A seca e a cafeicultura: o que a fisiologia vegetal tem a explicar
Prof. José Donizeti Alves
Em vista dessa catástrofe que a cafeicultura brasileira está vivendo, gostaria de acrescentar alguns pontos que ainda não foram discutidos ou se foram, foi feito de maneira hipotética.
Muita coisa já se falou sobre os efeitos da seca na produção do café. E eu, me desculpe o trocadilho, não quero “chover no molhado”. O fato que ninguém contesta é que essa anormalidade meteorológica havia décadas não se manifestava. Pelo menos em termos de intensidade e durabilidade. Infelizmente dessa vez ela veio acompanhada de temperatura e luminosidade extremamente altas e ocorreu/ocorre em fases fenológicas das mais exigentes em termos de água, temperatura e luminosidade adequada.
As consequências práticas disso tudo também já foram mostradas e debatidas nesse espaço. Em termos de produção o que se vê é escaldadura das folhas; frutos pequenos, desidratados com descolamento do pergaminho (endurecido) da semente, mumificados, grãos mal formados, altíssima percentagem de grãos chochos. Todas essas anormalidades fisiológicas devem ser vista como BASTANTE ELEVADAS. Esta é a diferença fundamental dessa seca com as outras em anos passados. Ou seja: sem qualquer intenção de ser alarmista ou partidário do “quanto pior melhor”, a situação da cafeicultura brasileira desta vez é extremamente grave. Conclusão óbvia: a safra de 2014 está fortemente comprometida tanto em termos de quantidade quando de qualidade. Em minha opinião, depois de visitar várias regiões cafeeiras, deduzo que a perda vai variar entre 20 a 45% dependendo da região.
Em termos de crescimento vegetativo, a seca e o calor vieram em uma época de pleno crescimento de folhas e ramos. Portanto, ele também foi prejudicado. Isso equivale a dizer que a safra de 2016 também sofrerá reflexos negativos dessa estiagem. Como a fase de floração (não de florescimento) vai se iniciar nas próximas semanas, provavelmente, teremos problemas de indução de gemas reprodutivas o que vai refletir negativamente também na safra de 2015. Mas isso são assuntos para outra análise.
Preocupado com o momento atual, minha equipe foi ao campo (antes dos chuviscos da semana passada) para fazer um mapeamento da copa do cafeeiro mensurando vários parâmetros fisiológicos em um gradiente horizontal (da ponta dos ramos até o interior da copa, próximo ao tronco) e vertical (do ápice das plantas até a base da saia). Os dados estão sendo copilados, pois são objetos de uma dissertação de mestrado, mas preliminarmente revelaram aspectos interessantes e ainda não publicados na literatura cafeeira.
As folhas que às 5 horas da manhã tinham uma temperatura média de 21 °C (vejam que a noite estava quente) às 15 horas da tarde este valor subiu para 38°C. A temperatura da saia próxima ao tronco nesta mesma hora era de 33°C. Essas altas temperaturas, irá comprometer seriamente a fotossíntese, como se vera mais adiante.
O potencial hídrico que revela o grau de hidratação da planta, ou seja, a água que pode realizar trabalho, medido às cinco horas da manhã estava em -1,1 Mpa. Isto equivale a dizer o cafeeiro não recuperou à noite, a água perdida durante o dia. Isso porque a quantidade de água armazenada no solo não foi suficiente para tal. E para piorar, detectamos intensa morte de radicelas. De meio-dia até às 15 horas da tarde, o potencial hídrico tornou-se extremamente baixo atingindo, valores de -2,3 MPa. Este valor, para certas culturas significa “murcha permanente” ou morte da planta. Para o cafeeiro, segundo inúmeras pesquisas, é um valor que causa sérios danos, como queda na fotossíntese e translocação de carboidratos, murcha e queda de folhas, seca dos ponteiros, morte de raízes, queda no número e no rendimento de colheita, entre outros. O mais importante, o cafeeiro não morre e com a volta das chuvas ele recupera sua turgescência. Mas os danos causados pela perda de matéria seca (queda de folha, frutos e seca dos ponteiros) são irreversíveis.
Às nove horas da manhã, a fotossíntese, como é de se esperar, era a mais alta, mas o seu valor nas folhas da saia, foi em média, 64% menor quando comparado com aquelas do ápice. Da mesma maneira, as folhas mais internas da copa fotossintetizaram 54% menos que aquelas expostas ao sol. A partir dessa hora, a fotossíntese caiu substancialmente e às 15 horas, a região da copa com fotossíntese máxima apresentou uma taxa 75% menor quando comparada com a fotossíntese dessa mesma região as 9 horas. As folhas mais internas da copa, bem como as mais baixeiras, apresentaram taxas fotossintéticas próximas a zero.
Resumindo, considerando toda a copa do cafeeiro, a fotossíntese na maior parte do tempo operou em taxas extremamente insatisfatórias e em certos momentos negativa. Isso que dizer que o aporte de carbonos para o crescimento da planta, que equivale aos tijolos de uma parede em construção foi mínimo e em alguns casos, foram quebrados. E para quem entende pelo menos um pouco de bioquímica de plantas vera que esse ganho de carbono é suficiente apenas para a manutenção da planta viva. Muito pouco ou quase nada vai sobrar para o crescimento da planta, ou seja, se fosse uma construção não teria novas paredes e em alguns caso, haveria parede demolidas.
Com base nesses dados, agora, respondendo a inúmeras consultas que me fizeram, penso que, mesmo que as chuvas voltem, não haverá tempo suficiente (até que a estação seca e fria chegue) para o “enchimento dos frutos” e isso equivale a dizer que aquele espaço vazio, que muitos estão observando quando cortam os frutos transversalmente, não serão mais preenchidos, ou se forem, será muito pouco. Concluindo, a perda de rendimento na colheita, como muitos estão, empiricamente supondo, vai acontecer, com toda a certeza.
Essas minhas colocações vem no sentido de dar uma satisfação às pessoas que me perguntam por que até agora não me manifestei. Não o fiz, pois estava coletando dados de campo para poder fazer a afirmação que fiz no paragrafo anterior. Para não me prolongar mais, nos próximos dias darei continuidade ao assunto.
Prof. José Donizeti Alves
Universidade Federal de Lavras
Departamento de Biologia
Setor de Fisiologia Vegetal
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