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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

ENTREVISTA - Roberto Rodrigues, "A agricultura do Brasil dará um enorme salto em 20 anos"

18/09/2009 12:03
ENTREVISTA - Roberto Rodrigues, "A agricultura do Brasil dará um enorme salto em 20 anos"


17/09/2009 23:09:17 - Zoonews / Terra

Ex-Ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do Presidente Lula (2002/06) e atual coordenador do GV Agro, da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Rodrigues, fala dos impactos da crise financeira global sobre as principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro e prevê bons momentos para o país no médio prazo:

Quais as perspectivas gerais para o agronegócio neste momento?

A crise afetou o agronegócio de maneiras distintas, com impactos maiores ou menores conforme as características de cada uma das cadeias produtivas. Nas culturas anuais, o aumento nos custos de produção e a baixa dos preços internacionais em dólar foram compensados pelo câmbio favorável. Outro ponto importante é o fato de que os preços praticados antes da crise estavam acima da média histórica, devido à especulação. Ou seja, os produtores de soja, milho e algodão, acabaram tendo uma remuneração razoável. Isso foi muito positivo, pois neste ano esses mesmos produtores estão empenhados na produção de uma safra significativa. Então eu diria que para o ano que vem, no que diz respeito a grãos e fibras, o cenário é muito positivo.

Quais foram os setores que mais sofreram?

O conjunto todo das culturas permanentes, com destaque para café, laranja e cana de açúcar. Os três setores estão sofrendo muito fortemente os efeitos da crise. O café não pegou o momento de câmbio favorável e está apanhando muito, numa situação extremamente confusa. Os estoques mundiais do produto estão praticamente alinhados com a demanda, mas diferentemente do que ocorre nesses momentos, os preços estão baixos. Minha opinião, é que eles tendem a subir em algum momento. Mas os produtores estão sofrendo bastante. Na laranja, os problemas têm, ao menos, três capítulos. O consumo diminuiu, os estoques cresceram e o setor é extremante cartelizado. Não estou dizendo que existem práticas ilegais no setor, mas o fato real é que os produtores recebem, por uma caixa de laranja, um valor menor do que o custo de produção. E não vejo melhorias no horizonte de curto prazo.

Situação sem solução?

O cenário é complicado, mas eu tenho defendido, em relação a esse assunto, a criação de um conselho nos moldes do que ocorria no setor de cana, com o Consecana. As usinas têm resistido a isso, mas agora eu vejo que começam a aceitar essa idéia. Até porque, nos últimos três ou quatro anos, surgiram doenças muito fortes que ameaçam a citricultura brasileira. Isso fez com que boa parte da área produtiva fosse eliminada. Portanto, acho que as usinas tendem a se mexer em direção a um acordo mais razoável com os produtores.

E a cana e o álcool?

Sem dúvida, este é o setor que está sofrendo mais. Quase todas as usinas brasileiras vinham caminhando com projetos de expansão de seu parque, ou para a construção de novas unidades. Ou seja, elas vinham muito alavancadas, com expectativas favoráveis num curto e médio prazo por conta do crescimento do etanol como produto de exportação. Além disso, o açúcar também vinha com expectativa de alta por causa de uma seca tremenda na Índia. Isso elevaria, em muito, o papel do Brasil nesse setor. Mas aí veio a crise, o crédito se foi, os mercados encolheram, o preço do petróleo despencou e o etanol perdeu competitividade. Claro que algumas usinas estavam capitalizadas, mas com esse cenário de preços baixos, até elas se viram obrigadas a negociar seu produto em más condições. O problema é maior porque o usineiro nessa situação tem dificuldade para pagar ao produtor de cana. E esse produtor, especialmente aquele que vende cana para as usinas que produzem álcool, está sofrendo bastante. As usinas que produzem açúcar estão um pouco melhores, já que os preços do açúcar esse ano são os maiores nos últimos 28 anos, de novo por causa da seca na Índia. Mas quem faz só álcool, está muito mal.

E qual é a saída que senhor enxerga para o setor?

Eu penso que o setor vai sair do buraco mediante duas questões: concentração e internacionalização. As usinas que estavam bem das pernas estão adquirindo outras, e o capital internacional chega também com força. Vários grupos internacionais estão adquirindo usinas aqui no Brasil. Isso não é necessariamente ruim, contanto que haja regras para gerir esse processo. Isso também iria acontecer de qualquer maneira, mais cedo ou mais tarde.

E qual é o panorama geral do setor de carnes?

Dentro do setor, os que estão melhores são os produtores de frango. O Brasil tem muita competitividade nessa área. A China acabou de anunciar que vai iniciar importações e isso abre enormes possibilidades para o frango brasileiro. Já a suinocultura vem sofrendo um pouco mais. Houve um pequeno refluxo no consumo mundial por conta da gripe suína, mas já voltamos à estabilidade. O problema é que os consumidores internacionais da carne suína brasileira são poucos. A carne bovina, por último, sofreu recentemente um grande revés na União Européia. A ausência da rastreabilidade, que os europeus exigiam muito, fez com que as vendas caíssem. Mas à medida que esse processo se estabelece dentro das fazendas brasileiras a tendência é para que as coisas voltem ao normal. A boa notícia é que o consumo interno é muito forte e isso dá certo equilíbrio para o setor. De maneira localizada, assistimos à quebra de alguns frigoríficos, principalmente pela queda na demanda européia e crédito escasso. Isso afetou, também de maneira localizada, alguns pecuaristas.

E como o senhor avalia as ações do governo para minimizar os efeitos da crise?

O governo chegou a colocar à disposição dos frigoríficos e das usinas de álcool e açúcar, cerca de R$ 10 bilhões em crédito. Mas para liberar esse dinheiro a burocracia era enorme. Então o pessoal nem chegou a receber esse dinheiro, ele não chegou na ponta.

E quais são as perspectivas globais no campo da produção de alimentos nesse momento de crise?

A primeira coisa importante é que os estoques de milho, arroz e trigo estão hoje na faixa de 60% a 70% dos volumes de dez anos atrás. A demanda dos países emergentes aumentou muito, e a crise afetou esses mesmos países de maneira muito mais branda. Também há sinais de que as economias desse conjunto de países, ao qual o Brasil se enquadra, começam a retomar o crescimento. Então, a opinião geral entre os economistas é que, mesmo que os preços caiam um pouco mais, a tendência geral é observarmos uma retomada no médio e longo prazo. Isso para o setor de grãos.

Voltando ao etanol brasileiro. Até pouco tempo atrás parecia não haver obstáculo para o sucesso do produto. Quais as perspectivas futuras para o setor?

O etanol vinha num processo importante de abertura de mercados, e o principal fator de desequilíbrio foi a queda do preço do barril de petróleo. Mas não tenho dúvidas de que o etanol voltará a ser competitivo. A segurança energética é a grande questão do século XXI, assim como ganha importância o cuidado com o meio ambiente. A pressão exercida por essas duas questões fará o mundo se debruçar com mais cuidado sobre a produção de biocombustíveis. Além disso, comida se produz em qualquer lugar do mundo, com mais ou menos tecnologia. Já o etanol, não. Sem sol não é possível produzi-lo. Isso abre a possibilidade para uma mudança significativa na geopolítica mundial, uma vez que a agroenergia produzida nos países tropicais será financiada por pelos países consumidores do norte. Isso traz um balanço importante para a política e a economia mundial.

E a agricultura brasileira de uma maneira geral, qual é o cenário em um horizonte de 20, 30 anos?

O Brasil é de longe a maior fronteira agrícola do mundo. Temos 72 milhões de hectares com todas as nossas culturas, e podemos mais que dobrar essa área se contarmos com as terras ocupadas por pastagens. A agricultura brasileira dará um salto gigantesco nos próximos 20 anos. Se tivermos um pouco mais de estratégia e inteligência poderíamos acelerar esse processo. Nos últimos oito anos o mundo produziu 102 milhões de toneladas de grãos menos do que consumiu. Por isso os estoques estão baixos. E o Brasil, no mesmo período, produziu 186 milhões a mais do que consome. Ou seja, nosso potencial é enorme.

O senhor falou anteriormente sobre a importância do meio ambiente e me parece que, ultimamente, produtores e ambientalistas começam a alinhar seus discursos. Isso é apenas retórica, ou antigos adversários estão falando a mesma língua?

Era fatal que isso fosse acontecer. Afinal, ambos querem uma única coisa: sustentabilidade. O produtor não consegue competir hoje se não pensar dessa maneira. Então, estão surgindo possibilidades cada vez maiores para acordos dentro dessa lógica. No entanto, ainda existe muito radicalismo, dos dois lados. O estabelecimento das regras para o processo de créditos de carbono, que deve acontecer agora em Copenhague, será fundamental para avançarmos nessa questão. Uma árvore em pé tem que valer mais do que cortada. E a sociedade inteira tem que pagar por isso O que não dá é ficar responsabilizando o produtor rural por um problema coletivo.

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