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segunda-feira, 30 de maio de 2011

CÓDIGO FLORESTAL - O projeto sai da Câmara conforme queriam os ruralistas, e Dilma promete vetar os pontos mais polêmicos

POR GERSON FREITAS JR. | CARTA CAPITAL

A votação das controversas mudanças no Código Florestal rachou a base aliada e impôs ao governo Dilma sua primeira derrota na Câmara dos Deputados. Os congressistas aprovaram não só o texto básico do relator Aldo Rebelo, apoiado "com ressalvas" pelo Planalto, mas também a Emenda 164, que a presidenta classificou como "vergonhosa" e prometeu vetar.
A vitória dos ruralistas foi acachapante. O relatório teve 474 votos a favor e apenas 63 contra. Navotação do destaque, foram 273 contra 182.0 resultado não surpreendeu. A aprovação, tanto do relatório quanto da emenda, era dada como certa já nas primeiras horas da terça-feira 24. A única dúvida era se o governo aceitaria a derrota ou abortaria a votação, como fez duas semanas antes. Fragilizado pelo escândalo do vertiginoso enriquecimento de Antonio Palocci, o Planalto não viu outra saída senão aceitar os fatos.

Visivelmente constrangido, o líder do Partido dos Trabalhadores, Paulo Teixeira, recomendou o voto no relatório de Rebelo. "O projeto ainda tem problemas sérios, mas avançou muito em relação à proposta inicial", justificou minutos antes do pleito. E, embora não tenha liberado a bancada, disse que o partido "entenderia" eventuais dissidências. Ao todo, 35 de 81 deputados.

No outro lado, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, comandou a rebelião da base contra o governo. O partido do vice, Michel Temer, votou em peso a favor do relatório e da Emenda 164, da qual foi um dos signatários. O governo promete alterar o projeto no Senado. O Planalto quer incluir na proposta a recomposição obrigatória de 20% de todas as áreas de preservação permanente, como topos de morros e margens de rios, e penas adicionais aos agricultores que reincidirem em agressões ao meio ambiente. "Vamos deixar claro que o governo tem uma proposta alternativa", disse Cândido Vaccarezza, o líder governista na Câmara.

O Planalto espera que a discussão no Senado ocorra com mais serenidade. A avaliação é de que, na Câmara, o embate entre ruralistas e ambientalistas extrapolou em muito o tom desejável e arruinou qualquer possibilidade de acordo. Por isso, Dilma deverá reeditar o decreto que isenta de multa os proprietários de terra que desmataram ilegalmente, a fim de dar mais tempo aos senadores. O decreto atual vence em 11 de junho. O valor das multas a serem aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Humanos Naturais e Renováveis (Ibama) e ainda não pagas até 22 de julho de 2008 extrapola a casa dos 2,4 bilhões de reais. Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amazonas respondem por 85% desse valor.

"O Congresso não deve votar com uma faca no pescoço. Não havendo condição de se chegar a um acordo antes desse prazo, o governo já sinalizou que prorrogará o decreto", afirma Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados. O presidente do Senado, José Sarney, declarou que o projeto deverá ser apreciado "sem atropelo" por ao menos três comissões: Constituição e Justiça, Meio Ambiente e Agricultura.

Segundo o líder do governo na casa, Romero Jucá, a relatoria do projeto ficará por conta do presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), parlamentar de confiança do Planalto.

Caso não consiga reverter o resultado obtido na Câmara, Dilma prometeu vetar os pontos mais críticos ou mesmo todo o texto do Código Florestal. Embora seja uma prerrogativa constitucional do presidente da República, a medida poderia abrir uma crise entre os poderes logo no primeiro ano de mandato. Para evitar esse desgaste, o governo vai trabalhar para garantir a fidelidade de sua ampla base aliada no Senado.

Na Câmara, a votação do Código Florestal voltou a colocar em xeque a relação entre o governo e o PMDB. Em seu discurso, Eduardo Alves tentou negar a conclusão óbvia de que ajudava a derrotar o governo. "Não sou um aliado do governo Dilma. Eu sou o governo Dilma." Logo em seguida, inflamado, desafiou o Planalto. "Esta é a hora de esta Casa (a Câmara) se afirmar. Isto aqui é um poder", afirmou, sob aplausos efusivos da oposição. "Eduardo Alves fez um discurso histórico de defesa do Parlamento", elogiou o colegaACM Neto. Alves, vale lembrar, é candidato à presidência da Câmara, cargo pretendido também por Aldo Rebelo.

Em sua tentativa de defender o Planalto, Vaccarezza saiu-se de maneira desastrosa. Após afirmar, corretamente, que é o presidente quem fala pelo governo em um regime presidencialista, o petista caiu em desgraça ao afirmar que o Congresso "corre risco quando vota contra o governo". Foi a senha para que os parlamentares transformassem a votação da Emenda 164 em um ato de independência da Câmara contra uma suposta ingerência do Executivo. Após a derrota, o líder governista disse que a relação com o PMDB não foi abalada com o episódio. "É uma página virada."

A Emenda 164 é o ponto mais crítico do novo Código Florestal. Proposta por parlamentares do PMDB, revoga o artigo 8° do texto relatado por Aldo Rebelo. Com esse artigo, o governo federal havia assegurado o direito de regulamentar, por decreto, quais APPs poderiam continuar a ser usadas pela agricultura e quais deveriam ser recompostas. O objetivo era distinguir áreas de preservação utilizadas por culturas há muitos anos, como as de café em Minas Gerais, daquelas que foram desmatadas ilegalmente, após a vigência do Código Florestal. Com a emenda, caberá aos estados fazer a distinção.

O governo federal desconfia da capacidade dos estados de fazer cumprir a lei. O que impediria que unidades da federação como o Mato Grosso, dominado por representantes do agronegócio, de liberar o plantio de soja em áreas de preservação permanente sob o artifício do "interesse social"? Na prática, argumentam os ambientalistas, a medida consolida todas as ocupações irregulares e anistia os desmatadores.

Por outro lado, argumenta o deputado Moreira Mendes (PPS), líder da frente parlamentar agropecuária, a prerrogativa de regulamentar as exceções por decreto transformaria a questão em moeda de troca política para o governo federal. "O governo quer é aprovar um código restritivo, que é o que conta para quem vê de fora, e depois liberar as ocupações no varejo." Para Duarte Nogueira, líder do PSDB na Câmara, a proposta governista é "autoritária", pois "submete a sobrevivência de culturas centenárias à caneta do governo".

De todo modo, a grande ameaça do novo Código é moral. Ao anistiar os proprietários de terra que desmataram ilegalmente, o Brasil passa mensagem de que o crime compensa. "O produtor que sempre seguiu a lei, que manteve as áreas de preservação permanente e reserva legal, vai chegar à conclusão de que errou", afirma Teixeira. Tal percepção seria a principal causa da disparada no ritmo de desmatamento da Amazônia, apontada pelos satélites do Inpe, nos últimos meses.

A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), argumenta que não faz sentido falar em anistia se os produtores terão de aderir a um plano de regularização que prevê a recomposição (parcial) das áreas devastadas. "Além disso, a lei não abre qualquer brecha para quem desmatou após julho de 2008. Estes vão ter de se entender com a Justiça."

Para se verem livres das penalidades por crimes ambientais, os produtores em situação irregular terão de aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), conduzido pela União em conjunto com os estados, no prazo de até um ano após a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que deve acontecer em até 90 dias após a publicação da futura lei.
Quem aderir ao PRA terá de assinar um termo de adesão e compromisso que vai especificar os procedimentos de recuperação ambiental. Cumpridos os termos, as punições são extintas. Contudo, o precedente justifica a desconfiança de que, passados alguns anos e descumpridas as ordens do PRA, os produtores rurais voltem a apelar ao argumento da "segurança jurídica" para conseguir um novo perdão.

No mais, o relatório votado contém avanços importantes em relação às primeiras versões apresentadas por Rebelo. O governo conseguiu garantir a manutenção das áreas de reserva legal e preservação permanente previstos no código atual. Ou seja, a nova legislação não autoriza novos desmatamentos em relação àqueles que já seriam permitidos atualmente. A flexibilização vale apenas para aqueles que terão de recompor áreas derrubadas. Em outras palavras, o novo Código Florestal não autoriza a devastação da Amazônia, como sugere a retórica ambientalista.

A discussão sobre as mudanças no Código Florestal foi, desde o início, um campo aberto para argumentos falaciosos e delirantes. No dia da votação, a senadora Kátia Abreu chegou a afirmar que as ONGs de defesa ao meio ambiente agiam como a máfia italiana ou as milícias cariocas "ao extorquir empresários sob a ameaça de desmoralização pública". Espera-se que, no Senado, o debate tenha a lucidez que o tema exige.

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