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quarta-feira, 1 de junho de 2011

As falhas do governo no debate do Código Florestal

Mais do que exprimir uma feroz disputa entre parlamentares ruralistas e
ambientalistas, a votação da reforma do Código Florestal na Câmara mostrou as
dificuldades do Palácio do Planalto em coordenar a miríade de interesses
partidários em sua coalizão partidária no Congresso.
Se a votação do novo valor do salário mínimo, em março, já não prenunciava céu
de brigadeiro para o governo, que foi obrigado a driblar velhas insatisfações
no varejo parlamentar, a abordagem da Presidência no caso do código deu motivos
a uma rebelião em sua confortável maioria na Câmara, em boa parte composta por
deputados ligados ao campo.
O equívoco inicial do governo foi ter apostado que a lentidão do rito
parlamentar jogaria a seu favor. Não jogou. Nas mãos de um dos mais tarimbados
integrantes da Casa, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o texto ganhou vida
própria ao longo dos meses de audiências públicas promovidas pela comissão
especial do código. Em dezenas de viagens país afora, os deputados criaram um
consenso sobre a necessidade de reformar a lei ambiental, em vigor desde 1965.
Até mesmo ONGs ambientalistas concordaram. Mas o governo Dilma Rousseff não
agiu na comissão especial para circunscrever possíveis danos. Preferiu tratar o
tema apenas com técnicos dos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura.
A presidente deixou a discussão avançar sem fazer a mediação entre as
representações parlamentares, ambas a serviço do governismo no Congresso.
Apostou na força de sua caneta, mas deixou brechas para a insurgência de sua
base. A política de nomeações "a conta-gotas" no segundo escalão e a retenção
dos recursos das emendas parlamentares estimulou animosidades entre aliados.
Se chegou tarde ao debate técnico sobre o novo código, o Planalto também atuou
mal ao pretender "zerar o jogo" quando as negociações políticas já estavam
adiantadas. A maior parte dos aliados do governo sentiu-se negligenciada pelo
Planalto em seus "sentimentos" ao ver rejeitado, na essência, o primeiro
projeto nascido da iniciativa da Câmara em muitos anos.
Acostumado ao conforto das medidas provisórias, o governo parece ter perdido a
embocadura para negociar grandes projetos do país. O discurso ameaçador do
líder governista, Cândido Vaccarezza (PT-SP), na tribuna da Câmara, na noite da
votação do código, traduziu a malsucedida tentativa de submissão dos aliados no
Congresso. A fragilidade política do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio
Palocci, arruinou a pouca interlocução remanescente entre deputados e governo.
Ao perceber que se ficasse com o governo perderia a votação, o líder do PMDB,
Henrique Alves (RN), encabeçou um "acordão" dos aliados, à exceção do PT, para
aprovar o texto redigido pelos deputados, e não pelo Planalto.
Muito além dos bastidores do Congresso, o que está em jogo no caso do Código
Florestal é a capacidade de interpretação da realidade pela gestão Dilma
Rousseff. O embate entre ruralistas e ambientalistas tem encoberto a real
dimensão da nova lei ambiental. Cabe ao governo restabelecer o mínimo de bom
senso na discussão das regras de preservação ambiental e a produção de
alimentos no país. A presidente interveio no debate muito tarde, e somente às
vésperas da votação na Câmara manifestou discordância sobre quais pontos não
admitia como parte do novo código. Até agora, porém, não apresentou ao país os
detalhes de sua proposta.
A presidente não obteve, até aqui, um consenso interno sobre a amplitude dos
benefícios às chamadas áreas de interesse social, utilidade pública e baixo
impacto ambiental, onde as atividades rurais serão permitidas e estimuladas.
Considera que a classe média urbana, sobretudo aquela franja emergente dos
grandes centros, tem especial apreço por medidas duras contra desmatamentos e
pela preservação da floresta. Mas também sabe da necessidade de garantir
alimento farto e barato aos novos consumidores em meio a um cenário de demanda
externa em alta, estoques mundiais em baixa e de inflação à espreita.
No Senado, onde sua base é, teoricamente, mais sólida, Dilma terá a chance de
dizer ao país qual marca pretende imprimir a seu governo em um momento de
encruzilhada ambiental e alimentar.

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