Segredos escandalosos de uma relação cinquentenária
Mais um escândalo financeiro. Mais uma acobertação pelas autoridades reguladoras. Quatro anos atrás, inspetores da principal agência reguladora do setor de auditoria dos Estados Unidos descobriram que a KPMG havia permitido à Motorola registrar uma receita recorde no terceiro trimestre de 2006, graças a uma transação com a Qualcomm, muito embora o contrato só tenha sido assinado no começo do quarto trimestre. Isso não é uma pequena questão técnica. Sem o negócio, a Motorola não teria atingido a meta de lucros do terceiro trimestre.Posteriormente, a autoridade reguladora, o Conselho de Supervisão de Contabilidade das Companhias Abertas (PCAOB, na sigla em inglês), criticou a KPMG por permitira à Motorola contabilizar a receita no momento em que fez isso. A KPMG discutiu a tempestividade da transação com a Motorola e a Qualcomm, mas o PCAOB disse que a firma "falhou ao não obter evidências convincentes de um acerto para propósito de reconhecimento de receita no terceiro trimestre". Em outras palavras, a KPMG não teve um bom motivo para acreditar que o negócio não deveria ter sido registrado no quarto trimestre.No entanto, o conselho supervisor não revelou ao público que isso ocorreu na Motorola. A fabricante de equipamentos de comunicação sem fio, hoje conhecida como Motorola Solutions, não reformulou os lucros para o período em questão. E não há sinais de que a Securities and Exchange Commission (SEC) fez uma investigação da contabilidade da Motorola, muito embora supervisione o conselho e tenha acesso às suas constatações.Tudo isso é rotina para os policiais dos números da América. Desde a criação do PCAOB pela lei Sarbanes-Oxley em 2002, seus inspetores constataram falhas de auditoria por grandes firmas de contabilidade em centenas de companhias abertas dos Estados Unidos. Mesmo assim, sua política é manter em segredo as identidades desses clientes.Do mesmo modo, em agosto de 2008 quando o conselho divulgou seu relatório anual de inspeção sobre a KPMG, ele se referiu à Motorola como "emissor C" na seção sobre o trabalho do auditor para a companhia. Para isso, a Motorola pagou à firma US$ 244,2 milhões de 2000 a 2010.Esta é a terceira coluna que escrevo revelando o nome de um cliente cujas práticas contábeis foram alvo de relatório de inspeção de uma grande firma de auditoria. A Motorola é a maior até agora. Espero que algum informante me passe mais nomes algum dia. Os investidores precisam saber desse tipo de informação.A lei Sarbanes-Oxley autoriza o PCAOB a revelar "informações confidenciais e exclusivas que o conselho julgar apropriadas" nas partes abertas ao público de seus relatórios de inspeção. Portanto, o conselho é que decide se revela ou não os nomes dos clientes, embora a SEC possa prevalecer sobre ele.A identidade da Motorola foi revelada nos cartórios públicos no mês passado como parte de uma ação coletiva movida por acionistas contra a companhia no tribunal distrital federal de Chicago. Os autores da ação, liderados pelo Sistema de Aposentadoria dos Funcionários do Condado de Macomb, em Michigan, entregaram formalmente uma transcrição de um testemunho feito em setembro de 2010 por um auditor da KPMG, David Pratt, que disse que o "Emissor C" era a Motorola. A KPMG não é acusada na ação.Pratt também identificou os clientes da Motorola citados no relatório de inspeção do conselho. Foi seu testemunho que e permitiu descrever as constatações do relatório usando os nomes reais. O conselho de supervisão disse que uma parcela significativa dos lucros obtidos pela companhia no terceiro trimestre de 2006 veio de dois acordos de licenciamento registrados nos últimos três dias do trimestre. Um deles foi o negócio com a Qualcomm, que só foi assinado no quarto trimestre. O conselho também citou outras deficiências na análise pela KPMG da contabilidade da Motorola sobre as transações.A Motorola contabilizou um ganho de US$ 275 milhões no terceiro trimestre de 2006, como resultado do negócio com a Qualcomm, segundo estimativas dos autores da ação coletiva. Eles alegam que todo ele foi registrado numa violação dos princípios contábeis amplamente aceitos. Esse ganho representa 28% do lucro líquido registrado pela Motorola no trimestre.Nicholas Sweers, porta-voz da Motorola, disse que a contabilidade da companhia está dentro dos princípios contábeis amplamente aceitos e que as demonstrações financeiras dos períodos cobertos no relatório de inspeção nunca foram alvo de investigação da SEC. Ele não quis discutir detalhes da contabilidade da Motorola, alegando não poder fazer isso por causa do litígio. George Ledwith, porta-voz da KPMG, não quis fazer comentários. O mesmo aconteceu com Colleen Brennan, porta-voz do PCAOB e John Nester, porta-voz da SEC.Mas a história não termina aqui. Na semana passada, o novo presidente do PCAOB, James Doty, fez um pronunciamento em que disse que o conselho vai analisar o estabelecimento de limites aos mandatos de auditores de companhias abertas. Para provar isso, ele citou dois exemplos que são "irritantes em sua simplicidade", nos quais auditores "falharam em exercer o ceticismo exigido pela profissão e aceitaram evidências nada convincentes".Um dos exemplos bate exatamente com o padrão dos fatos da análise feita pela KPMG em 2006 na Motorola. "Os inspetores do PCAOB constataram em uma grande firma que a equipe de compromisso estava ciente de que um contrato significativo só fora assinado nas primeiras horas do quarto trimestre", disse Doty. "Mesmo assim, o sócio auditor permitiu à companhia contabilizar a transação no terceiro trimestre, o que possibilitou a essa empresa cumprir sua meta de lucros."Doty concluiu o relato dizendo: "A companhia era cliente de auditoria da firma havia 50 anos". A KPMG é auditora da Motorola desde 1959; ela era auditora da Motorola havia 47 anos na ocasião do negócio com a Qualcomm.Se Doty e seus colegas estão de fato interessados em proteger os investidores, eles deveriam deixar de tanta timidez e começar a citar nomes. Jonathan Weil é colunista da Bloomberg News.
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