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quarta-feira, 27 de julho de 2011

O G-8 e o desalinhamento deste século

O G-8 e o desalinhamento deste século
Na última década, o mundo sofreu uma grande transformação: entre 2000 e 2010, a participação no PIB mundial das três principais economias emergentes - China, India e Brasil - dobrou. Tal evolução reflete não somente as mudanças que ocorrem dentro dessas economias em desenvolvimento, mas também entre elas. Mais chineses têm visitado a África nos últimos dez anos do que europeus nos últimos 400! A participação da China no comércio mundial foi de 2% em 1990, abaixo de 4% em 2000 e, agora, está em 11%. Entre 2000 e 2010, as exportações do Brasil para a China aumentaram cerca de 20 vezes - antes, a China era um pontinho distante no horizonte comercial brasileiro e hoje é seu maior parceiro comercial, superando os EUA e a UE.O otimismo nas economias emergentes contrasta com a melancolia na UE, Japão e EUA. Devido à crise na Zona do Euro, a Europa está em situação pior do que as economias do Leste Asiático na crise financeira de 1997/98, quando autoridades ocidentais expressaram descontentamento com o "capitalismo de compadres" da Ásia. O declínio da Europa como força econômica parece irreversível também por razões demográficas: a proporção dos europeus em relação à população mundial caiu de 25%, em 1900, para menos de 10% em 2011. Segundo estatísticas do FMI, a fatia do PIB mundial da Europa (em paridade de poder de compra) diminuirá de 25%, em 2000, para 18%, em 2018.Se um marciano visitasse Deauville, resort-sede da recente reunião do G-8 no final de maio, ele dificilmente teria notado essas mudanças profundas. O G-8 foi realizado na Europa, sob um presidente europeu (Sarkozy), dominado por países europeus, que apoiaram uma candidata europeia (Christine Lagarde) para suceder Dominique Strauss-Kahn, outro ex-ministro das finanças francesas, na chefia do FMI. Os europeus argumentam que a razão de se ter um líder do próprio continente se deve à tradição de haver um europeu no FMI e um americano no Banco Mundial, e ao fato de que 80% dos empréstimos do FMI são destinados à Europa, onde há maiores riscos.O desenvolvimento das sociedades depende de sua propensão a se adaptar e da qualidade de sua governança. A composição do Conselho de Segurança da ONU reflete as realidades de 1945; a OMC está estagnada e incapaz de concluir sua atual rodada de negociações (Doha).Seguindo essa lógica, um mexicano deveria ser líder do FMI na época da crise do México, um asiático no momento da crise do Leste Asiático, etc. E quanto à "tradição", bom, tradições têm de se adequar aos tempos. Sociedades incapazes de se adaptarem, inevitavelmente degeneram. Esse foi o caso da China, por cerca de 200 anos. Até que o país abraçou a globalização no final de 1970 - e não olhou para trás desde então.O desenvolvimento das sociedades depende de sua propensão a se adaptar e da qualidade de sua governança. Embora as tecnologias e os mercados tenham mudado, evoluções na governança global, com poucas exceções, não aconteceram. Enquanto as posições entrincheiradas - como a direção do FMI - foram zelosamente guardadas.A composição do Conselho de Segurança da ONU reflete as realidades em 1945; e as perspectivas de mudança são extremamente improváveis. A Organização Mundial do Comércio está estagnada e incapaz de concluir sua atual rodada de negociações (Doha), enquanto o mundo real do comércio está crescendo em inúmeras novas direções.O G-6 foi fundado em 1975 (no ano seguinte tornou-se o G-7, com o Canadá). Naquele ano, a ideia de reunir informalmente os líderes das principais economias do mundo para resolver problemas e estabelecer confiança fazia muito sentido. Após trinta anos de crescimento pós-guerra e de emprego quase pleno, a crise do petróleo de 1973 provocou enorme impacto, resultando na pior crise econômica desde a década de 1930. França, Itália, Alemanha, Reino Unido, EUA, Canadá e Japão eram, sem dúvida, os maiores poderes econômicos. China, India, Brasil e todas as outras economias emergentes, bem como os estados comunistas, não figuravam entre eles e não eram vistos em fóruns oficiais ou não oficiais (ex: Davos).Uma boa ideia em 1975, no entanto, tornou-se obsoleta em 2000. Em 2008, quando surgiu a recessão mundial, havia um elemento de inovação na primeira cúpula do G-20: em Washington, em novembro; seguida por outra reunião em Londres, em abril do ano seguinte. Ambas as reuniões do G-20 tiveram impacto na mitigação dos efeitos da "grande recessão". Esse é um bom exemplo de inovação institucional e adaptação.Desde então, porém, o G-20 tem passeado sem objetivo, com muita retórica e pouca legitimidade. Tenho comparado o G-20 com o drama do autor surrealista Luigi Pirandello, em sua peça "20 personagens em busca de um autor". Estão todos no palco, mas não têm o script.Os problemas do G-20 são agravados pela persistência do G-8. O último tem tentado se projetar como o "autêntico", ao passo que o G-20, com todos seus novos ricos - como India, China, Coreia, Brasil, México, África do Sul, Turquia, etc. - são meramente figurantes.No mundo interconectado de hoje há uma grande preocupação com o desalinhamento entre as novas realidades e as estruturas de governança obsoletas. O alicerce da economia mundial recuperou-se dinamicamente da recessão em muitas áreas do mundo, a maioria em economias emergentes. A base da governança, no entanto, permanece fraca. É provável que haja outros choques na economia global nos próximos anos. Já que tantos negócios estão se direcionando para o mundo em desenvolvimento, a abolição do G-8 e o fortalecimento do G-20 seria um passo construtivo na direção certa. Acabar com a "tradição" de um europeu chefiando imperativamente o FMI seria outro.A incapacidade de modernizar e fortalecer a governança e as instituições globais pode sair extremamente caro. É melhor agir agora. Jean-Pierre Lehmann é professor de International Political Economy no IMD e diretor fundador do Evian Group no IMD.

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