“As ideias dos economistas e dos filósofos políticos, tanto quando certas como quando erradas, são mais poderosas do que se pensa comumente”
Lorde Keynes
A natureza e causas da formação da riqueza das nações, de sua população, empresas e instituições originou a ciência econômica. Ainda que filósofos tenham se preocupado com a temática, foi somente com Adam Smith ao publicar em 1776 o clássico: “A Riqueza das Nações”, que se constituiu efetivamente o que atualmente conhecemos como economia ou economia política.
Antes de Smith, a grosso modo, a formação da riqueza era tida como um reflexo da estrutura colonial mercantilista em que os dirigentes de uma nação (seus monarcas) empenhavam-se ao máximo em transacionar com o exterior, gerando saldos favoráveis após já debitadas suas necessárias importações. Conclusão dos filósofos: quanto mais elevado o saldo líquido em moeda, tanto mais rica a nação. Smith desbarata tal pressuposição ao determinar que a natureza e causa da riqueza de uma nação centrava-se no trabalho ou, mais bem dizendo, pelo produto per capita. Portanto, mais rica será a nação em que houver a maior produtividade por habitante economicamente ativo. Essa concepção mantém-se verdadeira e é usualmente empregada para determinar as taxas de crescimento econômico observadas a cada ano fiscal.
Outro fundamento surgido com Smith foi o da acumulação de riqueza decorrente da especialização/divisão do trabalho. A produtividade per capita somente poderia ser elevada caso seus trabalhadores (basicamente, naquela época, artesãos e camponeses) fossem peritos em cada etapa do processo de produção. A riqueza de uma nação dependia da sua capacidade em ampliar os mercados aptos em absorver os excedentes gerados pelo aumento da produtividade decorrente da especialização produtiva e divisão do trabalho. Ao favorecerem as trocas mercantis pautadas em segmentos especializados, todos os participantes se beneficiavam do processo que estaria predestinado ao equilíbrio1. Seguidas tais premissas, a trajetória do paradigma smithiano seria o da prosperidade e abundância.
Um quarto de século mais tarde, o pensamento econômico liberal semeado por Smith sofre seu primeiro golpe originado de um reverendo seguidor dessa mesma escola. Malthus ao publicar em 1798 o “Ensaio sobre os Princípios de População que afetam o Desenvolvimento da Sociedade”, que poderia tranquilamente se chamar “A Miséria das Nações”, sugeria, pautando-se em observações sobre a geografia humana e as necessidades de alimento, um futuro nada promissor para a humanidade. Ao postular que a população se expande em crescimento geométrico, enquanto produtividade dos recursos naturais aumenta em taxa aritmética. Tal tese, parcialmente refutada pela realidade, mantém-se em hibernação. Porém, atualmente, se alcançou patamar em que a exploração dos recursos naturais beira a temeridade e já se constata queda no rendimento dos cultivos decorrentes das mudanças climáticas. A problemática em torno da sustentabilidade ambiental, por exemplo, é caudatária dessas ideias e o salto inflacionário do custo dos alimentos, aparentemente, seu retorno mais dramático, pois vem acompanhada de fome de muitos milhões.
David Ricardo testemunhou a I Revolução Industrial e estabeleceu em “Princípios de Economia Política”, oposição entre o setor industrial nascente e o latifundiário rentista. Tornou mais elegante, ao abstrair dos exemplos empíricos, as teses sobre a produtividade do trabalho (destacando o salto representado pela introdução das máquinas) apresentada por Smith e envereda por outros temas como: especialização do comércio internacional (conceito de vantagens comparativas); tributação; regulação e o mercado de trabalho. Sua percepção sobre o potencial das máquinas em oferecer a produção necessária à expansão da população foi seu maior argumento contra a tese de Malthus. Seu posicionamento liberal previa um mundo em constante expansão decorrente da crescente acumulação de capital sem colapsos. Nesse outro aspecto divergia mais uma vez de Malthus, de quem era amigo pessoal, mas que não foi capaz de estabelecer com precisão as origens do ciclo econômico e suas periódicas crises (outra de suas teses incompreendidas à época).
Esses três autores plantaram as mais relevantes teses do liberalismo e nele centravam as bases mais significativas do crescimento econômico2. Todavia esses pensadores concediam papel secundário das instituições e da cultura que foram, porém, o objeto de dois importantes pensadores da história econômica: Alexis de Toqueville e Max Weber.
Toqueville publica em 1835 “A Democracia na América”, a partir de viagem empreendida aos Estados Unidos da América. Utilizando como método de análise a comparação entre sua terra natal, a França, e a nação colonizadora daquele país (Inglaterra), consegue estabelecer diferenças que apontam para vantagem representada pela nascente democracia americana (por meio de sufrágio) face à aristocracia. O estado de direito pautado por espírito cívico; a organização em moldes federativos; a crença no funcionamento das instituições e a igualdade de condições entre os homens3; especialmente, de seu bem estar; acesso universal a educação; possibilidade de ascensão social; liberdade de imprensa e individual e de reunião/associação formavam, em conjunto, elementos de uma nova sociedade e que em última instância determinam a constituição de uma república democrática, posicionando-a em situação politicamente e economicamente mais adiantada aos europeus. Em contexto assim delineado, percebe-se que estavam postos todos os ingredientes para o êxito dessa nação, antecipando o autor, a supremacia que o país iria exercer muitas décadas depois de sua original inferência.
A problemática religiosa/cultural e sua adequação ao modo capitalista foi foco de preocupações de Max Weber. Em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” de 1904, o cientista social procurou explicar o êxito desse modo de produção por meio de contribuições de fora da economia, no caso, a teologia protestante de tradição calvinista e sua singular ética do trabalho. Não compete aos homens perscrutar a vontade de Deus senão, ao contrário, empenhar-se diuturnamente em glorificá-lo por meio do trabalho, conduzindo-se de modo ascético perante os apelos hedonistas do mundo. Trocar as possibilidades de usufruir mundanamente os benefícios sua riqueza pelo reinvestimento em sua atividade ajudava a si e ao próximo. O lucro é predestinação divina na medida em que fortalecia a ideia de ser escolhido por Deus para engrandecer sua gloria. Nenhum outro padrão ético dessa época era capaz de se moldar tão ajustadamente ao capitalismo como a de caráter protestante, embora o confucionismo asiático pareça ser uma ética ainda melhor talhada a natureza do processo de acumulação capitalista. O recente êxito japonês e coreano, seguido pelo chinês e pelo vietnamita confirma tal hipótese.
Voltando ao pensamento econômico mais objetivo, não há como excluir a abordagem marxista para compreensão da evolução capitalista. Em “O Capital”, Marx tem especial atenção com a problemática da introdução das máquinas no processo produtivo4. Dois fenômenos têm ensejo com a introdução de máquinas: a) a criação de um exército industrial de reserva (freio para o aumento dos salários) e b) subsunção do trabalho ao capital, ou seja, o ritmo da atividade laboral deixa de ser comandado pelo labor humano e passa a ser ditado pela máquina, uma inversão do capital. A concorrência intercapitalistas os empurra à crescente substituição do trabalho humano (origem única e exclusiva da criação de valor) pelas máquinas. O resultado final desse processo consiste no estreitamento das margens de lucro até a ruptura do padrão de acumulação. Assentado numa espécie dialética inversa hegeliana, Marx concebe nessa trajetória a força intrinsecamente destruidora do capitalismo. Ainda que tratado com sarcasmo por sérios estudiosos, a recente crise econômica, surgida das extravagâncias financeiras, assemelha-se a armas de destruição em massa que, no caso, dilapidou a riqueza e reduziu e continuará reduzindo as possibilidades de crescimento econômico futuro.
A leitura de Marx exige cautela. Muitos maus leitores escorregam para a fácil interpretação de que o autor culpava o sistema econômico por todos os pecados sobre a terra o que é, evidentemente, uma tremenda injustiça com o pensador. Em parceria com Engels, Marx produziu um dos mais belos elogios ao capitalismo no Manifesto Comunista.
O leitor já dever ter se apercebido de que o tema aqui tratado versa sobre a riqueza, sua formação e expansão; das pessoas, empresas e nações. Para completar esse quadro resgato o último autor e, talvez, aquele que mais me influenciou na forma como trato os multivariados assuntos que vez por outra me ponho a analisar: Schumpeter, que em 1911 publica “A Teoria do Desenvolvimento Econômico”. No capítulo “o fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico’, traz uma das mais brilhantes interpretações para a dinâmica da atividade econômica a figura do empresário inovador. Caracteriza-o como que possuído por um espírito selvagem imbuído de oferecer ao mercado novos produtos, surgidos de combinações dos fatores de produção mais eficientes. Schumpeter internaliza a inovação e a tecnologia na natureza econômica considerada, até então, uma externalidade. É dele a frase: “o vento perene da destruição criativa” para descrever das inovações e as rupturas por elas causadas na irregular trajetória do ciclo econômico (esse último também outro tema de sua imediata preocupação e onde trouxe relevante contribuição).
Aqui cessa o resumo teórico econômico e inicia-se o conteúdo que intitula a análise. A história da riqueza do café foi magistralmente costurada pelo historiador Afonso d’Escragnolle Taunay no clássico: “Pequena história do Café no Brasil”, livro de 1943, referência ímpar para todos aqueles que se interessam e vierem a se interessar pelo produto e pelo agronegócio que aqui se estabeleceu de forma tão virtuosa e que terá em breve um merecido relançamento em edição artesanal e de luxo. Aguardem...
Também entre nós, impossível desconsiderar a monumental contribuição oriunda do clássico estudo “O Problema do Café no Brasil” do emérito prof. Delfim Netto, no qual demonstra que as principais diretrizes de política econômica estabelecidas teoricamente por Keynes, visando superar a recessão iniciada em 1929, compunham o eixo de ação dos convênios de defesa do café criados a partir de 1906 com a formulação do “Acordo de Taubaté.
Em 15/04/20115 tive a honra de participar de mais um capítulo da construção da riqueza do café: o dia de campo sobre terraceamento de café na montanha técnica introduzida nos cafezais da mais que centenária Faz. Recreio de São Sebastião do Paraíso/SP, pelo Eng. Agr. Diogo Dias Teixeira de Macedo seu proprietário e administrador6. Responsável pela centésima décima oitava colheita de café7 da fazenda é um dos maiores colecionadores de prêmios de qualidade pelo Bourbon Amarelo obtido de suas lavouras. Também, possui marca de café de café gourmet preparado com a fina flor de seus selecionadíssimos grãos.
O sistema produtivo denominado cafeicultura de montanha anda a padecer. Os elevados custos da mão de obra necessária para conduzir o manejo agronômico e a realização da colheita manual, implicam em pesados desembolsos, conduzindo esse sistema ao limite da inviabilidade econômica. A adoção do terraceamento em cafezais já implantados demonstra a ousadia na introdução da inovação (espírito animal), com vistas a obter os ganhos de produtividade do trabalho, por meio da mecanização parcial e provavelmente integral dos talhões terraceados, necessários na viabilização econômica da cafeicultura na montanha.
Ao abrir as porteiras de sua propriedade à realização do dia de campo e para lá acorrerem mais de 70 participantes, comprova o elevadíssimo interesse em disseminar a informação e disseminar igual êxito para uma porção maior de cafeicultores em situação de montanha8. As demonstrações do emprego de máquinas9 para a realização de diversas tarefas do manejo agronômico da lavoura é o atestado de que a cafeicultura de montanha pode ser tão competitiva quanto aquela desenvolvida nos planaltos, com a vantagem de continuar a oferecer uma bebida única e imensamente desejada aqui e lá fora.
O dia 15/04/2011 fica registrado como um dos mais relevantes acontecimentos para a construção de nova riqueza na cafeicultura. Os ganhos de produtividade dos fatores produtivos alocados a partir da adoção dos terraços serão formidáveis e isso se traduz como salientou Smith, em mais riqueza. Aliando-se essa nova riqueza com as novas exigências de sustentabilidade sócio-ambiental, temos diante de nós a verdadeira cafeicultura competitiva do século 21.
1 O conceito de equilíbrio geral também cunhado por Smith deriva da física mecânica newtoniana.
2 Tivemos outras importantes contribuições como de Robert Owen considerado o pai do cooperativismo.
3 Nesse aspecto o autor considerava que a escravidão na porção sul do país era uma ameaça permanente para a estrutura republicana.
4 A obra é composta por 4 volumes e não tenho a pretensão de aqui esgotar esse pensamento. Apenas me apropriei daquilo que é de interesse para a evolução dessa análise que quer explicar a riqueza do café.
5 O mérito da articulação desse encontro deve também ser creditado ao esforço e empenho da Rede Peabirus – Comunidade do Manejo da Lavoura Cafeeira (www.peabirus.com.br), gerenciado pelo amigo e pesquisador Sérgio Pereira Parreiras. Esse foi o primeiro encontro presencial na historia cafeeira, surgido a partir do interesse mútuo de seus membros, cumprindo na prática seu objetivo o de compartilhar.
6 A inovação foi primeiramente implementada por jovens cafeicultores de Caconde/SP que observaram uma muito boa resposta de linhas de café em que houve a necessidade de construir terraços. A tecnologia permaneceu na prateleira até que o Eng.Agr. Diogo Macedo resolveu implantá-la em larga escala como está a acontecer nesse momento.
7 Haverá alguém que aqui duvide que essa epopéia familiar (118 colheitas) somente se mantém como está devido à religiosíssima ética do trabalho conforme estabelecida pelos reformadores protestantes.
8 Essa liberdade no trânsito de informações e a livre associação dos indivíduos causariam imensa surpresa a Tocqueville, pois nisso, certamente, reconheceria as sementes de uma sociedade mais evoluída que a sua.
9 É desnecessário recordar o papel da introdução das máquinas delineado por Marx.
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., MS Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Pesquisador Científico do IEA
celvegro@iea.sp.gov.br
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