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quarta-feira, 1 de junho de 2011

O projeto dos 5 milhões de investidores da BM&FBovespa

O projeto dos 5 milhões de investidores da BM&FBovespa

Acho que o projeto da BM&FBovespa para aumentar o número de investidores pessoa
física dos atuais 600 mil para cinco milhões até 2015 está fadado ao fracasso.
Desde que começou a campanha institucional com Pelé, o rei do futebol, como
garoto propaganda, o numero de investidores cadastrados só fez cair. É
coincidência? Acho que sim.
É bem verdade que Pelé e bolsa de valores combinam tanto quanto o doutor
Drauzio Varella e propaganda de motocicleta. Mas o número de investidores
diminui porque a bolsa vem caindo nos últimos tempos - e nós só compramos na
alta.
O brasileiro sabe pouco sobre bolsa de valores ou investimentos. Somos mal
educados, culturalmente falando. Não respeitamos o sinal, o estacionamento para
deficientes, o lugar no metrô para os idosos, e até na caminhada matinal não
conseguimos ficar muito tempo do lado direito.
Outro dia no metrô, eu ia pelas escadas rolantes e o lado esquerdo parado
obrigava as pessoas a subirem os degraus pelo lado direito. Quando passei pelo
rapaz que tranquilamente descansava, até porque a escada é rolante para isto,
lhe falei que para ficar parado o lado certo era o da direita. Ele se limitou a
dizer que estava no seu direito de ficar onde bem entendesse e que não tinha
que dar satisfações a ninguém.
E essa é a nossa mentalidade. Achamos que ser livres e desenvolvidos é ter
nossas próprias regras, é fazer o que der na telha. E por que não, já que no
Planalto Central as coisas funcionam exatamente dessa maneira?
Voltando ao assunto, não existe qualquer projeto de educação financeira em
nível institucional no Brasil. A BM&FBovespa apenas ensina a como comprar
ações. Estamos crescendo e copiando modelos sem saber por que e para quê
servem, e sequer seus prós e contras.
As corretoras se engalfinham tentando laçar clientes com cursinhos relâmpagos
nos quais mostram sub-repticiamente que a bolsa é apenas para os vencedores, os
sortudos e os imediatistas.
O home broker existe para o cliente que gira muito a sua carteira, não para
investidor. O poder de comprar e vender sem nenhuma interferência dá a falsa
impressão de que ganhar é fácil e rápido. O "investidor" é aquele que escolhe
criteriosamente suas empresas, compra as ações e espera não só a valorização,
mas principalmente os dividendos.
Mas ainda vemos estudos recentes que mostram que o Rio de Janeiro tem o
penúltimo pior nível de ensino brasileiro e que o país, apesar de possuir o
sétimo PIB mundial, está entre os 15 piores países em um universo de 65 quando
o assunto é educação.
É verdade que não adianta ensinar educação financeira para quem não tem
dinheiro e não sabe fazer conta. Temos que aprender muitas outras coisas antes
de saber a diferença entre investir e especular. Na minha opinião, a
BM&FBovespa deveria mandar o Pelé vender qualquer outra coisa e se engajar numa
política mais séria voltada para o investidor e não para as instituições
financeiras.
O tema da campanha da BM&FBovespa " Seja sócio das melhores empresas" é ótimo e
pode ser desenvolvido, desde que com mais paciência e visão de longo prazo.
Pois esta atual visão imediatista tanto da bolsa como das corretoras fará
inevitavelmente que, em 2015, tenhamos menos de 500 mil investidores e quase
nenhuma corretagem para dividir entre os "players".
Uma parceria com o Ministério da Educação para incluir a educação financeira na
grade de ensino, desde o fundamental até o ensino superior, deveria ser
primordial. Temos que introduzir a cultura da poupança em vez de apenas
incentivar a gastança e o endividamento.
Devemos formar investidores em empresas e não aplicadores em bolsa de valores.
O investidor que opta por receber dividendos, que é a parcela do lucro da
empresa que reverte ao acionista, não fica girando sua carteira no mercado
diariamente. Uma boa base de investidores poderá dar sustentação para um
crescimento consistente no número de novos cadastros e quem sabe conseguir
chegar perto de dois milhões até 2015.
Enquanto não tivermos uma campanha séria, de longo prazo e isenta, o universo
de investidores crescerá, na melhor das hipóteses, a taxas vegetativas, e nem a
seleção brasileira completa de 70 conseguirá o milagre dos cinco milhões em
ações.
Fernando Leitão da Cunha é diretor de renda variável da HOYA C.V.C. Ltda.
E-mail fernandoleitao@hoya.com.br
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O
jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações
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informações.

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