O governo não desistiu do câmbio
Com a aceleração inflacionária recente na América Latina e na Ásia, tem sido
comum a leitura de que os governos deixarão o câmbio se apreciar, compensando
parte dos efeitos das altas de preços de commodities. A lógica desse argumento
é que os políticos estariam menos sensíveis aos impactos negativos da
apreciação cambial sobre a competitividade do país em virtude da necessidade de
se combater um inimigo mais importante, a inflação.
O mesmo raciocínio tem sido aplicado ao Brasil. Há um quase consenso no mercado
financeiro de que a política cambial permitirá taxas mais apreciadas a partir
de agora. De fato, a presidente Dilma Rousseff tem afirmado publicamente a
prioridade do combate à inflação.
Do ponto de vista econômico faz sentido apostar em uma mudança de estratégia da
política cambial. Não apenas o câmbio reduz as pressões inflacionárias, mas os
fundamentos econômicos sugerem um real forte. A liquidez global, os preços de
commodities, o risco econômico e os diferenciais de juros e crescimento abrem
espaço para uma moeda mais apreciada.
Além disso, em um contexto de necessidade de financiamento externo com
incerteza global, medidas mais fortes de controle de capital são arriscadas.
Uma alta nos juros internacionais ou um aumento da aversão ao risco global
podem diminuir a atratividade da economia brasileira e elevar o risco do
financiamento do déficit em conta corrente. Da mesma forma, os custos fiscais
da manutenção de reservas internacionais elevadas não são desprezíveis. Sem
soluções extremas, o arsenal e a eficácia de medidas se esgotam com o tempo: os
mercados antecipam fluxos e passam a atribuir maior peso aos fundamentos que à
capacidade de intervenção do governo.
A democracia brasileira ensina que as condições de renda são centrais para
explicar os níveis de aprovação do governo
Politicamente, no entanto, é prematuro supor que a luta contra o câmbio
apreciado e a estratégia intervencionista tenham chegado ao limite. Há vários
indícios de que o "DNA" deste governo o torna sensível ao câmbio. A indústria
brasileira, que já vem sendo pesadamente penalizada pelas baixas condições de
competitividade sistêmica do país, assiste a uma queda importante na
rentabilidade de suas exportações. Diferentemente do agronegócio, os preços
internacionais não são favoráveis. O setor industrial, além disso, percebe um
aumento da competição local com o aumento das importações. Os temas da
desindustrialização e da doença holandesa, ainda que inconclusos, são cada vez
mais populares dentro e fora do governo.
Além da preocupação com a competitividade, o Banco Central tem seguido um
debate internacional e defendido a tese de que o controle cambial atende a
demandas prudenciais: ingressos excessivos de capitais tornam câmbio e crédito
vulneráveis a mudanças de humor externas, podendo gerar impactos indesejados
sobre o crescimento.
Desse modo, embora a inflação tenha mudado o discurso oficial, é cedo para
dizer que as preocupações com o crescimento e a indústria já estejam em segundo
plano. Mesmo que se tenha deixado de defender um patamar específico para a taxa
de câmbio, dificilmente se desistiu da luta contra o real forte em nome do
combate à inflação. O receio de se adotar medidas mais drásticas de controle de
capital diante de um cenário externo incerto pode ter convencido o governo a
aceitar, momentaneamente, um câmbio mais apreciado. Isso é diferente de dizer
que a política cambial foi alterada de forma coerente, em nome do combate à
inflação.
Um bom exemplo da falta de consenso dentro do governo sobre o tema cambial é o
fato de o Ministério da Fazenda e o BNDES continuarem propondo medidas para
conter a apreciação da moeda mesmo com a inflação já tendo se transformado em
tema popular.
Novas ações no câmbio, no entanto, dependem tanto do comportamento da moeda
quanto do desempenho da popularidade do governo. A democracia brasileira,
refletindo a experiência internacional, tem ensinado que as condições de renda
são centrais para explicar os níveis de aprovação do governo. Com o mercado de
trabalho aquecido, o aumento da ocupação tem compensado, até agora, a corrosão
inflacionária dos salários, preservando o crescimento da renda real. Com isso,
a presidente ainda reúne capital político suficiente para aceitar taxas mais
elevadas de inflação, permitindo uma postura intermediária entre os incentivos
políticos e econômicos. Por um lado, procura controlar o câmbio nominal e
atende a demandas localizadas. De outro, aceita uma inflação mais elevada e
conduz a uma apreciação em termos reais silenciosa, disfarçada e politicamente
palatável.
Para que haja uma guinada na política cambial e se aceite a livre apreciação da
moeda, seria preciso que a inflação corroesse de modo relevante o poder
aquisitivo da população e a popularidade do governo. Não parece ser o caso
ainda.
A tese de que o pior já passou vem ganhando adeptos e reduzindo o senso de
urgência no combate à inflação. Da mesma forma, dificilmente a aprovação do
governo sofrerá queda mais aguda. Com isso, a "calmaria" na questão cambial
pode ter sido algo temporário. O governo não desistiu do câmbio.
Christopher Garman, diretor para a América Latina do Eurasia Group
Roberto Padovani, mestre em Economia, é economista do Banco WestLB AG
Nenhum comentário:
Postar um comentário