário:
Postar um comentário