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sábado, 28 de maio de 2011

Choques nos termos de troca e a demanda agregada

Choques nos termos de troca e a demanda agregada

Qual o verdadeiro peso dos fatores externos para explicar o comportamento da
economia brasileira? Olhando para o período pós-crise, por exemplo, se
convencionou explicar a forte recuperação como fruto das políticas anticíclicas
executadas pelo governo. Outra avaliação comum é atribuir a demanda interna
como verdadeiro motor da economia. Enquanto todos entendem que fatores externos
têm sido importantes, o fato de que a corrente de comércio se encontre abaixo
de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) parece ser prova de que é no mercado
interno que encontramos os fatores dinâmicos da nossa economia.
Essa visão da economia brasileira, defendida com igual ênfase tanto pelos
ortodoxos como desenvolvimentistas, está errada. Apesar dos acalorados debates
entre essas correntes, ambas mantêm igual crença no mito de que a força da
economia brasileira surge do mercado interno. Tanto o discurso ortodoxo, que vê
nos excessos fiscais e monetários a causa principal dos problemas
inflacionários, como o discurso desenvolvimentista, que vê nesses mesmos
fatores a razão pelo alto crescimento, erram em não entender que são os fatores
externos que explicam o que temos de bom (maior demanda e crescimento) e de
ruim (maior inflação e câmbio apreciado) na economia brasileira.
A melhor métrica do impacto de fatores externos sobre a economia hoje é a
tendência dos termos de troca, e como esses afetam tanto a demanda como a
oferta agregada por uma variedade de canais. A alta dos preços de commodities
foi desde 2003 importante para melhorar a posição externa do país. Apesar de
alguma melhora nos termos de troca desde 2003, foi somente em 2007 que os
preços das exportações começaram a subir de maneira mais consistente que os
preços das nossas importações, movimento que acelerou depois da crise. De fato,
a diferença entre os preços das exportações e os preços das importações se
encontra hoje mais de 25 vezes maior que a média dessa diferença desde 2000.
Tal movimento representa um fortíssimo incremento de riqueza para o Brasil que
se irradia pela economia. O maior preço das nossas exportações eleva tanto a
renda atual das empresas como o preço das ações.
Só se optarmos por poupar e investir vamos ter no mercado interno uma duradoura
fonte de desenvolvimento
O índice Bovespa, por exemplo, subiu mais de 350% desde 2006 em dólar
americano. Essa grande alta na riqueza nacional gera vários efeitos. Do lado do
consumo, sabemos que este sobe com o aumento da percepção de riqueza, ou "renda
permanente". Do lado dos investimentos, temos na alta dos preços das
exportações o principal fator que levou os níveis do investimento estrangeiro
direto (IED) subir de US$ 18 bilhões em 2006 para US$ 48,4 bilhões em 2010; e
os fluxos de carteiras de US$ 9 bilhões para US$ 63 bilhões no mesmo período.
Tal fluxo, para uma economia com baixa taxa de poupança (média de 17,3% do PIB
desde 2006) tem sido vital para sustentar crescentes níveis de importações sem
pressionar o balanço de pagamentos: o "quantum", ou quantidade, importada desde
2006 subiu 94% enquanto o quantum de exportações aumentou somente 4,4%, o que
ajudou a diminuir o efeito inflacionário da expansão da demanda agregada
durante esse período. Importação de bens de capital é hoje a maior categoria
dessa pauta, representando 22,6% do total.
A queda relativa dos preços desses bens em relação às commodities tem permitido
um maior incremento da capacidade instalada neste período de forte crescimento.
Tudo isso explica a economia consegue crescer nos níveis atuais sem romper a
restrição externa (financiamento do déficit em conta corrente) ou interna
(aumento descontrolado da inflação).
Há outros efeitos que não devem ser menosprezados. A melhora da nossa posição
externa nesses anos, representada, por exemplo, pela alta das reservas do Banco
Central de US$ 54 bilhões em 2006 para US$ 330 bilhões hoje, permite a queda de
volatilidade na economia que gera forte redução nos prêmios de risco,
permitindo a expansão do mercado de crédito. E, finalmente, o governo na sua
função fiscal é um sócio privilegiado de todo esse processo, com suas receitas
subindo de R$ 555 bilhões em 2006 para R$ 853 bilhões em 2010, permitindo um
proporcional aumento dos seus gastos.
Enquanto o efeito do aumento dos termos de troca tem reconhecido papel na
valorização do real, seu lugar na determinação da demanda e, portanto, no nível
de juros merece igual atenção. Em recente estudo mostramos como se pode, com
resultados estatísticos similares, substituir o hiato do produto em uma função
de Taylor com o "hiato dos termos de troca" para explicar o nível da Selic
desde 2006. De fato mostramos como um aumento de 1% no "hiato" da relação de
trocas leva a Selic a subir 0,17%. Esse resultado mostra como o choque externo
tem sido o fator determinante para a economia.
Essa demonstração tem, em nossa opinião, varias consequências para a política
econômica. Primeiro, se a mudança nos termos de troca é a causa exógena do
aumento da demanda agregada, o subsequente aumento no nível de juros e câmbio
são necessários ajustes de equilíbrio. Qualquer tentativa de impedir esses
ajustes via, por exemplo, intervenções no mercado de câmbio, terá efeito
temporário e resultado infrutífero, causando inevitável efeito compensatório no
equilíbrio geral via aumento da inflação.
De fato, a única forma de impedir uma maior pressão sobre o câmbio e a taxa de
juros seria diminuir a pressão sobre a demanda por outros meios, como um menor
nível de gastos fiscais e exuberância do crédito. A preocupante perda de
competitividade do setor de manufaturados deve ser compensada via medidas
microeconômicas, como a maior tributação do excedente de renda dos setores de
commodities. Também temos que estar cientes que todos os mecanismos descritos
acima que nos levaram à atual abundância podem se reverter. Somente se optarmos
por não consumir, mas poupar e investir que vamos poder realmente criar as
condições para que haja no mercado interno uma duradoura fonte de
desenvolvimento econômico.
Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.

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